02 Dezembro 2025
"O Jesus descrito por Mateus não pede para construir arsenais espirituais, mas para manter uma lâmpada acesa. O inesperado pode chegar enquanto colhemos trigo, giramos uma mó de moinho, arrumamos uma mesa".
O artigo é de Antonio Spadaro, jesuíta e ex-diretor da revista La Civiltà Cattolica, publicado por Il Fatto Quotidiano, 30-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Nenhuma catástrofe ainda ocorreu, mas tudo poderia acontecer a qualquer momento. Mateus nos mantém em suspense, relembrando o tempo passado do dilúvio universal e imaginando aquele tempo como novamente iminente.
Não havia nada de sensacional nos dias que antecederam a catástrofe. O que as pessoas estavam fazendo?
"Comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento": comer, beber e fazer amor.
Mas bem ali, no coração da rotina do dia a dia, se abre a fissura para o imprevisível. O que faziam as pessoas que estavam em suas casas antes de um míssil cair sobre suas cabeças em Gaza ou Kharkiv?
A catástrofe chega enquanto estamos vivendo. Não enquanto está sendo cometido um mal extraordinário, mas enquanto estamos entretidos no ciclo habitual das coisas. A catástrofe não interrompe uma orgia de maldade, mas um aperitivo. O mundo acaba entre o fogão e uma taça de vinho. Esta é a vertigem: o absoluto pode irromper no ordinário. Não, não como um castigo por sabe-se lá o quê, mas como uma fissura. O texto não se detém na culpa, mas na inconsciência: "E não o perceberam". O drama não é a ação, mas a distração.
Jesus depois continua seu discurso de forma altamente visual, exibindo imagens minimalistas, cotidianas, como um filme de Ozu. Dois homens no campo: um será levado, o outro deixado. Duas mulheres no moinho: uma será levada, a outra deixada. Sem explicação. Sem distinção aparente entre os dois. Não se trata de bons e maus, de merecedores e indignos. Jesus se refere a pequenas histórias, cenas de neorrealismo, mas desprovidas de riqueza narrativa. O juízo não cai do alto, mas está inscrito na capacidade de vigilância. É isso que importa para Jesus. A palavra-chave é: "Vigiem". O que está em jogo não é saber o dia e a hora — impossível —, mas habitar o tempo com uma consciência vigilante. Há aqueles que vivem como se nada pudesse jamais mudar, e aqueles que, mesmo ao cortar o pão, permanecem abertos ao possível. A diferença não está nos gestos, mas na atitude. Como no conto de Kafka "Diante da Lei", o homem que espera a vida inteira diante de uma porta aberta nunca entra porque fica preso no que o espera, alheio à passagem do tempo. O convite de Jesus é o oposto: não esperar do lado de fora, mas viver dentro, estar sempre prontos.
E, além disso, se destaca no relato a imagem final: um ladrão, à noite. O dono da casa não sabe se ou quando ele virá, mas se soubesse, certamente ficaria de vigia. É um paradoxo fulminante: o ladrão como metáfora da expectativa.
O visitante não chega à luz do dia, mas escondido, furtivamente, na escuridão. Não há aviso: apenas silêncio e surpresa. É uma inversão radical da expectativa religiosa: o que importa não é conhecer o futuro, mas estar presentes no presente. Ao longo de toda passagem, não há menção a templos, orações ou rituais. Fala-se de campos, de moinhos, de sono e de portas de casas. Mas algo vibra, como se algo imprevisível, irremediável, estivesse prestes a acontecer. A expectativa é tudo.
O Jesus descrito por Mateus não pede para construir arsenais espirituais, mas para manter uma lâmpada acesa. O inesperado pode chegar enquanto colhemos trigo, giramos uma mó de moinho, arrumamos uma mesa.
Nenhum gesto é pequeno demais, nenhum momento insignificante demais. A vida real não é aquela que adiamos até que tudo esteja perfeito. É aquela que nos acontece enquanto esperamos por outra coisa. Talvez o dilúvio não seja a água que submerge, mas o tempo que passa e flui como água, sem que o vejamos. E o despertar, então, não é o som de uma trombeta, mas uma fissura na rotina.
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