26 Novembro 2025
O presidente da África do Sul resiste ao boicote e à pressão dos EUA, conduzindo a cúpula de Joanesburgo a uma declaração conjunta que inclui conceitos considerados um anátema por Washington.
A reportagem é de Andrea Rizzi, publicada por El País, 25-11-2025.
Diante dos ataques de Trump, alguns líderes estão optando pela conciliação. Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, decidiu enfrentá-lo.
As circunstâncias eram bastante complicadas para o anfitrião do G-20. O presidente dos EUA havia armado uma emboscada diplomática para ele em maio passado, quando, durante uma visita de seu homólogo sul-africano à Casa Branca, usou de retórica manipulada contra o suposto genocídio em curso na África do Sul contra os brancos — uma acusação sem fundamento, visto que houve episódios de violência, mas nada que se aproximasse dos critérios para a definição de genocídio. Trump projetou um vídeo, distribuiu recortes de imprensa e colocou Ramaphosa em uma situação delicada, na qual ele tentou se defender em um momento extremamente difícil. A cena lembrou, em certa medida, o ataque ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky no mesmo Salão Oval.
A partir desse momento, Trump intensificou as tensões a ponto de não apenas evitar a cúpula de Joanesburgo, mas boicotá-la completamente — mantendo as mesmas acusações de genocídio enquanto recebia o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu com honras —, deixando a presidência americana vaga e exigindo que a reunião não culminasse em uma declaração conjunta, argumentando que o G20 é uma organização que opera por consenso e, sem Washington, não poderia emitir um texto comum. Por fim, o governo Trump queria enviar seu encarregado de negócios na África do Sul, Marc D. Dillard, à cerimônia de encerramento da cúpula para assumir o controle, já que os Estados Unidos seriam os próximos presidentes do grupo.
Diante dessas circunstâncias, Ramaphosa e seu governo decidiram não recuar. Com o apoio de outros, pressionaram por uma declaração conjunta, na qual buscaram incluir palavras consideradas um anátema para Trump, como "gênero" e "mudanças climáticas", e desenvolver prioridades diametralmente opostas à visão de mundo trumpista, baseadas nos conceitos de "solidariedade", "igualdade" e "sustentabilidade". Além disso, recusaram-se a realizar a transição presidencial com um encarregado de negócios, argumentando que um chefe de Estado não passa o bastão para um diplomata de segunda categoria. O representante será recebido em breve em uma sala no Ministério das Relações Exteriores.
A Casa Branca, por meio da porta-voz Anna Kelly, rapidamente expressou seu descontentamento, acusando Ramaphosa de "recusar-se a facilitar uma transição tranquila da presidência do G-20". "Isso, juntamente com a insistência da África do Sul em emitir uma declaração conjunta dos líderes, apesar das objeções robustas e consistentes dos EUA, ressalta o fato de que eles instrumentalizaram a presidência do G-20 para corroer os princípios fundadores do fórum", disse Kelly.
Ramaphosa, figura fundamental na transição pacífica da África do Sul do apartheid para uma democracia não discriminatória, sofreu uma derrota política esmagadora nas eleições de 2024. O ANC, seu partido — e o de Mandela — pela primeira vez em três décadas, saiu das urnas incapaz de governar sozinho, com sua participação nos votos despencando de 57% em 2019 para 40%. Esse fraco desempenho aprofundou uma crise que começou com a erosão causada pela corrupção durante o governo de seu antecessor, Jacob Zuma, e foi exacerbada pelos próprios anos iniciais insatisfatórios de Ramaphosa no cargo.
Mas o líder reencontrou suas antigas habilidades de negociação e formou um governo de unidade nacional neste mandato, reunindo uma dúzia de partidos, excluindo os mais extremistas. Não está isento de problemas sérios — Ramaphosa teve que demitir abruptamente o ministro da polícia no verão passado, que estava envolvido em um escândalo de corrupção —, mas alcançou alguns sucessos, como a primeira elevação de sua classificação de crédito em duas décadas.
Ramaphosa é também o líder que tem encabeçado o papel de liderança da África do Sul na busca por justiça internacional pelas ações de Israel em Gaza, apresentando uma queixa por possível genocídio perante o Tribunal Internacional de Justiça.
Os Estados Unidos expressaram sua hostilidade em relação à África do Sul de diversas maneiras, incluindo a imposição de tarifas no limite superior do espectro da administração Trump — 30%. Também ativaram um programa para receber supostos refugiados brancos da África do Sul. Vale lembrar que o país do sul sofre com altos índices de violência, que afetam desproporcionalmente a população negra. Apesar disso, Ramaphosa e seu governo não recuaram na cúpula do G-20.
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