06 Dezembro 2019
Diz-se escandalizado por algumas narrativas sobre os migrantes que circulam na Europa, assim como está chocado com a "impressionante crueldade de alguns centros de detenção na Líbia" e entristecido pelas políticas dos "muros" que, como no caso dos Estados Unidos, separam as crianças dos pais. Francisco desabafa com os jesuítas da Tailândia, encontrados, como já é tradição de toda viagem apostólica, no último dia 22 de novembro, por ocasião da visita que também teve a etapa no Japão. A entrevista é relatada hoje na íntegra em La Civiltà Cattolica pelo diretor padre Antonio Spadaro.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 05-05-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
O encontro com os coirmãos tailandeses ocorreu em uma sala adjacente ao Santuário do Beato Nicolas Bunkerd Kitbamrung, onde o Pontífice tinha se encontrado pouco tempo antes com a Conferência Episcopal da Tailândia e a Federação das Conferências Episcopais da Ásia. Durante meia hora, Bergoglio, recebido pelo superior Augustinus Sugiyo Pitoyo, falou com 48 religiosos vindos do sudeste da Ásia, respondendo a cada pergunta de improviso.
Em especial foi uma questão de um jesuíta ativo no JRS (Serviço Jesuíta aos Refugiados) que estimulou a reflexão do Papa sobre o tema que lhe é caro das migrações e das condições às vezes desumanas com que milhares de refugiados vivem em todo o mundo: os Rohingya na Ásia, os latino-americanos nos EUA, os africanos e do Oriente Médio na Europa. Para Francisco o trabalho com refugiados é "um verdadeiro ‘lugar teológico’", relatou, lembrando o testemunho do padre Pedro Arrupe, preposto da Companhia de Jesus de 1965 a 1983, cujo "canto do cisne" foi precisamente a fundação do Jesuit Refugee Service em Bangkok.
"O fenômeno dos refugiados sempre existiu, mas hoje é mais conhecido por diferenças sociais, fome, tensões políticas e, sobretudo, guerra", observou Bergoglio. “Por essas razões, os movimentos migratórios se intensificam. Qual é a resposta que o mundo dá? A política do descarte. Refugiados são material de descarte. O Mediterrâneo foi transformado em cemitério. A impressionante crueldade de alguns centros de detenção na Líbia toca meu coração. Aqui na Ásia, todos conhecemos o problema dos Rohingya. Devo reconhecer - afirmou - que algumas narrativas que ouço na Europa sobre as fronteiras me escandalizam. O populismo está ganhando força. Em outros lugares, existem muros que até separam os filhos dos pais. Isso me lembra Herodes. E para as drogas, por outro lado, não há muros que segurem”.
Francisco também criticou a "filosofia de defesa" que hoje "nos faz acreditar que somente com medo e fortalecendo fronteiras é possível se defender". Paralelamente, a exploração está crescendo: "Sabemos bem como a Igreja - e quantas irmãs estão envolvidas neste campo! - esteja trabalhando duro para salvar as jovens da prostituição e das diferentes formas de escravidão”, enfatizou o Pontífice. Ele então recordou a "rica experiência evangélica" da Igreja ao lidar com o problema dos refugiados: desde o acolhimento do estrangeiro do Antigo Testamento até os tantos pequenos costumes populares, como deixar uma cadeira vazia em dias feriados, caso chegue um hóspede inesperado. "Se a Igreja é um hospital de campanha, um dos campos onde há mais feridos é esse. São esses os hospitais que devemos atender mais", exortou o Papa, recomendando aos jesuítas de não negligenciar a oração: "Naquela periferia física, não se esqueçam dessa outra, a espiritual. Somente na oração encontraremos força e inspiração para entrar bem e frutuosamente no que são as ‘confusões’ da injustiça social".
Na ampla conversa, o Papa Francisco - solicitado pelas perguntas - também refletiu sobre temas eclesiais, como a questão dos divorciados recasados, à luz das indicações da Amoris laetitia, e sobre as problemáticas ambientais, amplamente discutidas na encíclica Laudato si'.
Sobre o primeiro ponto, o Papa reiterou seu não à "moral da situação" quando se trata de casais unidos no segundo casamento. “Como se comportar pastoralmente com eles?” era a pergunta dirigida ao Pontífice. "Eu poderia responder de duas maneiras – disse ele - de uma maneira casuística, que, no entanto, não é cristã, mesmo que possa ser eclesiástica; ou, de acordo com o Magistério da Igreja, como está escrito no oitavo capítulo da Amoris laetitia, ou seja, fazer um caminho de acompanhamento e discernimento para encontrar as soluções. E isso não tem nada a ver com a moral da situação, mas com a grande tradição moral da Igreja”.
Quanto ao tema do meio ambiente e ao acolhimento de sua encíclica verde, Bergoglio relembrou a COP-21 em Paris de dezembro de 2015 em relação à qual "havia muitas expectativas" e onde "um grande esforço foi feito para favorecer o encontro de líderes mundiais para procurar novas maneiras de enfrentar as mudanças climáticas e salvaguardar o bem-estar da Terra, a nossa casa comum". Sem dúvida, foi um "passo à frente", porém posto em xeque pelos subsequentes "conflitos" e "compromissos" entre "o que foi imaginado e as ‘carteiras’, os interesses econômicos de alguns países": "E assim alguns se retiraram", ressaltou o Papa.
Mas hoje, ele observou, "as pessoas se tornaram muito mais conscientes do que antes sobre os cuidados da casa comum e sua importância. Muitos movimentos nasceram, especialmente aqueles animados pelos jovens. Esta é a estrada a ser trilhada. Hoje são os jovens que entendem com o coração que a sobrevivência do planeta é um tema fundamental. Eles entendem bem o coração da Laudato si'. Essa é uma promessa de futuro. ‘O futuro é nosso’, dizem eles. Devemos continuar trabalhando, para que a mensagem fundamental que a Laudato pretende comunicar seja compartilhada em todo o mundo. A encíclica deve ser amplamente compartilhada. O que ela afirma agora é assumido por muitos. E não há direitos autorais sobre o cuidado da casa comum! É uma mensagem que pertence a todos".
Aos jesuítas tailandeses, Francisco também confiou o "sonho" de "uma igreja jovem, muito próxima das pessoas, fresca". Depois ele disse que está familiarizado com os problemas que os religiosos enfrentam no país, começando com a exploração ligada ao turismo sexual. Portanto, ele se despediu com uma indicação precisa: "Vocês, jesuítas, devem fazer todo o possível para elevar o nível social. Trabalhem pelo bem do vosso país e pela dignidade das pessoas!”.
O encontro terminou com uma bênção e saudações individuais, seguidas da entrega de alguns presentes e da tradicional foto de grupo.
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O Papa: “O populismo ganha força, algumas narrativas sobre os migrantes me escandalizam” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU