Por: Jonas Jorge da Silva | 19 Abril 2023
“A utopia maior, hoje, é imaginar que o capitalismo vai durar 100 anos. Se ele durar 100 anos, possivelmente a humanidade vai desaparecer. Hoje, mais utópico do que pensar em formas futuras de sociedade, que eliminam os problemas dessa sociedade, e que possivelmente criam outros, como sempre acontece, é imaginar a sobrevivência do capitalismo”, avaliou Eleutério F. S. Prado, economista, professor titular, aposentado, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária – FEA, da Universidade de São Paulo - USP, na manhã do último dia 15 de abril, em debate [online] intitulado Capitalismo e colapso: a civilização em xeque.
O encontro inaugurou a série de debates [online] Habitabilidade da Terra: fraturas, emergências e releituras, que busca aprofundar as temáticas socioambientais a partir de uma leitura transdisciplinar das condições atuais da vida no planeta, o rompimento de velhos paradigmas e a construção de novas abordagens e compreensões do modo humano de estar no mundo.
Prof. Dr. Eleutério F. S. Prado, da USP, na atividade [online] "Capitalismo e colapso: a civilização em xeque"
A iniciativa do CEPAT conta com a parceria e o apoio de diversas instituições: Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá - UEM, Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR, Conselho Nacional do Laicato do Brasil - CNLB, Centro Nacional de Fé e Política Dom Hélder Câmara - CEFEP e Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida - OLMA.
O economista Eleutério F. S. Prado iniciou sua exposição confessando que embora sempre tenha se mantido interessado nas condições de vida da população, a partir de 2015, com a leitura da obra Capitalismo e colapso ambiental, de Luiz Marques, teve uma espécie de “choque intelectual”, constatando que o problema ambiental, vasto e complexo, é muito mais complicado do que imaginava como economista.
Além disso, também se mostrou muito tocado pelas palavras do teólogo e escritor Leonardo Boff, que recentemente escreveu um artigo intitulado Merecemos ainda continuar sobre a Terra?, destacando que os relatórios científicos de climatólogos dizem “que já passamos o ponto crítico do aquecimento e que não haverá mais retorno e que nem a ciência e a tecnologia poderão mais nos salvar, apenas nos prevenir e finalmente dizem que radicalizamos o antropoceno (o ser humano é a grande ameaça à vida, estamos na sexta extinção de vidas), passamos pelo necroceno (morte em massa de organismos vivos) e chegamos agora ao piroceno (a era do fogo na Terra), talvez a fase mais perigosa para a nossa sobrevivência.”
Feitas essas observações iniciais, Prado lembrou que em seus estudos de teoria econômica, chegou à conclusão intelectual de que a melhor compreensão do capitalismo, da sociedade em que vivemos, vem da obra O Capital de Marx, daí o fato de pensar a partir dela. Contudo, em sua interpretação, isto não quer dizer que as questões políticas do marxismo clássico possam ainda ser consideradas do mesmo modo.
Fazendo menção ao Livro III de O Capital, Prado disse que a interpretação tradicional do capitalismo é a de que a dinâmica do sistema econômico é complexa e está em evolução, em transformação, sempre fora do equilíbrio, e que as crises sempre se apresentam como soluções para as contradições existentes. Se a tendência do capitalismo é a busca da superacumulação, a produção capitalista procura superar as barreiras que vão surgindo nessa direção.
Contudo, tendo em vista que Marx olhava para o capitalismo no século XIX e que nós olhamos para o existente no século XXI, com a sequência histórica de queda tendencial da taxa de lucros, verifica-se que mais do que uma crise cíclica, o capitalismo mundial atravessa uma crise estrutural. Citando a obra Invisible Leviathan – Marx’s law of value in the twilight of capitalism, de Murray E. B. Smith, Prado avaliou que o capitalismo vem criando barreiras que não consegue mais superar.
A financeirização nada mais é do que uma tentativa de solucionar a crise, mas acaba criando um problema extraordinário de capital fictício. A lógica seria a sua destruição, mas isto levaria a uma devastação muito grande das condições de vida nos países centrais, daí a recorrente intervenção dos governos para manter o sistema. Sendo assim, a crise se amplia por meio das soluções que vem sendo dadas.
Nesse sentido, Prado destacou quatro contradições que, atualmente, emperram o desenvolvimento do capitalismo:
A contradição está no fato de que ao mesmo tempo em que se faz necessário ampliar os gastos com saúde, educação, moradia, trabalho, aposentadoria, infraestrutura, mobilidade e qualidade de vida para a população em geral, para que o sistema capitalista funcione é necessário também garantir as taxas de lucro das empresas. São necessidades opostas. A solução só poderia vir de uma crise devastadora do arranjo atual, que transformaria radicalmente o mundo, tendo como resultado um possível desaparecimento das grandes potências tais como arquitetadas hoje.
Se com a social-democracia o capitalismo atingiu o seu máximo de força nos países centrais, conseguindo integrar as duas dimensões aqui mencionadas, com o neoliberalismo, buscou-se a manutenção das taxas de lucro acima de tudo, com o desmantelamento de inúmeras conquistas cidadãs.
Portanto, Prado enxerga uma contradição no caráter privado da produção: na medida em que o capitalismo se desenvolve, cresce a necessidade de bens públicos para a infraestrutura e os direitos sociais que garantam a legitimidade do sistema. Contudo, com o imperativo da necessidade de aumentar as taxas de lucro, implementa-se uma política de privatização.
Do ponto de vista teórico, esse recurso tem que sair da mais-valia e, portanto, se um Estado recolhe uma enorme quantidade de mais-valia, sobra menos para o lucro dos capitalistas. O desenvolvimento do capitalismo exige uma ampliação da atividade estatal, mas essa ampliação entra em conflito com a necessidade da lucratividade do capital. Para Prado, esse é um problema que não tem solução.
O sistema econômico está mundialmente integrado. Em sua história, destaca-se dois grandes movimentos de globalização: o keynesianismo e o neoliberalismo. Segundo Prado, atualmente, não existe uma coordenação mundial para a solução dos problemas que afetam a todos. Na falta de uma instância com autoridade para intervir em favor do bem comum, os estados nacionais não assumem concretamente a responsabilidade pelos danos colaterais de suas ações.
Nesse sentido, desde o final da Segunda Guerra Mundial, constata-se que raramente houve alguma trégua nos conflitos geopolíticos. Com a longa depressão econômica, também se verifica que o mundo começa a se desagregar e a situação fica cada vez mais complicada.
Há uma apropriação crescente da natureza, em escala sem precedentes, ainda que a ciência aponte que o planeta possui limites em sua capacidade de carga. Esses limites já estão aí, gerando problemas que não têm mais solução. Diante da grande emissão de CO2, alguns cientistas falam sobre a necessidade de um decrescimento, pois quanto maior o PIB, maiores são as emissões. Então, como fazer o decrescimento?
Na opinião de Prado, são desafios que o capitalismo não consegue resolver. Nisso também está latente a possibilidade de um decrescimento catastrófico e caótico, a partir de problemas provenientes do aquecimento global, passando a afetar as produções, de modo crucial o fornecimento de alimentos. Em sua avaliação, é muito difícil que ocorra um decrescimento ordenado, conforme preconizado por alguns cientistas.
Se a crise de superacumulação fosse resolvida nos modos clássicos, mexeria com a hegemonia e os privilégios dos Estados Unidos e outros países centrais. Contudo, a destruição de capital também não pode ocorrer a partir de medidas paliativas, que buscam manter o funcionamento do sistema imperante.
De fato, há um volume cada vez maior de capital fictício que não gera produção e lucro efetivo para o capital, que depende da mais-valia extraída dos trabalhadores. A financeirização é um sinal dessa superacumulação sem solução. Como, então, resolver esse problema?
Para Prado, além do sistema não poder resolver suas crises, as taxas de lucro mostram uma tendência declinante. Portanto, o capitalismo hoje é travado e não consegue prosperar como nos tempos passados. É por isso que há tanta saudade do keynesianismo entre os que buscam saídas. Há um desejo de voltar ao desenvolvimento, mas a dificuldade é estrutural. Por mais que se tenha boa vontade, a dificuldade é muito grande, pois o capitalismo só fica eufórico quando as taxas de lucro aumentam.
Jonas Jorge da Silva, do CEPAT, e o Prof. Dr. Eleutério F. S. Prado, da USP, na atividade [online]: "Capitalismo e colapso: a civilização em xeque"
Nessa direção, Prado considerou que parece evidente que os extremismos de direita que surgiram no Brasil e em diversos outros países estão relacionados a essa crise do capitalismo estrutural e de longo prazo. A proposta do extremismo de direita é aprofundar a lógica do capitalismo: o que importa é ganhar e quem perdeu que se vire.
É a lógica concorrencial que apareceu na pandemia como indiferença para com as vítimas. Trata-se de um certo darwinismo social que, de fato, está na estrutura do capitalismo. Toda a lógica do extremismo de direita é aprofundar o capitalismo, a concorrência, a destruição da proteção social.
Na avaliação de Prado, com a degradação de parte do conhecimento econômico, hoje, os economistas do sistema têm dificuldades até mesmo de compreender o que está acontecendo. Em geral, pensam que a política econômica tem um poder extraordinário que pode mudar o rumo das coisas, algo presente mesmo entre alguns economistas de esquerda.
No Brasil, por exemplo, criou-se uma dinâmica em que os jornais são alimentados pelos economistas do sistema financeiro. Há uma pobreza muito grande de difusão do conhecimento econômico, mesmo no nível mais conjuntural, superficial.
De modo mais geral, a economia adquiriu um caráter técnico, como se fosse uma engenharia. O economista contemporâneo pensa como um engenheiro: se existe um problema, pensa em uma solução. “Por exemplo, ficam discutindo se o Haddad tem a solução certa ou errada, mas não discutem o problema de fundo, que desaparece”, critica Prado. Ao mesmo tempo, não podem mais esconder o problema do colapso ecológico que está em andamento e, ainda assim, ficam pensando em soluções tecnológicas.
“A solução que está no campo do utópico é suprimir a produção voltada para o lucro, não sei se é possível. Teoricamente, sim, mas na prática pode ser difícil”, avaliou Prado. Para ele, a ideia original em Marx era a de trabalhadores livremente associados. É uma fórmula que nunca existiu. Não se trata de concentrar o poder, mas de encontrar formas de gerência das grandes empresas que sejam democráticas, visar o bem comum, os bens necessários para as famílias.
“Isso é utópico? Bem, a utopia maior hoje é imaginar que o capitalismo vai durar 100 anos. Se ele durar 100 anos, possivelmente a humanidade vai desaparecer. Hoje, mais utópico do que pensar em formas futuras de sociedade, que eliminam os problemas dessa sociedade, e que possivelmente criam outros, como sempre acontece, é imaginar a sobrevivência do capitalismo”, constatou.
Por fim, entre outros pontos abordados, Prado ressaltou que todos os sistemas de produção, os modos de produção, exceto os mais primitivos, carregam consigo a ideia de subjugação da natureza, de dominação da natureza. Tal perspectiva passou pela civilização ocidental, os gregos, a Idade Média e foi levada ao extremo pelo capitalismo. Sendo assim, em sua avaliação, o reconhecimento da mãe natureza é absolutamente importante e ainda que seja uma luta no plano do pensamento, ajuda a contrariar essa dinâmica que, em última análise, vem do racionalismo ocidental.
Abaixo, disponibilizamos a íntegra da exposição e debate.
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Capitalismo e colapso: “Hoje, a utopia maior é imaginar a sobrevivência do capitalismo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU