04 Janeiro 2019
Luz para as nações. A estrela que guia os Magos é mais do que apenas um astro físico. É a luz interior que os conduz até ao Messias de Israel. É a luz que faz deles os primeiros adoradores deste Rei dos Judeus que veio para conquistar, não os reinos, mas os corações. Hoje não estamos mais diante da criança em sua manjedoura, mas do Rei da glória que visita a humanidade e para quem, a exemplo dos Magos, a Igreja traz como presentes sua fé, sua esperança e sua caridade. Mais do que festa dos Reis Magos, hoje é a festa do Rei do universo!
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras da Solenidade da Epifania do Senhor, do Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
O texto foi publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, 04-01-2019.
Referências Bíblicas
1ª leitura: «Chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor» (Isaías 60,1-6).
Salmo: Sl 71(72) - R/ As nações de toda a terra hão de adorar-vos, ó Senhor!
2ª leitura: «Esse mistério, Deus (...) acaba de o revelar agora: os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa» (Efésios 3,2-3.5-6).
Evangelho: «Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo» (Mateus 2,1-12).
As terras de Israel foram não poucas vezes invadidas por estrangeiros que vieram muitas vezes do Oriente. Israel, contudo, não deixou de apropriar-se das Sabedorias dos povos com quem tinha contato, sequer de suas religiões ou mesmo de seus mitos. Um processo de osmose, portanto, no qual os sábios e profetas de Israel modificaram e ajustaram os elementos estranhos à sua visão própria de Deus, do homem e do mundo. As «nações», por sua vez, também deviam apropriar-se da herança do povo eleito.
Com Cristo, a hora havia chegado: «A Luz verdadeira que ilumina todo homem veio ao mundo» (João 1,9). É o que a seu modo nos quer dizer o episódio dos Reis Magos. Os Magos, vindos do Oriente: não se poderia imaginar nada de mais estranho para a época; pela geografia, pela história das invasões, pela religião. Os Magos, justamente por causa de sua magia, de sua cosmologia (ah! os nossos horóscopos!) e outras práticas de adivinhação, não gozavam de boa reputação na Bíblia. Mesmo estes, que naquele momento obedeciam à atração da Luz.
Uma visão por certo otimista, se nos atemos à atualidade, mas uma visão escatológica, considerando o conjunto dos desígnios de Deus. De qualquer modo, desde então o Evangelho mantém-nos precavidos contra toda forma de exclusão: de raça, de cultura (primitiva ou evoluída), de nacionalidade, de mentalidade etc. Para todos nós, numa noite qualquer, uma estrela haverá de levantar-se em nossos momentos de obscuridade.
Este relato evangélico, assim como tantos outros, retrata em poucas linhas todos os gestos de Cristo. O pânico de Herodes e, com ele, de toda Jerusalém, pânico que vai chegar até ao homicídio, já nos apresentam um presságio da Paixão. Não é por nada que o texto faz menção aos escribas e aos sumos sacerdotes, que irão constituir o tribunal do veredicto de morte. Mas, sobretudo a expressão «rei dos judeus» posta na boca dos Magos só vai aparecer novamente no relato da Paixão. Um sinal deixado pelo evangelista.
Há uma concorrência entre dois reis: entre Herodes e o Rei que acaba de nascer. Também é Mateus quem faz questão de precisar, em 27,18, que foi por inveja que Jesus foi entregue. Mas, se o texto está carregado de um futuro que o evangelista já conhecia (escreveu-o no final do primeiro século), também assume o passado: as alusões à 1ª leitura são evidentes.
Inspirado na volta de Israel à sua terra e na reconstrução próxima do Templo, o profeta vê um futuro luminoso para Jerusalém e a convergência de todas as nações em direção ao povo portador da salvação. (Podemos retomar com proveito a conversa de Jesus com a Samaritana, em João 4.)
Lendo o relato da visita dos Magos, é preciso lembrar a profecia de Isaías, a Paixão e a Ressurreição de Cristo, e a entrada dos pagãos na Igreja nascente, uma resultante disto.
Os Magos devem ter ficado decepcionados: vieram à procura de uma criança real e acabaram encontrando um menino nascido no seio de uma família pobre: o Rei dos Judeus não nasceu no palácio do rei Herodes. Notemos que o evangelho não fala em manjedoura, mas em “entrar na casa”. Lucas é o único que fala em manjedoura, mas não fala nos Magos.
Ora, a palavra «casa» é empregada com frequência para designar a «casa de Deus», o Templo. Então, daí em diante Deus irá habitar onde esta criança estiver. Os Magos souberam reconhecer Deus na humildade, no quase nada deste casal e deste recém-nascido: ajoelharam-se, adoraram-no e prestaram-lhe homenagem, abrindo-lhe os seus tesouros. Não vamos insistir no simbolismo do ouro, do incenso e da mirra.
De qualquer modo, contudo, o relato dos Magos antecipa o futuro glorioso da reunião universal no Corpo de Cristo. A semente minúscula semeada na terra tornar-se-á uma grande árvore, que abrigará todos os habitantes do céu sob os seus ramos (Mateus 13,32). Os Magos retornaram para sua terra: «Nem nesta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai…» (João 4,21). Não mais têm necessidade nem de Belém nem de Herodes nem da estrela: a luz tornou-se interior para eles.
Voltaram para sua terra, para a sua civilização, para as suas ocupações, mas nada mais será como antes: voltaram «seguindo outro caminho».
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Epifania do Senhor: Casa aberta para todos. Comentário de Marcel Domergue - Instituto Humanitas Unisinos - IHU