14 Dezembro 2017
O Bispo Vincent Long Van Nguyen de Parramatta, da Austrália, em conversa com o Conselho Nacional dos Sacerdotes da Austrália, pediu o fim do clericalismo na Igreja e expressou ter esperança de que um clero católico revitalizado e renovado surja a partir da crise de abuso sexual que tem minado a Igreja Católica na Austrália.
Ele falou ao Conselho Nacional dos Sacerdotes da Austrália, em 30 de agosto, que reimprimiu suas observações na edição de dezembro da The Swag, sua revista trimestral.
A reportagem é de Peter Feuerherd, publicada por National Catholic Reporter, 13-12-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Van Nguyen, 55 anos, um franciscano conventual que foi nomeado bispo de Parramatta no ano passado, declarou, em uma mensagem a uma comissão real que está investigando casos de abuso sexual na Igreja Católica, que ele próprio foi abusado por membros da Igreja na idade adulta. Ele disse ao grupo dos sacerdotes que "estamos numa grande bagunça", já que os sacerdotes "sofrem as consequências da raiva e da falta de confiança públicas após a crise de abuso sexual. É uma das épocas mais difíceis para ser padre".
Ele sugeriu que eles observem o exemplo do Papa Francisco enquanto visão de sacerdócio com base em um modelo de servidão, não de autoridade.
Depois de ter sido eleito, Francisco se esquivou das armadilhas papais habituais e pediu para que a multidão rezasse por ele na Praça de São Pedro. Esse gesto, disse Long, "foi o sinal profético do século".
"O mundo passou a girar diferente”, disse ele. "Tem de haver uma mudança de atitude em todos os níveis, uma conversão da mente e do coração que nos conforma ao espírito do Evangelho, um vinho novo em odres novos, não uma mudança meramente superficial, ou pior, um retiro rumo ao restauracionismo."
Na Austrália, ele disse, "o sacerdócio já não tem o prestígio e o poder de antes. Para muitos jovens, não tem mais a aura de mistério e fascínio." Em resposta, ele pediu que os sacerdotes abraçassem o que ele chamou de um modelo de líder-servo.
A crise de abusos sexuais foi mais do que meros casos indivíduos de conduta inadequada. Van Nguyen disse que a cultura da Igreja contribuiu para a crise na Austrália.
"A menos que tenhamos a coragem de ver o quanto nos afastamos da visão de Jesus, a menos que estejamos dispostos a ir além dos sintomas e explorar as questões mais profundas que se escondem por trás da superfície, a menos que nos arrependamos verdadeiramente dos nossos pecados e enfrentemos a tarefa de recuperar a inocência e a impotência do líder-servo, não teremos passado no teste de nossa integridade, discipulado e missão", afirmou.
Acrescentou, ainda, que "quando o privilégio, o poder e a dominação são mais evidentes do que o amor, a humildade e a subserviência na Igreja, coloca-se em risco o próprio Evangelho do servo Jesus".
Ele pediu que os sacerdotes vissem seu ministério como um contraponto da cobiça humana pelo poder e pela dominação, para unir-se, assim como Jesus, aos marginalizados e vulneráveis.
"Se é possível detectar a direção do pontificado do Papa Francisco, diria que tem algo que ver com o movimento da segurança para a ousadia, de olhar de dentro para olhar para fora, da preocupação com o estatuto atual à proteção dos nossos privilégios de aprender a ser vulnerável e aprender a transmitir a compaixão de Deus àqueles que estão à margem da sociedade e da Igreja", disse Van Nguyen.
Ele pediu que os sacerdotes se dispusessem a "criar uma ponte entre o ideal e o real, cada vez mais distantes, entre o que a Igreja ensina e como as pessoas respondem".
"O novo vinho do amor incondicional de Deus, da misericórdia infinita, da inclusão radical e da igualdade precisa ser derramado em odres novos, da humildade, da mutualidade, da compaixão e da vulnerabilidade. Os odres velhos do triunfalismo, do autoritarismo e da supremacia, junto do poder clerical, da superioridade e da rigidez, estão ruindo", afirmou.
É uma vocação do líder cristão estar com seu povo na esperança e na luta, na ansiedade e no medo, disse.
"Não é fácil estar no meio e ser leal a ambos os extremos do espectro, pertencer à Igreja da ortodoxia e também exercer o ministério no mundo não ortodoxo. Envolve, realmente, como diz o ditado, estar entre a cruz e a espada".
Van Nguyen, que foi para a Austrália como refugiado vietnamita com sua família, disse que estava particularmente interessado na experiência bíblica do exílio.
"Minha história pessoal de refugiado, minha luta por uma vida nova na Austrália, juntamente com minha herança Franciscana, contribuíram para o sentimento de esperança que foi o legado do exílio do velho e que deve informar e iluminar nossa experiência de exílio atual", mencionou. "Como os profetas que acompanharam seu povo para o exílio, que interpretaram os sinais dos tempos e levaram-nos em direção ao reino — a história do arco da salvação, digamos—, devemos fazer o mesmo para o nosso povo no contexto deste novo milênio."
Ele advertiu a respeito do foco em maiores números de vocação como uma indicação de um sacerdócio saudável.
"A força da nossa missão não depende da presença de milhares. A qualidade marca nossa presença, e não a quantidade. É a substância, e não o tamanho do grupo, que faz a diferença. Portanto, este momento de diminuição pode ser uma bênção disfarçada, pois nos torna menos dependentes de nós mesmos, e mais do poder de Deus", disse Van Nguyen.
Ele argumentou que uma das principais ideias do Concílio Vaticano II é que "a Igreja não é a Igreja do ordenado, mas de todos os batizados".
Van Nguyen pediu uma reavaliação dos títulos, privilégios e costumes clericais na Igreja.
"Além disso, estou convicto de que o sacerdócio num pedestal é o sacerdócio desumanizado. Pode nos levar à ilusão de um complexo de Messias e uma incapacidade para reivindicar a nossa humanidade ferida e para ministrar em parceria. O que precisamos é humanizar o sacerdócio para melhor nos equipar com o poder relacional para o serviço e a vida autênticas do Evangelho."
A igreja, ele disse, precisa desconstruir seu modelo piramidal, que "promove a superioridade do ordenado e o destaque excessivo do papel do clero, em detrimento dos não ordenados”, e é a causa do clericalismo.
"É reconhecer e ter coragem de morrer para as velhas formas da Igreja, que já não transmitem a mensagem do Evangelho de forma eficaz na cultura em que vivemos", disse Van Nguyen.
Os que preveem a morte do sacerdócio veem a crise de abusos sexuais como a a gota d'água. Eles estão parcialmente certos, disse Van Nguyen.
"Eles não veem o outro lado da equação. O sacerdócio católico só está morrendo para aquilo que não é de Cristo. Está morrendo para as armadilhas mundanas, para o triunfalismo e o clericalismo; está nascendo novamente para o poder da vulnerabilidade, da liderança serviente, do discipulado de serviço humilde e do amor radical", afirmou.
Concluiu dizendo que "esse modelo do sacerdócio exaltado, separado e elitista está dando seus últimos suspiros — pelo menos em muitas partes do mundo, como a Austrália. Há um vinho melhor que o Senhor preparou para nós".
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Bispo australiano pede fim do clericalismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU