13 Julho 2012
Se meu testemunho de vida, meu discurso e minhas intervenções permitirem libertar as pessoas e der-lhes esperança, terei por bem ser rejeitado, desprezado, excluído. Os frutos da missão falarão por si mesmos.
A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 15º Domingo do Tempo Comum - ciclo B. A tradução é de José F. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Am 7,12-15
2ª leiture: Ef 1,3-14
Evangelho: Mc 6,7-13
Depois do profetismo da semana passada, a Palavra de hoje pode ser resumida num só termo: Apóstolo, ou seja, Enviado. Ao lermos o Evangelho deste domingo, podemos perguntar: quem são estes Doze, estes apóstolos que o Cristo envia em missão? Trata-se apenas destes 12 homens identificados por Marcos em 3,13-19? Se assim é, por que motivo Lucas, que faz uma releitura de Marcos, aplica a mesma missão a 72 discípulos (Lc 10,1-11)?
Como escreve o teólogo Gérard Sindt, Marcos insiste particularmente neste número 12 significando a ídeia da totalidade do país e da Igreja. A missão de apóstolo, portanto, diz respeito a todos os crentes, a todos os discípulos de Cristo. Mas qual é esta missão?
1. Partir: “Eles partiram” (Mc 6,12a) Quando nos dizemos cristãos, quando sabemos que o Cristo nos chama, aprimeira coisa a fazer é partir: pôr-se a caminho para fazer, para falar, para agir. Não se trata de anunciar uma doutrina de permissões e de interditos, mas sim de apresentar alguém: Deus que vem ao nosso encontro. De proclamar a Boa Nova da Salvação oferecida gratuitamente e, como cristãos, reepresentar aquele que nos chama a segui-lo: o Cristo ressuscitado. Todos e todas somos, pois, chamados a partir em missão. Mas atenção! O caminho não nos é previamente traçado. Segundo Jean Debruyne “Jesus envia os Doze. Não para conquistar. Não se trata de uma campanha eleitoral. Trata-se de uma partida de peregrino que não precisa carregar grandes bagagens durante a viagem, pois ele põe sua confiança exclusivamente em Deus. Tudo o mais é inútil. Trata-se de pôr-se a caminho, tomar a rota. Como moradia o peregrino tem apenas a viagem. Até mesmo a hospitalidade, a parada ou a etapa não devem retê-lo. O evangelho não é uma ideologia, mas a abertura de um caminho”.
Na primeira leitura de hoje o profeta Amós teve ele próprio de partir. Originário de Teqoa perto de Belém, no Reino de Judá ou do Sul, Amós recebe a missão de pregar no Reino do Norte: “Mas o Senhor me chamou, quando eu tangia o rebanho. Vai, serás profeta junto a meu povo de Israel” (Am 7,15).
2. Denunciar: Em viagem, a caminho da missão, o profeta deve denunciar o que é contrário à Justiça, primeiro valor de toda a Bíblia. Mas denunciar o que? O profeta Amós denuncia , por sua vez, a distância existente entre o discurso dos crentes e as suas ações: “Vós falseais os pesos e trocais as balanças, comprais os fracos com dinheiro e os pobres por um par de sandálias” (Am 8 5-6). O profeta se desconcerta ante a irresponsabilidade dos dirigentes do povo: “Vós vos estirais em divãs, bebeis vinho em taças e comeis os melhores cordeiros do rebanho, mas esqueceis o povo" (Am 6,4). Segundo ele, o que Deus quer é a justiça para todos e, por isso mesmo, não pode suportar o fausto e a insuficiência de alguns: “Vossas celebrações me exasperam e vossos cantos me rompem os ouvidos” (Am 5, 21-23).
A missão não é fácil e não admite repouso. Muitas contrariedades impedem a sua realização. A maior delas não provém da base, mas dos próprios dirigentes: em relação ao profeta Amós é Amazias, um sacerdote de Betel, a serviço do rei Jeroboão II, que recusa a sua crítica: “Vai-te embora com tuas visões, esconde-te no país de Judá! Lá poderás ganhar a tua vida exercendo a profissão de profeta”(Am 7,12). E acrescenta: “Deixa de profetizar aqui em Betel, pois é um santuário real, um templo do reino” (Am 7,13).
Parece-me hoje ouvir, às vezes, o mesmo discurso quando alguém se levanta para denunciar certas prática religiosas ou certas normas que nos vêm dos dirigentes da Igreja: “Não te envergonhas de ousar contestar o Magistério? Vai-te embora! Troca de religião! O Vaticano é sagrado! Só pertence ao rei que é o próprio papa!” Eis o tipo de proposta que se ouve hoje quando alguém denuncia injustiças na Igreja. É-lhe imposto o silêncio, e vai-se até à excomunhão se se persiste em desafiar a autoridade.
O mesmo aconteceu a Jesus de Nazaré e a muitos outros profetas que ousaram pôr em questão a política e as práticas religiosas injustas: “Ninguém é profeta em sua terra” (Mc 6,4), dizia o Cristo na semana passada. Nesta semana ele previne os apóstolos, os missionários da Boa Nova, quanto a esperar por rejeição e recusa de serem acolhidos: “Se em algum lugar não vos receberem nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés, em testemunho contra eles” (Mc 6,11).
3. Libertar. A missão dos crentes e dos cristãos é de libertação: “Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo” (Mc 6,1). Mas atenção! Não se trata de magia. Escreve o Pe. Léon Paillot: “Segundo a mentalidade antiga, tudo o que acontecia de mal, seja uma doença ou qualquer outra coisa, era atribuído a potências misteriosas, espíritos maus, demônios, como um azar lançado sobre alguém”. Isso quer dizer que a libertação consiste em aliviar a miséria de alguns e restaurar a dignidade de todos e de todas que foram excluídos ou marginalizados. Como o espírito de dominação, de possessividade, de exploração, de vingança e de desprezo sempre existe em nossos dias, é necessário curar os/as que dele são vítimas.
O profeta Amós foi expulso por um sacerdote. E Jesus? Não foi condenado pelos sacerdotes de seu tempo? Eis porque a missão de libertação, hoje como ontem, não pode ser feita sem choque. O que diz o Salmo 84 deste dia: “A verdade e o amor se encontrarão, a justiça e a paz se abraçarão”, não é evidente. Fazer dialogarem amor e verdade, fazer comungarem justiça paz, ocasiona a todos os missionários deste mundo muito sofrimento, rejeição e exclusão.
Além disso, a fé cristã não se impõe, mas se propõe. Dirige um apelo à liberdade e à responsabilidade das pessoas. Podem-se denunciar situações, interpelar, convidar... Mas a resposta não nos diz respeito, da mesma forma que o resultado da missão não nos pertence. Vimos semana passadaum trecho da Carta aos Coríntios em que São Paulo dizia “pois, quando sou fraco, então é que sou forte” (2Cor 12,10b), porque é neste instante que posso deixar melhor que o Cristo aja em mim. Se meu testemunho de vida, meu discurso e minhas intervenções permitirem libertar as pessoas e der-lhes esperança, terei por bem ser rejeitado, desprezado, excluído. Os frutos da missão falarão por si mesmos.
Terminemos, relembrando este hino antigo que a tradição atribui a São Paulo, na Carta aos Efésios, 2a. leitura de hoje. É um hino que nos lembra a nossa dignidade de filhos e filhas de Deus, graças ao Amor gratuito que Ele, desde sempre, nos vota: “Ele nos escolheu antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis no amor” (Ef 1,4). E mais que isso: "Ele nos predestinou a sermos seus filhos adotivos por intermédio de Jesus Cristo” (Ef 1,5). Podemos pedir mais do que isso? Não temos mais razão alguma de duvidar da gratuidade do Amor e da Salvação oferecido a todos e a todas!
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A missão do cristão não admite, de forma alguma, o repouso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU