10 Outubro 2017
Importante bispo australiano diz que a Igreja em seu país está enfrentando a maior crise de sua história depois de participar de conversas no Vaticano sobre como abordar o problema.
Dom Mark Coleridge, da Arquidiocese de Brisbane e vice-presidente da Conferência dos Bispos Australianos, contou ao The Tablet que ele e outros prelados do país estiveram em Roma para discutir uma saída à crise de abuso sexuais clericais e ver como a Igreja poderá adotar uma nova abordagem. Esta, segundo ele, buscará maneiras de incluir a mulher em cargos de “governança” da Igreja.
A entrevista é de Christopher Lamb, publicada por The Tablet, 09-10-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
No topo da agenda estava a investigação da Comissão Real da Austrália voltada a estudar como as instituições responderam a casos de abuso sexual infantil. Essa investigação tem feito a Igreja Católica enfrentar críticas implacáveis com relação à sua forma de lidar com os escândalos. O problema tomou uma magnitude maior depois da decisão da polícia australiana de acusar o Cardeal George Pell, tesoureiro do Vaticano e ex-arcebispo de Sydney, por delitos sexuais históricos.
No dia depois de Pell aparecer para uma audiência no tribunal dos Magistrados de Melbourne na última sexta-feira, o Vaticano emitiu um comunicado dizendo que uma delegação australiana havia se reunido com várias autoridades da Santa Sé para discutir a situação em que a Igreja se encontra no país. Entre eles estavam o Cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado e número 2 do Papa Francisco, e Dom Paul Gallagher, equivalente ao ministro das Relações Exteriores do Vaticano cuja ocupação anterior era a de núncio apostólico (embaixador papal) para a Austrália.
Pell tirou uma licença de seu trabalho como prefeito da Secretaria para a Economia enquanto busca limpar o seu nome na Austrália, negando, com firmeza, as acusações feitas contra ele. Coleridge disse que esse tema foi discutido com as autoridades vaticanas, mas só para dar à Santa Sé uma ideia da “atmosfera que existe na Austrália em torno deste caso”.
Na entrevista, o arcebispo fala que a Igreja ficou “abalada em seu núcleo” pelos escândalos de abuso sexual e que, hoje, é chamada a uma “maior autenticidade”.
Explicou: “Nisso, o chamado da Comissão Real e o chamado do Papa Francisco convergem naquilo que parece ser um dos rebentamentos do Espírito Santo”.
A crise, enfatizou Coleridge, é “um momento tanto de ameaça quanto de oportunidades”, porém requer que a Igreja adote uma nova abordagem. Para esse fim, os bispos anunciaram um conselho plenário a acontecer em 2020 o qual empreenderá uma ampla revisão de sua missão, incluindo formas de passar mais responsabilidades aos leigos. Uma das principais críticas à Igreja australiana tem sido o clericalismo, que conta com uma grandíssima responsabilidade colocada nas mãos dos padres e bispos.
Na entrevista também, o arcebispo afirma que um tema a ser debatido no conselho plenário serão formas de envolver as mulheres na direção da Igreja, e não simplesmente em sua “gestão” dentro da qual elas já estão grandemente envolvidas.
“Está claro que a Igreja, aqui, passa por um momento de mudanças profundas, dolorosas e permanentes – motivo pelo qual os bispos se decidiram por um Conselho Plenário, o que também foi discutido em nossa reunião em Roma. O Conselho Plenário precisará tomar decisões ousadas sobre o futuro, considerando os fatos mudados e que estão mudando na base”, disse.
Um comunicado do Vaticano no sábado disse que a Conferência dos Bispos Australianos teve reuniões com várias autoridades da Santa Sé na semana passada. Pode explicar o contexto por trás delas e por que aconteceram?
Atualmente, a Igreja Católica na Austrália está enfrentando a maior crise de sua história relativamente breve. A Comissão Real tem servido como um catalisador poderoso no processo que leva a essa crise, embora ela não seja única nesse processo. Isto é reconhecido por muitos em Roma, principalmente por Dom Paul Gallagher, atual secretário para as Relações com os Estados e ex-núncio apostólico para a Austrália. No começo deste ano, a Secretaria de Estado convidou Dom Denis Hart, presidente da Conferência dos Bispos Australiana, e eu para vir a Roma, de bater e trazer conosco alguém de nossa escolha. Decidimos convidar o juiz Neville Owen, presidente do “Truth Justice and Healing Council”, conselho que coordena o envolvimento da Igreja junto à Comissão Real. O objetivo do encontro foi a troca de informações e pensar formas de trabalhar em conjunto, com mais eficiência, para resolver a crise que é vista como um momento tanto de ameaça quanto de oportunidades.
Um dos tópicos discutidos foi a Comissão Real sobre abusos sexuais infantis. Quando acha que esta comissão apresentará o seu relatório, e que tipo de impacto espera haver no catolicismo australiano?
A Comissão Real irá apresentar o seu Relatório Final em 15-12-2017. Será um relatório em múltiplos volumes que demandará tempo para ser lido e absorvido. Ele vai conter muitas recomendações aos governos da Austrália que, em última instância, terão de decidir o que fazer com elas.
A Comissão Real já tem um impacto enorme sobre a Igreja na Austrália, e o Relatório Final tornará esse impacto ainda mais forte. A Igreja ficou abalada em seu núcleo, ou como alguém falou: “Rompeu o coração da Igreja nesta terra”. No entanto, há uma graça divina nisso, convocando toda a Igreja a uma maior autenticidade. Nisso, o chamado da Comissão Real e o chamado do Papa Francisco convergem naquilo que parece ser um dos rebentamentos do Espírito Santo.
Houve inúmeras manchetes negativas sobre a Igreja na Austrália, mas nas bases ela ainda retém uma presença significativa por meio de suas paróquias, escolas e hospitais. O influxo de imigrantes também tem aumentado estes números. Qual estado em que se encontra a Igreja australiana?
É verdade que a Igreja Católica continua sendo uma presença significativa na Austrália através das nossas instituições educativas, de saúde e bem-estar social (em grande parte financiadas pelo governo). Porém a nossa influência social e política diminuiu em muito, assim como a nossa autoridade moral; e isso aconteceu num momento em que a Austrália debate questões de grande importância social.
Os bispos têm uma influência muito menor do que antes e são considerados mais ou menos como partes interessadas, ao invés de lideranças a seres ouvidas. Está claro que a Igreja, aqui, passa por um momento de mudanças profundas, dolorosas e permanentes – motivo pelo qual os bispos se decidiram por um Conselho Plenário, o que também foi discutido em nossa reunião em Roma. O Conselho Plenário precisará tomar decisões ousadas sobre o futuro, considerando os fatos mudados e que estão mudando na base. Um dos fatos novos mais óbvios é a importância crescente das chamadas comunidades étnicas, em que se encontra grande parte da energia espiritual real da Igreja. Elas não são mais satélites exóticos.
Dom Vincent Long van Nguyen disse recentemente que o modelo de “sacerdócio exaltado, separado e elitista está em seus últimos suspiros”, enquanto em vossas reuniões com as autoridades da Santa Sé discutiu-se a questão de uma “maior participação dos leigos em papéis decisórios na Igreja”. Que forma essa participação pode assumir?
Não tenho certeza de que o tipo de sacerdócio descrito por Dom Long, da Diocese de Parramatta, esteja tão presente na Austrália quanto em outros países. Mas vem havendo um debate (especialmente na Comissão Real) sobre o clericalismo, e grande parte dele tem sua razão de ser. O que não significa que estamos prestes a abolir a ordenação, mas que, sim, precisamos reconsiderar o recrutamento e a formação de candidatos à ordenação, bem como uma formação para a vida inteira dos que forem ordenados. Também significa que vamos precisar saber como incluir os leigos – especialmente as mulheres – não apenas na direção da Igreja (como já fazemos aqui em larga escala), mas na governança da Igreja. Esta será uma outra questão para o Conselho Plenário.
A Austrália está atualmente votando um referendo sobre o casamento homoafetivo. Algumas vozes da Igreja já se manifestaram em apoio a esse movimento. Embora muitos não apoiem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, você percebe alguma mudança na Igreja australiana em direção a uma abordagem mais pastoral e compreensiva junto aos fiéis gays?
Não se trata apenas de uma questão sobre como acompanhar os católicos gays. Eles certamente – mas outros também, que se esforçam para encontrar um lugar na comunidade religiosa e reconhecer a verdade de suas vidas no magistério católico. A grande dúvida é como nos tornar uma igreja mais inclusiva sem abandonar as verdades da fé que recebemos. Essa questão esteve no centro dos dois Sínodos dos Bispos sobre o matrimônio e a família, e está no coração de Amoris Laetitia.
É um trabalho em progresso, e que vem sendo visto nas respostas dos católicos ao referendo sobre o casamento homoafetivo na Austrália. Isso, no entanto, não fez parte das nossas discussões em Roma.
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Igreja australiana enfrenta a maior crise de sua história, diz arcebispo de Brisbane - Instituto Humanitas Unisinos - IHU