30 Outubro 2018
"Como dizem Spadaro e Galli, "a reforma institucional promovida pelo pontífice coloca o Sínodo dos Bispos numa Igreja mais sinodal". O desafio será fazer disso uma realidade".
O artigo é de Bill McCormick, S.J., publicado por América, 26-10-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
A Igreja do século XXI enfrentará um duplo desafio, disse à America o teólogo e observador da Igreja Massimo Faggioli: reconciliar a colegialidade e sinodalidade.
A sinodalidade, o modelo de “caminhada em conjunto” da Igreja, é um termo-chave para Francisco, e muitos bispos e teólogos veem a necessidade de articular e cultivá-la como a principal tarefa da Igreja neste pontificado. Faggioli, professor de teologia na Universidade de Villanova, conversou com a America na reunião do Sínodo dos Bispos, em Roma, no dia 19 de outubro. Para ele, há outra dinâmica — iniciada no Concílio Vaticano II — em jogo no papado de Francisco.
Embora a sinodalidade tenha se tornado uma expressão uma importante do funcionamento da Igreja no papado de Francisco, o Papa também levou adiante o trabalho do concílio e do Papa Paulo VI de trazer mais colegialidade ao governo papal, principalmente por meio do Sínodo dos Bispos. Quando vistos juntos, essas duas dinâmicas sugerem que a Igreja deve não só implementar synodality mais plenamente, mas também compará-los com colegialidade.
Este desafio ficou evidente no sínodo deste mês sobre a juventude, em que houve maior pressão para incluir mulheres e membros de não ordenados da Igreja no processo, mesmo que o modelo do sínodo seja um espaço importante de colegialidade entre os bispos.
No final do encontro de um mês do sínodo dos bispos, Faggioli disse que sua principal preocupação eram os limites do sínodo ao representar a sinodalidade, a necessidade de preservar as funções de colegialidade do modelo sinodal e de cultivar amplamente a sinodalidade, para além do próprio Sínodo.
A sinodalidade, como se expressa no papado de Francisco, dá voz às periferias e aos excluídos e situa a Igreja na realidade do mundo para além da sacristia. Essas funções certamente estão de acordo com os grandes temas de seu papado.
Muitas explicações de sinodalidade começam definindo sua etimologia, a partir das palavras gregas "com" e "caminho": "os fiéis são σύνοδοι, companheiros de viagem", como afirma o recente documento La sinodalità nella vita e nella missione della Chiesa (A sinodalidade na vida e na missão da Igreja, em tradução livre) [veja aqui, em espanhol], publicado pela Comissão Teológica Internacional. Faggioli observa que: "isso significa que a Igreja tem de viver como Igreja, como uma jornada na qual todo o povo é chamado a fazer parte desta vida. Não há espectadores, não há público algum nesta jornada".
Nesse sentido, se todos são sujeito e agente, "o caminho desta Igreja precisa obter benefícios e contribuições de cada componente". O documento da Comissão entende que a sinodalidade compreende três elementos: estilo, estrutura e acontecimentos. Fundamentalmente, a sinodalidade é um estilo ou "modus vivendi et operandi" de uma Igreja, "expressando sua natureza como o caminhar juntos e reunir-se em assembleia do Povo de Deus convocado pelo Senhor Jesus na força do Espírito Santo para proclamar o Evangelho". Portanto, muitos observadores afirmaram que a sinodalidade é uma atitude ou processo tanto quanto um acontecimento.
Faggioli observa que, em partes, é "um grande reequilíbrio de uma das forças de condução da teologia do Concílio Vaticano II: a ideia de que a reforma da Igreja será feita se for dado mais poder aos bispos". Por mais que a governança colegial deva continuar sendo importante, "em algumas questões a voz dos bispos não pode ser a única voz ouvida e que pode estar presente". Portanto, a sinodalidade faz "parte da ênfase [do Papa] contra o clericalismo e.... contra o institucionalismo".
Além da sinodalidade, o Papa Francisco claramente quer dar destaque à colegialidade em seu estilo de governo, diz Faggioli. Muitos dos documentos mais importantes de seu papado saíram dos Sínodos dos bispos (“Evangelii Gaudium” e “Amoris Laetitia”). Além disso, o Papa faz grandes esforços para citar documentos de conferências episcopais e encorajar as conferências dos bispos a inovar em questões pastorais. Ele também buscou aumentar a responsabilidade do Colégio dos Cardeais através do "C9", o Conselho dos Cardeais.
Esta colegialidade reflete o desejo dos padres conciliares de aumentar o papel dos bispos no governo papal da Igreja. Faggioli argumenta que esta ênfase renovada na colegialidade deveria equilibrar o trabalho do Concílio Vaticano I na primazia papal: "a primazia papal precisa da colegialidade, e a colegialidade precisa do Sínodo dos Bispos".
Para ele, Francisco foi mais longe do que o Papa Paulo VI ao implementar a colegialidade, em partes, por reorientar a relação do sínodo com a Cúria Romana. Onde o Papa Paulo VI teve o cuidado de evitar a "criação de antagonistas do sínodo ou adversários da Cúria Romana”, o Papa Francisco "está deixando claro que o Sínodo dos Bispos é mais importante para ele do que a Cúria Romana... O Papa Francisco está trabalhando mais com e pelo Sínodo do que com a Cúria Romana. Isso é incrivelmente importante”.
Sinodalidade e colegialidade são conceitos distintos mas relacionados. O documento “A sinodalidade na vida e na missão da Igreja” por exemplo, afirma que "o conceito de sinodalidade é mais amplo do que o de colegialidade porque inclui a participação de todos na Igreja e de todas as igrejas", não apenas dos bispos. Embora ambos devam se complementar, em princípio, as tensões entre eles são evidentes na prática atual da Igreja.
Primeiro, não parece haver grande entusiasmo pela colegialidade na Igreja de hoje. Ou, pelo menos, o zelo pela sinodalidade parece mais forte. Esse desequilíbrio tornou-se particularmente notável no sínodo de 2018. Justo quando os sínodos se tornaram instrumentos mais eficazes do Episcopado, as pessoas começaram a questionar a natureza episcopal de sua adesão. Essa falta de entusiasmo pela colegialidade pode ter surgido em partes porque "a crise de abusos sexuais enfraqueceu a autoridade do Episcopado", de acordo com Faggioli, mas também pela necessidade de "abrir novos espaços para vozes não episcopais".
Faggioli argumenta, no entanto, que "muitas coisas não foram atingidas no Vaticano II", como a articulação e representação adequada da colegialidade na Igreja. Para os que veem a necessidade de sua construção, não há nada muito mais importante do que assegurar que o Sínodo dos Bispos cultive a colegialidade. Para os menos interessados no assunto, porém, o foco será aumentar a sinodalidade do Sínodo.
Portanto, há um desequilíbrio. O Papa pode aumentar a participação do Sínodo para abraçar a sinodalidade, mas com isso limita seu potencial para o exercício da colegialidade. Ou pode manter uma participação limitada ao Sínodo para manter sua natureza colegial, mas restringiria o potencial para a sinodalidade.
Em segundo lugar, Faggioli observa que o papado de Francisco está redescobrindo ambos os temas simultaneamente. "O Papa Francisco está tentando fazer duas coisas ao mesmo tempo", o que é difícil: "recuperar a noção de colegialidade episcopal do Sínodo Vaticano II” e abordar o fato de que "esta teologia da colegialidade não é mais suficiente para uma igreja sinodal".
“Portanto, ao mesmo tempo, Francisco quer realizar o que não foi possível durante e após o Concílio Vaticano II", afirma Faggioli.
Essa dificuldade tem dois lados: há o desafio prático de recuperar ambos os temas ao mesmo tempo e também o desafio teórico de distingui-los e ampliar os conhecimentos sobre ambos. Essa dificuldade apareceu novamente no sínodo de 2018, onde a noção de sinodalidade se enquadrou de uma forma um tanto desajeitada na estrutura sinodal já existente.
"Agora estamos pagando o preço desta ambiguidade dos termos sinodalidade e sínodo", explica Faggioli, "porque o Sínodo dos Bispos foi pensado e ainda funciona majoritariamente como uma forma de o papado governar a Igreja de forma colegial. Sinodalidade é outra coisa: é uma dimensão fundamental da vida da Igreja que não é uma expressão particular da primazia papal completa ou até mesmo do poder episcopal."
A tensão pode se resolver com o crescimento do nosso entendimento sobre sinodalidade e por mudanças institucionais correspondentes. O Papa Francisco pediu esse crescimento, embora ainda não esteja claro quais inovações institucionais acontecerão a seguir.
Mas se colegialidade significa ser abraçado, uma possibilidade de reforma institucional seria olhar para além do Sínodo dos Bispos, em direção a outras estruturas sinodais e particularmente que cultivam o sensus fidei. Realmente, se a colegialidade e o sensus fidei são o que os padres Antonio Spadaro, S.J., e Carlos María Galli chamam de "os dois pilares" da sinodalidade, talvez a rota mais promissora para esse crescimento não seria incluir os leigos nas estruturas episcopais, mas criar novos meios para que eles pudessem contribuir para o governo eclesiástico.
Essa abordagem estaria alinhada ao apelo de muitos padres sinodais para que a sinodalidade fosse expressa em nível local e global. A sinodalidade local acentuaria essa característica no Sínodo dos Bispos, pois os bispos exerceriam sua colegialidade com um sentido mais profundo das necessidades de seus fiéis. tornando o Sínodo dos Bispos mais sinodal. Conforme as igrejas locais se tornassem mais sinodais, as estruturas globais da colegialidade, como o Sínodo dos Bispos, também poderiam permanecer autênticas à natureza colegial. No entanto, a disseminação da sinodalidade ainda é uma questão em aberto.
Como dizem Spadaro e Galli, "a reforma institucional promovida pelo pontífice coloca o Sínodo dos Bispos numa Igreja mais sinodal". O desafio será fazer disso uma realidade.
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Maior inclusão no Sínodo pode complicar a colegialidade entre os bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU