17 Fevereiro 2019
De 21 a 24 de fevereiro, todos os presidentes das Conferências Episcopais do mundo são convocados pelo Papa Francisco a Roma para debater a luta contra os abusos sexuais de menores na Igreja. Um primeiro encontro do qual participará, pela França, o arcebispo de Marselha, Georges Pontier, presidente da Conferência Episcopal da França.
A entrevista é de Marie-Lucile Kubacki e Sophie Lebrun, publicada por La Vie, 13-02-2019. A tradução é de André Langer.
Em que estado de espírito você vai a esta reunião no Vaticano?
Saúdo esta iniciativa do Papa Francisco... Estamos no coração do pecado e é bom que olhemos para tudo isso de frente. Eu vou para lá em um estado de espírito de ação de graças e com o desejo de colaborar nesta reflexão comum. Mas também sei que não é apenas uma reunião, por mais importante que seja, que vai mudar o coração das pessoas. Portanto, espero que tudo isso ultrapasse o nosso grupo, porque não é apenas uma questão que envolve sacerdotes e pessoas consagradas. As comunidades cristãs os colocam em tal pedestal que não se atrevem a enfrentar aquele que sabem que está cometendo coisas inadmissíveis.
Como você se preparou para essa reunião?
Eu me preparo na disponibilidade interior e na oração para ser desarmado, não para estar em uma postura defensiva, mas para ter um coração aberto e acolhedor às mudanças que devemos continuar a adotar. Eu me preparo encontrando as vítimas, como fizemos em Lourdes, ou na minha diocese de Marselha durante os dias de formação. Precisamos ouvir de novo e de novo essas histórias, encontrar as pessoas. É difícil entender a extensão de uma ferida quando não a vivemos, o choque – alguns falam em tsunami – que se abate sobre suas vidas.
Eu também conversei muito com padres, animadores de pastoral da juventude, professores de educação católica... A etapa de Lourdes, em novembro passado [os bispos da França haviam recebido vítimas durante sua assembleia plenária bianual, N. do E.], nos permitiu ver que só podemos avançar com as vítimas: elas não são os únicos interlocutores, mas são interlocutores necessários.
Estamos à beira de uma verdadeira mudança de cultura, como diria o Papa Francisco...
O que requer simultaneamente uma libertação da palavra e uma conversão do olhar que coloca todos em seu lugar, de modo a não criar situações que possam produzir esse tipo de abusos de consciência e de poder. Como? Nós temos um grande trabalho a fazer na Igreja sobre as relações: o que chamamos de hierarquia não deveria ser uma hierarquia de dominação, mas um serviço prestado. No entanto, ao longo dos séculos, adotamos uma perspectiva que é a do mundo e pela qual aquele que tem uma postura hierárquica está “acima”. Na Igreja, as posturas de excesso não têm lugar de ser. Nosso lugar é “abaixo” e “com”.
É o retorno a uma certa pobreza?
Chegará o momento em que – não vai ser a coisa mais espetacular, mas a mais profunda – ressoará um convite para a autenticidade da vida, sem que nos esqueçamos que este drama ultrapassa as fronteiras da Igreja e que a sociedade inteira, as famílias, devem olhar para o assunto. Da mesma forma que o ano passado foi marcado por uma profunda consideração da violência praticada contra as mulheres, devemos olhar para a violência contra as crianças. Elas são múltiplas.
As múltiplas vulnerabilidades das sociedades ocidentais se abatem sobre suas vidas, reservando-lhes um destino muitas vezes difícil... Nosso dever é também dizer estas coisas em uma postura não de culpabilização, mas a serviço de todos. A Igreja deve voltar a ser uma casa segura, mas também as famílias, as escolas e os clubes esportivos.
Para você, quais perguntas, precisamente, mereceriam ser feitas nesta cúpula?
Nós podemos repetir “tolerância zero” quantas vezes quisermos, mas não será suficiente. Devemos ter o cuidado para não permanecer no slogan, ou acreditar que tudo pode ser resolvido de fora para dentro por leis, mesmo se as leis são necessárias. Também devemos recordar que isso não é uma cúpula sobre abusos na França, mas em todo o mundo. A legislação varia de país para país. Por conseguinte, a questão das relações entre as leis civis dos países e o direito canônico, entre a justiça civil e a justiça eclesial, parece-me muito importante.
Entre outras questões que surgem, vou citar estas: como reforçar a educação afetiva na formação dos futuros sacerdotes e consagrados, e que uso fazer da psicologia? Como estruturar melhor a colaboração com as vítimas que desejam reparar suas feridas espirituais? Quanto ao dever de denunciar, o que fazer quando esbarra no segredo da confissão, quando a revelação ocorre em confissão – mesmo que isso raramente aconteça, pois os bispos confessam menos, e seus padres nunca? Por um lado, o segredo da confissão permite a cada pessoa descarregar um peso, sabendo que o faz no coração de Deus e não na praça pública. Permite uma pedagogia da graça e do perdão. Por outro lado, existe o risco de reincidência. Mesmo sabendo que nunca se dá a absolvição antes que a pessoa se comprometeu a uma reparação da falta...
O Papa disse recentemente que é preciso ter cuidado para não criar expectativas excessivas sobre a cúpula: como interpreta suas palavras?
Ter uma expectativa excessiva seria pensar que Roma dará soluções milagrosas, que a Igreja no nível universal será capaz de encontrar uma fórmula que sirva a todos. O objetivo é capacitar cada Igreja local, e isso será útil. O Papa quer nos tornar responsáveis, explicando que ele não é o único responsável, mas que nós, bispos, somos também responsáveis em nossos países e em nossas dioceses, para sair da alternativa entre “a base” de um lado e “o Vaticano” do outro.
Ele quer dar autoridade às Conferências Episcopais. Como? Bastaria lhes dar a competência. Hoje não podemos suspender um sacerdote de seus compromissos sacerdotais; apenas Roma pode fazê-lo. Nós não temos como influir nas etapas da formação de um padre que depende de uma agenda universal... Há todo um conjunto de coisas que poderia ser confiado às Conferências Episcopais, como uma ferramenta nacional para resolver esse tipo de crime. O objetivo seria, quando há um caso problemático, não deixar tudo nas mãos da diocese, mas confia-lo à província e à instância nacional.
Para sair do impasse do bispo “juiz e parte”?
Se o bispo está há muito tempo na diocese, ele conhece o culpado; às vezes o ordenou e o convidou para sua mesa, ele foi à sua casa. Por outro lado, o bispo pode certamente falar com os outros bispos sobre seus problemas, mas ele é o único a resolvê-los. É necessário tornar a justiça eclesiástica mais objetiva. A justiça civil, por exemplo, afasta o culpado da vítima para permitir o trabalho da razão e da objetividade, evitando que o sentimento leve à violência ou à relativização dos fatos...
Há também um trabalho a fazer em relação aos tribunais diocesanos, isto é, os tribunais da Igreja que gerenciam a justiça canônica: os membros desses tribunais trabalham muito sobre a nulidade matrimonial, mas pouco sobre os atos condenáveis cometidos por clérigos; eles poderiam se capacitar também para atender esses casos. Na justiça civil, existem tribunais específicos, com pessoas formadas para isso, que são capazes de interpretar melhor o que aconteceu. Seria desejável estudar essas questões para ver como sair desses processos “muito próximos” – nas dioceses – ou “longe demais” – no Vaticano.
E os leigos, como fazer para que não estejam “longe demais” da reflexão sobre esses assuntos?
Eles estão muito presentes hoje nas células de escuta – quase 98% delas são compostas por leigos. Eles são responsáveis por formações realizadas para a prevenção na maioria dos casos. Vejo também que a mensagem do Papa em sua Carta ao Povo de Deus, em agosto passado, é passado: recebo cartas de leigos que dizem estar preocupados e investem nesse assunto. Paróquias da minha diocese de Marselha realizaram encontros, fóruns em torno deste apelo de Francisco.
Hoje, algumas pessoas pensam que, com todos esses escândalos, a Igreja deveria parar de se expressar sobre questões morais, afetivas e sexuais...
A perda de credibilidade é real e normal. Nós recuperaremos a credibilidade tomando consciência das falhas que temos e implementando procedimentos que podem, se não conter o problema, pelo menos mitigá-lo. Mas entre as vítimas que encontrei, constato que mesmo que a credibilidade da Igreja tenha sido atingida, ainda há uma expectativa em relação a ela pela reconstrução interna. Também na sociedade permanece essa expectativa.
A educação privada deve enfrentar uma demanda crescente, e não posso deixar de pensar que a Igreja seja apenas essa escuridão. Mas o escândalo nos traz de volta a uma maior humildade. Esse drama nos torna conscientes da fragilidade da Igreja através de seus membros: a Igreja não é a Igreja de Cristo porque seus membros seriam perfeitos, mas porque Cristo a acompanha e quer passar por ela para dar sinais que a ultrapassam completamente.
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“Apesar da perda de credibilidade, ainda permanece uma expectativa em relação à Igreja”. Entrevista com Georges Pontier - Instituto Humanitas Unisinos - IHU