28 Julho 2017
Depois que a Comissão de Bioética das Igrejas Batistas, Metodistas e Valdenses entregou o seu documento "Este é o fim, para mim o início da vida". Eutanásia e suicídio assistido: uma perspectiva protestante, a revista Riforma on-line propôs aos leitores a entrevista realizada por S. Baral para o site Chiesa Valdese com o prof. Luca Savarino, coordenador da Comissão. O documento, aprovado por maioria e enviado para as igrejas, será estudados por elas. Ele chega após o precedente estudo dedicado ao mesmo assunto de 1998 (Eutanásia e suicídio assistido); outra referência importante é o texto ‘Um tempo para viver e um tempo para morrer’, elaborado pela Comunhão das Igrejas Protestantes na Europa (CCPE, publicado pela editora Claudiana, em 2012). A respeito do documento deste ano, que poderá ser discutido no próximo Sínodo 2017 e do qual vocês podem encontrar aqui um resumo, iniciaremos por uma conversa com o pastor batista Alessandro Spanu (de Turim).
A entrevista é de Sara Tourn, publicada por Riforma, 18-07-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quais foram os elementos que guiaram a Comissão na elaboração do documento?
Em primeiro lugar gostaria de ressaltar a prudência do documento, que espelha o debate na Comissão e que almeja que as igrejas se empenhem em uma batalha pública em favor de um sistema de cuidados paliativos e de acompanhamento ao morrer que permitam reduzir ao máximo os pedidos de eutanásia e suicídio assistido. O Documento compartilha os assuntos teológicos de ‘Um tempo para viver e um tempo para morrer’: “ser uma criatura justificada e renovada pelo amor de Deus deve ser o que qualifica o ser humano" (CCPE 4.1.). Isso significa que nós acreditamos que todo ser humano é portador de uma dignidade fundamental que não se esgota mesmo em casos de extremo sofrimento e perda de capacidade. Por fim, reconhecemos que, do ponto de vista cristão a liberdade humana não é absoluta autodeterminação: embora cada um percorra a sua própria vida assumindo a responsabilidade em primeira pessoa (e somente em segunda instância têm voz em matéria a sociedade e as igrejas), a vida é um dom de Deus e não é adquirida e mantida por um ato humano de poder e controle. Deve ser considerada, mesmo em seu aspecto biológico, um bem recebido do qual é preciso tomar conta. No entanto, em relação aos documentos anteriores, mudaram o contexto, a tipologia dos sujeitos envolvidos (doenças neurológicas degenerativas, traumas permanentes do sistema nervoso, doenças psíquicas, estado vegetativo persistente). Eu começo com o que o apostolo Paulo escreve sobre a morte, o último inimigo a ser destruído quando todos seremos vivificados em Cristo (1 Coríntios 15, 26). Deus já derrotou o poder de morte ressuscitando Jesus, tal vitória é uma promessa e a morte permanece um inimigo contra o qual combater. Em alguns casos, o pedido para morrer com dignidade é o ato extremo com o qual o crente luta contra a morte que já tomou posse de seu corpo. Nessa perspectiva, a eutanásia e o suicídio assistido não são necessariamente atos arbitrários e egoístas, mas podem responder a uma profunda convicção sobre o sentido da vida que não se esgota no aqui e agora e deve ser vivida como um serviço a Deus e ao próximo (João 16, 13; 1 João 3, 15).
Por fim, o documento considera que a distinção entre matar e deixar morrer não é universalmente válida. Acreditamos que, em determinadas situações, a distinção entre ação e omissão seja decorrente mais do ponto de vista psicológico que moral: por exemplo, em situações onde a eutanásia ou suicídio assistido diminuem o tempo de uma doença que, inevitavelmente levaria à morte em poucos dias.
Que peso tiveram as diferentes formações e competências (médicas, filosóficas, jurídicas, pastorais) dos membros da Comissão?
Um peso muito importante. Como pastor, estou convencido de que a função das igrejas é de acompanhar o doente e as famílias para optar pelo uso dos cuidados paliativos que o sistema de saúde coloca à nossa disposição. No entanto, a complexidade da questão é tal, que cada caminho de acompanhamento deve primeiro levar em conta as competências médicas, tanto as que dizem respeito aos protocolos farmacológicos, como aquelas que amadureceram frente a casos de sofrimento agudo. Em especial, orientaram a minha decisão sobre o documento as seguintes perguntas: podemos impedir a pessoa de sair de uma condição que considera inaceitável? Está equivocado quem identifica uma forma paternalística de violência no comportamento daqueles que decidem em favor da pessoa que sofre? Estamos autorizados a ignorar o seu desespero, a sua vontade, aproveitando do fato de que não é capaz de fazer sozinha o que gostaria?
O texto poderia ser discutido no próximo Sínodo das igrejas valdenses e metodistas e estará em discussão em todas as comunidades: o que se pode esperar?
Como pastor, o que eu mais temo é o silêncio, a indiferença. Certamente, as nossas comunidades são (também) frágeis, é difícil encontrar tempos de qualidade que permitam a concentração em um documento tão complexo. No entanto, acredito que a tarefa de pastores e pastoras é promover a discussão sem preconceitos ideológicos. Nossas conclusões são deliberadamente abertas. Eu não posso dizer com antecedência se o documento vai angariar mais consensos ou discordâncias. Certamente espero que não seja usado como um instrumento para identificar lados contrapostos, mas como uma contribuição para o debate.
Existe um "nó" em torno do qual a situação fica mais emaranhada?
Considero que para as nossas igrejas o ponto mais complexo seja o da autodeterminação. A Bíblia, por um lado - refiro-me aos profetas, por exemplo - condena a autonomia em relação a Deus. O povo dos crentes depende de Deus, de seu juízo e da sua misericórdia. Por outro lado, eu reconheço que não pode haver nenhuma biografia e até mesmo vida espiritual sem liberdade de pensamento e de busca. Em um ponto do documento afirma-se "acreditamos que as igrejas são chamadas a uma profunda obra de conscientização cultural que tente questionar a ideia segundo a qual a única forma de vida digna seja a vida autônoma e independente, que não depende do cuidado e da assistência de outros. A especificidade de uma reflexão cristã sobre as questões do fim da vida deveria consistir na capacidade de saber colocar a questão sobre o sentido de conceitos como vida, morte, sofrimento, doença e cura que às vezes não são adequadamente problematizados, tanto pela perspectiva secular, como pela perspectiva católico-romana, muitas vezes unilateralmente afetadas por questões de caráter normativo e legalista.
Em uma parte do documento fala-se que o ato de dar-se ou dar a morte (referido no contexto específico de doença incurável e de sofrimento insuportável) pode "em situações específicas, até ser entendido como uma resposta responsável ao Mandamento, expressão do amor para Deus e para o próximo". Em que textos bíblicos pode se basear essa reflexão?
"Três textos me guiaram na reflexão: o já mencionado 1 Cor. 15, 26, a morte como um inimigo que deve ser combatido, mesmo quando se apresenta na aparência deformante da doença. O segundo texto, que também encontrei na avaliação rabínica sobre a eutanásia, é a morte de Saul, que se mata para evitar cair nas mãos do inimigo, e o seu gesto não é condenado. O terceiro texto é a obra de João: neste, a vida não coincide com a vida biográfica, é muito mais que isso, é acima de tudo vida eterna. Qualifica-se como um serviço a Deus e ao próximo e vive em plena comunhão com Cristo, o Ressuscitado.
A sociedade italiana está madura para uma discussão sobre esta questão?
Eu não tenho ferramentas suficientemente sensíveis para ler a sociedade italiana e fazer um prognóstico. No entanto, um sinal preocupante emerge da pesquisa realizada (Demos-Coop) e publicada por Ilvo Diamanti no jornal La Repubblica em 10 de julho último. A pesquisa agrupa as palavras que são consideradas positivas e aqueles que são associados a um significado negativo. Por exemplo, palavras "boas" são "energia renovável, trabalho, meritocracia, voluntariado" e o sempre presente "Papa Francisco". No outro extremo, encontramos as palavras "política, políticos e partidos políticos" e, junto à sempre depreciada "União Europeia" aparecem "casamento gay", “imigração” e "Jus soli", ou seja, todos os temas que dizem respeito aos direitos individuais das pessoas. Esse último dado parece-me bastante preocupante. Então, arriscando uma previsão, acredito que a discussão sobre esse tema corre o risco de sofrer manipulação e ser cansativa.
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"Deus, ao ressuscitar Jesus, já derrotou o poder da morte" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU