Por: Patricia Fachin e Ricardo Machado | 10 Outubro 2017
Quando se trata de analisar as decisões adotadas pelo atual governo federal, é preciso separar, de um lado, as propostas econômicas e, de outro, as políticas sociais. “A política econômica é boa, o problema está em todo o resto, nas políticas sociais e ambiental, na falta de governança e reputação do governo”, diz a economista Eduarda La Rocque à IHU On-Line. Na avaliação dela, “a equipe econômica está conseguindo milagres diante da falta de credibilidade política do governo. A mudança da Taxa de Juros a Longo Prazo - TJLP pela Taxa de Longo Prazo - TLP e a reforma trabalhista são fundamentais para a retomada do crescimento a longo prazo”. Além disso, frisa, “a reforma da previdência é extremamente necessária, mas há ainda muitos ajustes para que se chegue a uma proposta justa que não perpetue privilégios”.
Favorável ao teto dos gastos sugerido pela equipe econômica, e aprovado pelo governo, a economista destaca que “o importante é termos uma boa redistribuição do bolo. Os cortes não podem ser lineares, mas através de integração de iniciativas e modelos de gestão mais inteligentes. Temos que focar na qualidade do gasto público e das políticas sociais, fazendo com que eles atinjam de fato a ponta, a base da pirâmide. O que falta é pensar em como combater a enorme desigualdade, não apenas de renda, mas principalmente oportunidades e qualidade de vida”, diz.
Segundo ela, para enfrentar as desigualdades sociais no país, é preciso melhorar “a qualidade do gasto público, através da integração e desburocratização. Precisamos de uma desintermediação profunda na nossa economia, principalmente no setor público, mas não só nele. Principalmente no Brasil, o dinheiro público dos impostos não melhora o serviço na ponta porque ficam parados financiando uma burocracia ineficiente. Mas esta ‘intermediação excessiva’ ocorre no mundo inteiro, e não se restringe ao governo”, afirma.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Eduarda La Rocque explica em que consiste sua aposta numa política econômica neoliberal e esclarece como é possível conciliar essa visão com o desenvolvimento de um estado de bem-estar social. “Uma política econômica neoliberal para mim é a que respeita as restrições de solvência de um país a longo prazo. Não sou a favor de um Estado mínimo, mas de um Estado responsável que maximize o bem-estar da população no curto e longo prazo, focado em oferecer condições mínimas de vida para os mais vulneráveis e oportunidades de crescimento para todos”.
A economista comenta ainda sua aposta numa proposta que leva em conta a distribuição para garantir o crescimento. “Na verdade, não acredito no PIB como medidor do bem-estar, então crescer não é uma palavra apropriada. Prefiro dizer ‘distribuir e integrar, para prosperar’. É possível gerar prosperidade sem crescimento (Tim Jackson). Precisamos de novas métricas a perseguir, tais como o índice de progresso social - IPS, proposto por Michael Porter. E que penalizem a desigualdade. Uma unidade de renda para os mais vulneráveis vale muito mais do que para os milionários. Precisamos, no Brasil e no mundo, de formas de desintermediação, de fazer com que parte da renda do topo da pirâmide vá direto, sem intermediários, para desenvolver negócios na base da pirâmide. Daí a ideia que tenho defendido de criação de um mercado de fundos filantrópicos”.
Eduarda | Foto: Usina Pensamento
Eduarda La Rocque é graduada, mestre e doutora em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o Brasil chegou à atual crise econômica? Quais foram, no seu entendimento, as razões que levaram o país à recessão?
Eduarda La Rocque - Falta de responsabilidade fiscal e das reformas estruturais de que precisamos para crescer de forma sustentável: trabalhista, previdenciária, tributária e, principalmente, política.
IHU On-Line - Recentemente a senhora declarou que a cada ano o rombo nas contas públicas cresce mais. Quais são os maiores problemas de administração pública no país? Em que áreas diria que há maior desperdício de recursos e má gestão?
Eduarda La Rocque - O maior rombo é o da previdência. Mas há desperdício e superposição em todas as camadas da administração pública, principalmente por falta de integração entre os projetos e órgãos públicos.
IHU On-Line - Como a senhora avalia a atual política econômica do governo? Quais são seus erros e acertos?
Eduarda La Rocque - A política econômica é boa, o problema está em todo o resto, nas políticas sociais e ambiental, na falta de governança e reputação do governo. A equipe econômica está conseguindo milagres diante da falta de credibilidade política do governo. A mudança da Taxa de Juros a Longo Prazo - TJLP pela Taxa de Longo Prazo TLP e a reforma trabalhista são fundamentais para a retomada do crescimento a longo prazo. A reforma da previdência é extremamente necessária, mas há ainda muitos ajustes para que se chegue a uma proposta justa que não perpetue privilégios. Sou a favor do teto dos gastos, mas o importante é termos uma boa redistribuição do bolo. Os cortes não podem ser lineares, mas através de integração de iniciativas e modelos de gestão mais inteligentes. Temos que focar na qualidade do gasto público e das políticas sociais, fazendo com que eles atinjam de fato a ponta, a base da pirâmide. O que falta é pensar em como combater a enorme desigualdade, não apenas de renda, mas principalmente oportunidades e qualidade de vida. PIB e emprego são importantes, e dependem da estabilidade fiscal, mas a curto prazo as políticas sociais de base não podem ser retraídas.
IHU On-Line - Quais são as implicações sociais do ajuste fiscal feito pela equipe econômica do governo? Por que, na sua avaliação, o governo federal não calculou bem o risco social que as políticas de austeridade impõem aos setores mais empobrecidos da sociedade?
Eduarda La Rocque - Não são as políticas macroeconômicas de austeridade de longo prazo que geram risco de caos social, mas onde os cortes estão se localizando. É a forma com que o ajuste está sendo feito o que gera mais indignação: de forma discricionária, imposta de cima para baixo por um governo e congresso sem qualquer reputação, de forma a proteger os seus próprios interesses e de aliados, sem nenhum corte para os privilégios da Corte e cortes viscerais nas políticas sociais para a base da pirâmide. Por exemplo, no Rio de Janeiro os recursos dos incentivos fiscais das Estatais, ao invés de serem alocados nas políticas culturais das favelas, por exemplo, estão sendo canalizados para financiar, via propaganda, a agenda turística que interessa à rede hoteleira de elite e os grupos de comunicação e publicidade.
IHU On-Line - Uma das críticas feitas à política econômica do governo e ao ajuste fiscal diz respeito às implicações que as medidas adotadas tiveram na área social. Considerando essa crítica, como conciliar um ajuste fiscal e as reformas sem que isso implique prejuízos sociais?
Eduarda La Rocque - Melhorando a qualidade do gasto público, através da integração e desburocratização. Precisamos de uma desintermediação profunda na nossa economia, principalmente no setor público, mas não só nele. Principalmente no Brasil, o dinheiro público dos impostos não melhora o serviço na ponta porque ficam parados financiando uma burocracia ineficiente. Mas esta “intermediação excessiva” ocorre no mundo inteiro, e não se restringe ao governo. Angus Deaton em A grande saída faz uma crítica contundente ao sistema da “ajuda internacional”: o dinheiro da filantropia internacional também não chega à ponta porque se paralisa nos fluxos da burocracia, nos altos cargos, grandes e superpostos eventos do sistema ONU.
IHU On-Line - Qual sua avaliação sobre as reformas Trabalhista e Previdenciária? Que aspectos dessas reformas deveriam ser diferentes?
Eduarda La Rocque - A reforma trabalhista está bem encaminhada, a reforma da Previdência, embora extremamente necessária, carece de uma maior transparência de informações e discussão. Há de se chegar a uma proposta justa que não perpetue privilégios. Temos que abrir a caixa preta, dos passivos e dos ativos, com total transparência.
IHU On-Line - Para além das reformas Trabalhista e Previdenciária, alguns economistas e sociólogos sugerem que seja feita uma reforma Tributária. Que elementos devem compor uma reforma desse tipo, considerando a realidade brasileira?
Eduarda La Rocque - A reforma tributária é fundamental, pois nosso sistema é, além de excessivamente complexo, muito regressivo. Precisamos de uma grande simplificação baseada no conceito de valor adicionado. A complexidade do nosso sistema tributário, e os riscos dela advindos, é um fator significativo do risco Brasil. E o peso da carga tributária incide sobre o setor produtivo e a classe média. Os ricos pagam muito pouco imposto no Brasil.
IHU On-Line - Como descreve o que vem a ser uma política econômica neoliberal? Como conciliar um Estado mínimo com programas sociais eficientes?
Eduarda La Rocque - Uma política econômica neoliberal para mim é a que respeita as restrições de solvência de um país a longo prazo. Não sou a favor de um Estado mínimo, mas de um Estado responsável que maximize o bem-estar da população no curto e longo prazo, focado em oferecer condições mínimas de vida para os mais vulneráveis e oportunidades de crescimento para todos.
IHU On-Line - Muitos economistas dizem que o governo Temer, assim como o governo Dilma, adotaram uma política econômica neoliberal. Concorda com essa visão? Como podemos compreender teoricamente as estratégias da política econômica do atual governo? Qual teoria explica melhor essa política econômica, o keynesianismo, o desenvolvimentismo, o neoliberalismo ou nenhuma delas?
Eduarda La Rocque - O governo Dilma não chegou a adotar uma política neoliberal, pelo contrário, pregou “a nova matriz de desenvolvimento econômico”, numa linha mais desenvolvimentista. Compreendeu-se, no início do segundo mandato, que havia necessidade de um ajuste fiscal severo, mas Joaquim Levy não conseguiu se impor sobre o restante do governo e da opinião pública e a trajetória de insustentabilidade fiscal continuou até o impeachment, a meu ver ilegítimo, da presidente. A política de Temer é neoliberal na economia, extremamente conservadora no social e retrógrada no aspecto ambiental. Uma temeridade.
IHU On-Line - Recentemente voltou-se a discutir no país a possibilidade de privatizar instituições que funcionam como economia mista, a exemplo da Eletrobras. O Brasil deveria ou não optar pela privatização das instituições públicas? Por quê?
Eduarda La Rocque - Sou em geral a favor das privatizações, por ter conhecido de perto o quão ineficiente é a gestão pública no Brasil. Sou a favor de um Estado forte como regulador, fiscalizador e indutor de redistribuição rápida de oportunidades, mas menor na operacionalização.
IHU On-Line - O que seria uma política econômica adequada para a situação brasileira?
Eduarda La Rocque - Distribuir para “crescer”. Na verdade, não acredito no PIB como medidor do bem-estar, então crescer não é uma palavra apropriada. Prefiro dizer “distribuir e integrar, para prosperar”. É possível gerar prosperidade sem crescimento (Tim Jackson). Precisamos de novas métricas a perseguir, tais como o índice de progresso social - IPS, proposto por Michael Porter. E que penalizem a desigualdade. Uma unidade de renda para os mais vulneráveis vale muito mais do que para os milionários. Precisamos, no Brasil e no mundo, de formas de desintermediação, de fazer com que parte da renda do topo da pirâmide vá direto, sem intermediários, para desenvolver negócios na base da pirâmide. Daí a ideia que tenho defendido de criação de um mercado de fundos filantrópicos.
Na verdade, um mercado de fundos focados não apenas em retorno financeiro, mas também de retornos sociais, ambientais, e de qualidade de vida urbana. O baixo nível de bem-estar — para pobres e ricos — a que chegamos favorece a criação deste tipo de mercado de forma voluntária: os ricos estariam dispostos a gastar parte da sua fortuna para gerar uma melhor qualidade de vida urbana (a redução de violência é o caso mais óbvio). Mas deve-se pensar também na criação de um fundo compulsório para redução de desigualdades e melhoria de qualidade de vida, como se fosse um imposto sobre riqueza, mas gerenciado pelo próprio mercado de capitais.
IHU On-Line – O que mais é necessário para reduzir as desigualdades sociais no país?
Eduarda La Rocque - Além de políticas sociais e uma reforma tributária, tal como proposta por Piketty, tenho defendido mecanismos na linha de pesquisa de Atkinson, por exemplo a criação de um mercado de fundos de investimento sócio-ambiental. Sobre isso, ver aqui.
IHU On-Line - Como ser liberal e ao mesmo tempo apoiar Marcelo Freixo? Qual a importância de fugir da polarização para construirmos saídas à atual crise?
Eduarda La Rocque - Sou liberal, assim como o Freixo, no que diz respeito à liberdade de escolhas individuais. Somos liberais como antítese aos conservadores, Trump, Temer, Bolsonaro, dentre tantos que infelizmente vêm crescendo em popularidade no mundo. Convergimos também na principal meta, que é reduzir a desigualdade. Divergimos somente no método. Acredito na curva de Lafer, na mão invisível de Adam Smith e no animal spirits de Hicks; e que a imposição de muitas regras e proibições sobre o funcionamento da economia acabam por gerar ineficiências ao invés de atingir os objetivos. Por exemplo, no Minha Casa Minha Vida, o fato de proibir a comercialização dos imóveis gerou um mercado paralelo, assim como o que ocorre no mercado das drogas (aliás, a descriminalização é urgente), do sexo, dos jogos.
O mais importante para sairmos da crise é relevarmos nossas diferenças ideológicas em prol de um alinhamento ético e de um compromisso com a redução da gritante desigualdade social do nosso país. Temos muitos ativos, sairemos da crise com a melhora do nosso modelo de governança se focarmos numa meta consensual e num modelo de acordos para atingi-la, com base em pesquisa e informação qualificada.
IHU On-Line - Como a economia pode contribuir para construção da justiça social, eficiência no gasto público e transparência na governança?
Eduarda La Rocque - Avaliando a qualidade do gasto público. Em geral, aos economistas cabe impor as restrições orçamentárias, nos ministérios e secretarias de fazenda do país, mas temos que nos preocupar cada vez mais com a alocação, a priorização e a eficiência na utilização dos recursos públicos. E com a institucionalização de instrumentos adequados de controle. O sistema de fiscalização pública sofre dos erros do tipo I e do tipo II da Estatística: impedem que o bom gestor faça a coisa certa e não impede as falcatruas da indústria para burlar a Lei 8666.
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A política de Temer é uma temeridade. É preciso distribuir e integrar, para prosperar. Entrevista especial com Eduarda La Rocque - Instituto Humanitas Unisinos - IHU