14 Novembro 2025
Análises internacionais apontam que destruição da vegetação natural é retroalimentada pela disparada da temperatura.
A informação é publicada por ((o))eco, 13-11-2025.
O desmate e o agro são grandes vilões climáticos, respondendo, no Brasil, por ¼ das emissões que reforçam o efeito estufa e elevam a temperatura média planetária. O restante se deve à queima de combustíveis fósseis, como gasolina e carvão.
Contudo, dar cabo de árvores e pastagens naturais ou drenar pântanos não só emite poluentes climáticos, como está degradando os mesmos ambientes naturais e sua vida selvagem pelo rebote na disparada da temperatura, das secas e incêndios.
Essa alarmante via de mão dupla prejudica também povos tradicionais como os Kalungas, no estado do Goiás – a maior comunidade quilombola do Brasil. Eles descendem de escravizados que fugiram e lá se estabeleceram, há mais de 300 anos.
Pois, a comunicadora e guia kalunga Alciléia Torres contou que este ano 45% do território incendiou. “Muitas pessoas perderam tudo”. Mas os danos são maiores. “O fogo não queima só o mato, leva nossa cultura, nosso modo de vida”.
Para ela, a crise do clima e o desmate do Cerrado são os motores do drama das mais de 50 comunidades na região, pois desde 2012 a vegetação nativa é manejada – queimada em pontos estratégicos – para reduzir as chances de grandes incêndios.
“Esse ano teve muito fogo de novo. Foi tão forte que passou pelos aceiros [faixas desmatadas para conter o avanço das chamas]”, descreveu Torres.
E tal fenômeno ganhou escala global. Só entre março de 2024 e o último fevereiro, uma área maior que a Índia – mais de 3,7 milhões de km2 – queimou no mundo todo, emitindo 9% mais carbono que a média dos últimos 20 anos.
O balanço está num relatório que a Fundação pela Justiça Ambiental (EJF, sigla em Inglês) levou à COP30 reunindo graves situações e prejuízos gerados por incêndios na Indonésia, Estados Unidos, Grécia, Congo, Reino Unido e Brasil.
“Os incêndios são um dos efeitos mais visíveis e destrutivos do colapso climático”, ressaltou a representante da EJF no Brasil, Luciana Leite. “Estão destruindo vidas, deslocando comunidades e ameaçando ecossistemas num ritmo assustador”.
Ela lembrou que o país é muito afetado por incêndios nos últimos anos, como os devastadores de 2020, no Pantanal. “Esta é uma crise global que exige a atenção de todos os países presentes na COP30”, destacou.
Há cinco anos, o Pantanal teve ⅓ queimado – mais de 4 milhões de ha – devido à seca, altas temperaturas e descontrole do fogo usado em fazendas. As chamas mataram mais de 17 milhões de animais.
A destruição generalizada no bioma, todavia, não parou por aí. Os incêndios persistem e, este ano, já consumiram mais de 100 mil ha – uma área superior à de Singapura ou pouco menor que a do Rio de Janeiro (RJ).
Dobro de florestas queimadas
Com base em estudos científicos, o WRI (sigla em Inglês do Instituto de Recursos Mundiais) – focado em pesquisar soluções para impasses ambientais – relata que, de 2015 a 2024, o dobro de florestas mundiais queimou em comparação com 2001 a 2010.
De acordo com a ong, o fogo já responde por ⅓ da mudança global na cobertura do solo, especialmente em florestas boreais – centradas no Hemisfério Norte – e tropicais úmidas – como a Mata Atlântica. Nas últimas, as emissões associadas a incêndios saltaram 60% desde 2001.
Também há reflexos na Amazônia. Em 2023, os rios Negro e Amazonas chegaram a níveis historicamente baixos, prejudicando a navegação, a vida selvagem e as pessoas. Isso acelera o “ponto de não retorno”, quando parte do bioma pode perder características naturais e enviar menos chuvas ao continente.
“O desmatamento em grande escala pode interromper esse ciclo, agravando as secas em áreas a favor do vento, mesmo a centenas de quilômetros de distância”, detalhou a entidade.
O alerta indica que esse problema deve ser enfrentado freando o desmate, a degradação das terras e as emissões de fósseis para realmente proteger florestas, savanas e outros ambientes naturais, bem como as pessoas que os defendem.
“Cada fração de grau importa”, avaliou Steve Trent, diretor-executivo da EJF. “Sem uma ação climática urgente e centrada na justiça ambiental, essa crise só se aprofundará”.
A realidade nos interiores do Brasil, porém, parece ser outra. “Ainda não recebemos nenhum apoio para recuperar as perdas materiais e ambientais que sofremos”, contou Torres. “Não temos seguro como o agronegócio”.
Mesmo assim, as comunidades arregaçarão as mangas para curar parte das feridas que o fogo deixou. “Faremos mutirões para restaurar a vegetação em nascentes e córregos onde a água ficou preta pelas cinzas dos incêndios”, adiantou Alciléia.
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