17 Agosto 2019
“El Planeta es de todos é um jorro de fria realidade que nos desperta para o desastre e nos informa os meios que dispomos na hora de buscar soluções. Os irresponsáveis do 1% não veem mais futuro possível para a humanidade a não ser extinguir ou colonizar o espaço, mas uma sobrevivência em equilíbrio com a Terra é uma alternativa viável”, escreve Jesús Aller, comentando o livro de Vandana Shiva e Kartikey Shiva, em resenha publicada por Rebelión, 16-08-2019. A tradução é do Cepat.
Alguns meses atrás, resenhava ¿Quién alimenta realmente al mundo?, o monumental trabalho de Vandana Shiva que desmonta as falácias da divulgada revolução verde. Nele se manifesta que o único caminho sustentável para o planeta deve se basear em métodos agrícolas que valorizem a sabedoria de milênios, e não no abuso de uma tecnologia destrutiva a serviço apenas do lucro rápido de alguns poucos que nos conduzem ao desastre.
Na mesma linha, El Planeta es de todos, que acaba de ser publicado por Editorial Popular, é dedicado a descrever as estratégias das grandes corporações para aumentar e blindar seus lucros, em detrimento do futuro de nossa espécie e do mundo que habitamos.
O número de bilionários que concentram tanta riqueza quanto a metade mais pobre da humanidade se reduziu, entre 2010 e 2016, de 388 para 26. Esses números servem para nos dar uma ideia do processo imparável de fluxo de capital para os mais ricos, em que estamos imersos. Isso não é acidental, mas, sim, um simples corolário da própria essência do capitalismo, um sistema cuja dinâmica pode ser comparada à de um organismo afetado por um tumor maligno.
O 1% dos mais ricos controla de fato a economia, o pensamento e a vida do planeta, a tal ponto que os seres vivos se convertem, por meio de sua manipulação genética, em "criações" de propriedade das multinacionais. Esta ditadura, baseada numa "lógica" demente de mercantilização de tudo, tem seu respaldo ideológico no mecanismo dualista que separa o homem da natureza, de outros homens e de seu ser mais profundo.
Uma revisão de biografias de magnatas e políticos evidencia os métodos dos atores globais de grandes corporações e bancos. Estes se apropriam dos recursos e os tornam lucrativos em uma espiral especulativa que aumenta os lucros e inclui guerra, fome e genocídio como instrumentos. A única alternativa que pode se contrapor a este desastre é a de um paradigma oposto ao mecanismo dominante, com democracia real e direta em todos os níveis e gestão sustentável, que encontra seu fundamento em uma visão holística e integrada do cosmos. Alguns exemplos bem-sucedidos de movimentos não violentos de resistência ao extrativismo e à degradação ambiental mostram claramente as possibilidades oferecidas por esse caminho.
A agricultura industrial, baseada em venenos e combustíveis fósseis, beneficia as mesmas empresas que se especializaram no passado no desenho e fabricação de armas químicas para guerras e genocídios. Os detalhes dessas manobras são estarrecedores, mas, mais ainda, é comprovar que hoje são essas corporações assassinas que estão no comando das finanças globalizadas.
O Tribunal Monsanto, estabelecido em outubro de 2016, em Haia, patrocinado por movimentos e instituições de todo o planeta, busca denunciar e impugnar esses crimes contra a humanidade. Nesse sentido, o papel dos governos democráticos dispostos a assumir essas lutas é imprescindível. O "Cartel tóxico" se defende choramingando, argumentando que sem seus venenos, o mundo morrerá de fome.
Nas mãos dessas pessoas sem escrúpulos, a ciência se tornou um instrumento de dominação e controle, e a biologia molecular se degenerou em um reducionismo em que, desprezando a complexidade dos processos envolvidos e os efeitos indesejáveis que são introduzidos com essas manipulações, se lança a "desenhar" seres vivos sob medida, com o único fim de otimizar sua exploração econômica a curto prazo.
Esses aprendizes de feiticeiros são perfeitamente capazes de alterar profunda e perniciosamente a dinâmica da vida na Terra, mas, felizmente, também há cientistas que revelam suas inconsistências e, através de disciplinas como a agroecologia e a epigenética, aprimoram métodos de cultivo respeitosos com os seres humanos e o meio ambiente.
A história dos algodões transgênicos Bt e RR Bt (este com prováveis efeitos cancerígenos) da Monsanto oferece bons exemplos dos desastres que essas técnicas acarretam, com o desenvolvimento de superpragas e envenenamentos, ruína e suicídios de camponeses. Qualquer um que se atreva a denunciar as mentiras e crimes desta corporação é silenciado e é objeto de campanhas sujas campanhas de desprestígio.
Outro caso emblemático é o do arroz dourado, outro transgênico que tem mostrado efeitos nocivos inesperados, mas em cuja defesa a multinacional foi capaz de mobilizar uma legião de prêmios Nobel de diversas disciplinas, majoritariamente ignorantes em assuntos agrícolas. Os exemplos se multiplicam, mas os poderosos fazem uma implacável propaganda contra "os anticiência que querem nos devolver à idade da pedra".
A máquina de fazer dinheiro incorpora tecnologias de satélites, processamento de dados e manipulação genética para controlar a agricultura do planeta e explorá-la em seu benefício, em uma dinâmica que é exatamente o oposto à democracia econômica e o respeito ao meio ambiente. É um mundo orwelliano no qual "livre" significa "privatizado".
Os magnatas do filantrocapitalismo se declaram dispostos a ajudar os mais necessitados, mas impõem de fato tecnologias discutíveis e destrutivas. Em sua cobiça, chegam à "biopirataria", apropriando-se de métodos desenvolvidos pelos camponeses ao longo dos séculos e os patenteando como seus.
Com a sua “geoengenharia”, o 1% deu o passo para o desenho do clima e a busca de tecnologias sofisticadas que nos libertem dos efeitos nocivos de suas outras tecnologias. Trata-se, assim, de que o capitalismo nos salve do capitalismo, sem parar para considerar que só a democracia econômica pode nos levar a um mundo em equilíbrio.
A obra conclui invocando três princípios, baseados no pensamento de Mahatma Gandhi, que servem como um guia para combater o desastre humano, biológico e planetário para o qual o 1% nos conduziu:
Swaraj: auto-organização e autogoverno, construindo de baixo para cima a sociedade com uma estrutura federada e democracia direta.
Swadeshi: Autossustentabilidade em uma rede de economias locais, constituindo um imperativo ecológico e ético, que nos liberta da escravidão dos combustíveis fósseis, ainda que esteja aberto ao comércio justo e à racionalização do uso de recursos.
Satyagraha: É a "força da verdade", a desobediência civil criativa e o direito de não colaborar com o 1% e a máquina estatal a seu serviço. Suas possibilidades são infinitas: Bija satyagraha, por exemplo, é um movimento impulsionado por Vandana Shiva para se opor à privatização das sementes.
O caminho assim definido integra as melhores tradições do pensamento emancipatório e, na prática, pode combinar iniciativas construtivas à margem do sistema, com tentativas de alcançar modificações legislativas que protejam os seres humanos, a diversidade biológica e o meio ambiente.
El Planeta es de todos é um jorro de fria realidade que nos desperta para o desastre e nos informa os meios que dispomos na hora de buscar soluções. Os irresponsáveis do 1% não veem mais futuro possível para a humanidade a não ser extinguir ou colonizar o espaço, mas uma sobrevivência em equilíbrio com a Terra é uma alternativa viável. Como disse Gandhi, nosso planeta dá o suficiente para as necessidades de todos, mas não para a ganância de uns poucos.
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Contra o suicídio que nos impõem os donos do mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU