15 Mai 2018
Numa Roma, em que se evidencia “um geral e saudável cansaço das paróquias, tanto por girar em círculos, como por ter perdido o caminho a seguir”, o Papa Francisco convidou para “ouvir o grito do povo” e fugir da tentação da “auto-referencialidade”. Os perigos, na verdade, são muitos e perigosos: “esterilidade”, individualismo “hipertrófico”, fragmentação social, “isolamento”, “medo de existir”. Ou seja, converter-se em um “não-povo”, obrigado a “refazer mais uma vez a aliança com o Senhor”.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 14-05-2018. A tradução é de André Langer.
Bergoglio conversou com a “sua” diocese na Basílica de São João de Latrão, onde chegou pontualmente às 19 horas desta segunda-feira, 14 de maio de 2018. Estavam presentes para ouvi-lo: os bispos e os padres, os religiosos e os capelães, leigos e agentes de pastoral. Liderados pelo vigário Angelo De Donatis, concluíram o caminho de reflexão sobre as “doenças espirituais” iniciado pelas paróquias e vicariatos no início da Quaresma.
Precisamente a partir da síntese do trabalho das paróquias, elaborada por uma comissão diocesana, Francisco refletiu com sua diocese. Mas primeiro respondeu a quatro perguntas. Uma foi sobre um dos seus temas preferidos: os jovens. E o Papa partiu das impressões sobre o pré-Sínodo que aconteceu em meados de março, em Roma, do qual participaram 315 jovens vindos de todas as partes do mundo (em sintonia com outros 30 mil conectados em seus países de origem): “Uma boa impressão, trabalharam seriamente, inclusive até às 4 da manhã, segundo me contaram os secretários Sala e Costa, no documento, que é belíssimo, forte”, afirmou o Pontífice argentino.
Mas também denunciou um dos problemas mais graves das novas gerações: as drogas, entendidas como “alienação cultural”. “Os jovens são presas fáceis... Todas as propostas que fazem aos jovens são alienantes: dos valores, da sociedade, da realidade, propõem fantasia de vida. Preocupa-me – confessou Bergoglio – que se comuniquem e vivam no mundo virtual. Assim, sem os pés no chão”.
Nesse sentido, recordou sua visita da sexta-feira à sede romana da Scholas Occurrentes, onde inaugurou, pela rede, as novas sedes na África e na América da fundação: “Havia muitos jovens, estavam agitados, muito agitados. Eles estavam muito felizes em me ver, mas poucos me deram a mão; a maioria estava com o celular ligado: ‘Foto, foto, selfie, selfie!’. A realidade deles é essa, esse é o seu mundo real, não o contato humano. E isso é grave. São jovens ‘virtualizados’. O mundo das comunicações virtuais é bom, mas quando se torna alienante, faz esquecer de dar a mão, faz saudar com o celular”.
Assim, disse o Papa, precisamos “fazer com que os jovens aterrissem no mundo real, sem destruir as coisas boas que o mundo virtual pode ter”. Neste sentido, ajudam muito as obras de misericórdia: “Fazer algo pelos outros, isto os concretiza. Entram em uma relação social”. Também é fundamental o diálogo com os idosos: “Com os pais não, porque são de uma geração cujas raízes não são muito firmes”; ao contrário, o diálogo com os “idosos” ajuda os “jovens desenraizados” a encontrar as raízes necessárias “para seguir em frente”.
A segunda pergunta feita no encontro foi sobre a necessidade de recuperar a relação de comunhão dos fiéis com a diocese, retomando “o gosto de fazer parte do Povo de Deus”, evitando o risco de criar “fiéis consumidores de um bem-estar espiritual”, que buscam somente a novidade ou o estímulo de experiências individuais sem entrar no mistério da “encarnação”, sobretudo em uma cidade como Roma, onde estão concentradas as congregações e as instituições. Neste sentido, o Papa falou sobre a importância de “fortalecer o nosso organismo”, consolidando a identidade cristã como Povo de Deus, já que a “espiritualidade comunitária nos cura”, porque consiste em compartilhar com os outros a fé, sem buscar “apressar a espiritualidade”, uma vez que muitas vezes corremos o risco de seguir “um Deus sem Cristo, um Cristo sem Igreja e uma Igreja sem Povo”.
A terceira pergunta foi sobre o tema da harmonia espiritual, tão difícil de conciliar na vida da paróquia e nas atividades propostas pela diocese, já que, às vezes, é fácil perder o entusiasmo por causa da rotina, das preocupações externas e da dificuldade de chegar a um acordo comum na hora de colocá-las em prática. E ainda mais, conhecendo a urgência de encontrar um rumo e um horizonte concreto. O Papa recordou a este respeito o que dizia São Basílio: “O Espírito Santo é harmonia”, capaz de ordenar a vida espiritual, paroquial e comunitária. Por isso, o Pontífice propôs buscar a força do Espírito de Deus, “que nos acompanha para que não corramos o risco de somar sem harmonizar”. Para isso, propôs três pontos-chave que podem ajudar a encontrar essa harmonia: “encontrar Cristo no Evangelho”, “ler o Evangelho todos os dias”; praticar a oração, porque se você lê o Evangelho “começa a ter vontade de falar com o Senhor e entabular um diálogo com Ele”; e colocar em prática as obras de misericórdia.
Depois das perguntas, Francisco passou ao “discurso formal”: “São 10 páginas. Se quiserem, deixo o texto com vocês e vou para casa”, brincou. Entre os aplausos gerais começou a ler o discurso. Explicou que o caminho sobre as “doenças espirituais” (“É a primeira vez que ouço o resultado de uma análise diocesana”) não termina aqui, mas continua e se expande para produzir “algo novo, inédito e desejado pelo Senhor”. A Igreja de Roma deve “reconciliar-se e recobrar um olhar verdadeiramente pastoral – atento, atencioso, benevolente, envolvente –, tanto sobre si mesmo como sobre a sua história, sobre o povo ao qual foi enviada”, disse Bergoglio.
Ele também convidou para que o próximo ano seja “uma espécie de preparação da mochila” para colocar em marcha um itinerário cujo objetivo seja alcançar “novas condições de vida e de ação pastoral, que respondam mais à missão e às necessidades dos romanos deste nosso tempo; mais criativas e libertadoras também para os presbíteros e para aqueles que colaboram mais diretamente na missão e na construção da comunidade cristã”.
O Papa animou a diocese de Roma a não ficar presa nas “escravidões”, nas “doenças” que “acabaram nos tornando estéreis”. Assim como para o Povo de Israel no Êxodo, há agora também um povo, o de Roma, que vive sob o controle de um Faraó, isto é, de um “poder que se pretende divino e absoluto e que quer impedir o povo a adorar o Senhor, que lhe pertence, convertendo-o, pelo contrário, em escravo de outros poderes e de outras preocupações”. Perguntemo-nos, disse o Papa, quem é este Faraó, para reconhecer “humildemente as nossas fraquezas” e partilhá-las com os outros. Deste modo, uma verdade fica clara: que “há um dom de misericórdia e de plenitude de vida para nós e para todos os moradores de Roma”.
“Talvez – observou Francisco – nos tenhamos fechado em nós mesmos e no nosso mundo paroquial, porque na realidade negligenciamos ou não consideramos seriamente a vida das pessoas que nos foram confiadas (as do nosso território, dos nossos ambientes da vida cotidiana), enquanto o Senhor sempre se manifesta encarnando-se aqui e agora, isto é, também e precisamente neste tempo tão difícil de interpretar, neste contexto tão complexo e aparentemente distante Dele”. Alienante.
Talvez seja por isso que chegamos a uma condição de “limitação sufocante, de dependência de coisas que não são do Senhor”; “conformamo-nos com o que tínhamos: nós e nossas ‘panelas’”, que os israelenses usavam para cozer os tijolos que depois seriam usados pelo faraó. Então, por um lado, a “hipertrofia do indivíduo”, isto é, esse “eu que não consegue tornar-se pessoa, viver de relações, e que acredita que as relações com os outros não são necessárias para ele”; por outro lado, nossas ‘panelas’, isto é, “nossos grupos, nossos pequenos pertences, que se revelaram, no final das contas, auto-referenciais, não abertos a toda a vida”.
“Nós nos debruçamos sobre preocupações da administração ordinária, da sobrevivência”, sublinhou o Papa Francisco. “É bom que esta situação nos tenha cansado (o cansaço é uma graça) e nos faça querer sair”. E, para sair, o primeiro passo é “ouvir o grito que vem do nosso povo de Roma”, perguntando-nos: em que sentido este grito expressa uma necessidade de salvação, isto é, de Deus? Quantas situações, entre as que emergiram das análises que vocês fizeram, expressam realmente esse grito!”, questionou Bergoglio. “A invocação de que Deus nos mostre e nos tire da impressão de que a nossa vida é inútil e expropriada pelo frenesi das tarefas a cumprir e por um tempo que continuamente nos escapa das mãos; expropriada também por uma fé concebida somente como tarefas a cumprir e não como uma libertação que nos renova a cada passo, abençoados e felizes com a vida que levamos”.
Ou seja, está claro que o caminho da diocese de Roma requer outra etapa que sirva para “interpretar, à luz da Palavra de Deus, os fenômenos sociais e culturais” nos quais estamos imersos. O Papa indicou que há muitos santos entre as pessoas, “gente que talvez não fez o catecismo”, mas que “soube dar um sentido de fé e de esperança às experiências elementares da vida; que se transformou no sentido de sua existência ao Senhor”. Precisamente “dentro desses problemas, desses ambientes e dessas situações das quais a nossa pastoral ordinária permanece normalmente distante”. “Nossa Igreja deve muito a pessoas que permaneceram anônimas, mas que prepararam o futuro de Deus”, afirmou o Pontífice.
E exortou as comunidades romanas a “oferecer e gerar relações nas quais o nosso povo possa sentir-se conhecido, reconhecido, acolhido, bem-vindo, isto é: parte não anônima de um todo”. “Não devemos inventar outras coisas – concluiu o Papa –; nós já somos esse instrumento que pode ser eficaz”, desde que “nos tornemos sujeitos dessa que em outra oportunidade chamei de revolução da ternura”. E poderá ser enriquecida “pelas sensibilidades, pelos olhares e pelas histórias de muitos”.
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Papa Francisco. “Estou preocupado com os jovens virtualizados, que pedem selfies e não sabem cumprimentar dando a mão” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU