30 Mai 2019
Ele ainda não tomou posse, mas um recém-anunciado bispo auxiliar de Santiago do Chile já está sob fogo cruzado devido a suas observações sobre a crise dos abusos sexuais, as mulheres e a comunidade judaica.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 28-05-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na semana passada, o Papa Francisco nomeou o Pe. Carlos Irarrázaval como um dos dois novos auxiliares da capital, Santiago, uma arquidiocese que foi duramente atingida pelo escândalo dos abusos sexuais clericais, da qual dois ex-arcebispos foram intimados pelos promotores locais para testemunhar depois de serem acusados de encobrir casos de abuso.
Irarrázaval entrou em apuros na quinta-feira, apenas um dia após a sua nomeação, quando, ao falar sobre a crise, disse que é hora de olhar para o futuro, porque “remexer o arroz requentado não adianta nada”, referindo-se aos escândalos no Chile.
Isso causou uma grande indignação entre os sobreviventes do ex-padre Fernando Karadima, um famoso padre que foi declarado culpado pelo Vaticano por abuso sexual e, depois, expulso do sacerdócio.
Depois de uma batalha de duas décadas, suas vítimas finalmente venceram nos tribunais contra a arquidiocese, que foi julgada por não ter agido adequadamente quando elas fizeram as acusações pela primeira vez contra os infames pedófilos.
Irarrázaval conhece muito bem o caso Karadima: ele foi chamado para supervisionar os 40 padres que foram formados diretamente por Karadima, muitos dos quais são vistos como vítimas de seus abusos de poder, de consciência e até mesmo de natureza sexual; mas alguns deles também são acusados pelos seus antigos colegas de seminário de serem eles próprios abusadores.
Mas o bispo eleito não parou por aí: no dia seguinte, em entrevista à CNN Chile, ele disse que “já que não havia nenhuma mulher sentada à mesa na Última Ceia”, elas não tinham nenhum papel na Igreja. De acordo com Irarrázaval, essa foi uma decisão tomada por Jesus, e não “por razões ideológicas”.
“A cultura judaica é chauvinista até hoje”, disse ele, alguns segundos antes. “Se você vê um judeu caminhando pela rua, a mulher vai 10 passos atrás, mas Jesus Cristo rompe essa dinâmica; Jesus Cristo fala com as mulheres, com a mulher adúltera, com a samaritana, Jesus Cristo permite que as mulheres cuidem dele. Quem ele escolheu para anunciar a sua ressurreição? Madalena, uma mulher.”
Seus comentários contradizem o que o bispo Celestino Aos disse ao Crux em uma entrevista exclusiva em Santiago há duas semanas, quando disse que uma de suas prioridades é impulsionar o papel da mulher na Igreja e que ele não via nenhuma razão para não nomear uma mulher como embaixadora papal em países que mantêm relações diplomáticas com a Santa Sé.
Perguntado se queria ver as mulheres desempenhando um papel relevante dentro da Igreja, Irarrázaval lançou outra pérola, aventurando a ideia de que “é possível que as mulheres gostem de estar nos bastidores. Entre todos nós, temos que assegurar que elas possam fazer o que queiram fazer. Obviamente, Jesus Cristo nos deu algumas instruções e, se queremos ser a Igreja de Jesus Cristo, temos que ser fiéis a Jesus Cristo”.
Referindo-se a esses comentários, James Hamilton, um dos sobreviventes de Karadima, disse que está claro que ele é “incompatível para o cargo”.
Juan Carlos Cruz, que, junto com Hamilton, é um dos três sobreviventes de Karadima recebidos por Francisco no ano passado, disse no Twitter que “começamos bem com o estúpido comentário daquele que será o novo bispo auxiliar de Santiago”.
O terceiro sobrevivente, José Andrés Murillo, também no Twitter, comentou: “Era só o que faltava: machismo espiritual da ‘nova onda’ de bispos”.
Questionado sobre o seu comentário sobre “remexer o arroz requentado”, o Pe. Irarrázaval disse que sua metáfora significava que “temos que chegar ao fundo e não ficar estancados com o mesmo que já conhecemos, onde não há nada de novo. O que nós temos que fazer é chegar ao fundo da situação para solucionar o problema e tirar a moral da história disso que aprendemos, para olhar para frente”.
“A ideia é essa”, assinalou. “Olhemos para a frente, aprendendo com o passado e cuidando das pobres vítimas, às quais também temos que ajudar para curar as feridas.”
Atualmente liderada por Dom Celestino Aos, a Arquidiocese de Santiago enfrentou uma crise de quase uma década desde que surgiram as acusações contra Karadima em 2010.
Uma situação que se deteriorou ainda mais recentemente quando dois dos sacerdotes estrelas da cidade também foram declarados culpados de abuso sexual. Cristian Precht, destituído do sacerdócio no ano passado, é acusado de abusar sexualmente de menores, enquanto o falecido padre jesuíta Renato Poblete foi acusado de abusar sexualmente de 10 a 15 mulheres.
O segundo bispo auxiliar de Santiago anunciado na semana passada é o Pe. Alberto Lorenzelli, um argentino criado na Itália, que esteve no Chile durante os últimos cinco anos. Ele se encontra atualmente em Roma, à espera de sua consagração episcopal.
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Chile: novo bispo auxiliar é criticado por seus comentários sobre abusos, mulheres e judeus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU