27 Fevereiro 2018
A defensora das vítimas de abusos sexuais por parte do clero, Marie Collins, continua cética em relação à capacidade da cúria romana para enfrentar o escândalo da pedofilia, um ano depois que deixou a Comissão vaticana para a Proteção de Menores. No entanto, ela confia – como admite nesta entrevista concedida ao Religión Digital – no enviado especial do Papa ao Chile, dom Charles Scicluna, que, acredita ela, “fará uma investigação exaustiva” no que estiver relacionado ao “caso Barros”.
A entrevista é de Cameron Doody, publicada por Religión Digital, 25-02-2108. A tradução é de André Langer.
Faz quase um ano que você renunciou à Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores. Você continua acreditando que foi uma decisão acertada?
Não me arrependo de ter saído da Comissão. Eu fiz isso por causa das resistências a mudanças de algumas seções da cúria vaticana que levaram a uma falta de progresso da Comissão.
Não vi nenhuma iniciativa concreta em relação à proteção das crianças apresentada pela Comissão neste ano desde que saí que indique alguma mudança.
Neste ano, você permaneceu ativa como defensora das vítimas de abusos sexuais do clero?
Eu tive alguns problemas de saúde no passado recente, mas já estou totalmente recuperada e, claro, continuo sendo o mais ativa possível.
O que você acha da gestão do Papa Francisco no caso Karadima-Barros no Chile?
O Papa não lidou bem com o caso do bispo Barros. Eu penso que ele não deveria ter ignorado todos os apelos de pessoas, sacerdotes e sobreviventes no Chile que lhe pediam para não nomear Juan Barros para a diocese de Osorno.
É difícil entender que o Papa tenha ignorado a carta que lhe repassei escrita por Juan Carlos Cruz, já que ele me contou o quanto compreende a dor das vítimas. Como alguém poderia ler essa carta e não se certificar de que o remetente recebesse uma resposta? Talvez a assessoria que recebe da Igreja no Chile o tenha convencido de que todas essas pessoas são apenas agitadoras ou “caluniadoras”, como ele as chamou, mas, se esse for o caso, é uma triste situação.
O cardeal O'Malley tomou distância em relação às palavras ditas por Francisco no Chile que acusavam as vítimas de Karadima de “caluniadores” do bispo Barros. Você interpretou esse distanciamento como uma “repreensão” ao Papa?
A declaração do cardeal Sean O'Malley, após as duras palavras do Papa sobre as vítimas chilenas, foi muito bem-vinda, pois ressaltou o quanto essas declarações eram prejudiciais, não apenas para as pessoas envolvidas, mas também para as vítimas que podem duvidar em denunciar seu abuso por medo de que não sejam compreendidas.
O fato de que o Papa envie Scicluna a Osorno para investigar é um caso de “muito cedo ou muito tarde”? Você acredita que o arcebispo de Malta vá ao fundo das acusações?
Penso que o arcebispo Scicluna fará uma investigação exaustiva, mas deveria ter sido feita muito antes.
Você “compra” a defesa oferecida pelos analistas que argumentam que, nos abusos sexuais, assim como em qualquer outro assunto, o Papa é apenas humano e pode cometer erros?
O próprio Papa admitiu que pode cometer erros, mas isso não o isenta do dever de corrigir esses erros tão logo sejam manifestos.
O que você acha da revelação do Papa de que ele se encontra regularmente com vítimas de abusos?
Não sabemos se todas ou algumas dessas reuniões são com vítimas de abusos clericais. Se ele está se encontrando com vítimas de abuso clerical, se o desafiam pela maneira como a Igreja lidou com os abusos e que possam ajudá-lo a entender que mudanças são necessárias.
Por mais que ajude as vítimas, se as reuniões são puramente pastorais, não valem muito no contexto global da Igreja e dos abusos, e se ignora também vítimas como Juan Carlos Cruz do Chile.
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“Scicluna fará uma investigação exaustiva, mas deveria ter sido feita muito antes”. Entrevista com Marie Collins - Instituto Humanitas Unisinos - IHU