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Quanto maior a desigualdade, mais polícia e prisões são geradas. Entrevista com Ruth Gilmore

Foto: Milad Fakurian/Unplash

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04 Novembro 2025

O complexo militar e policial estão cada vez maiores e mais poderosos, mas isso não tem refletido em mais segurança às pessoas. Para entender esse fenômeno do capitalismo moderno, conversamos com a geografa marxista Ruth Gilmore, autora do livro "Geografia da abolição".

Eram duas da tarde para Ruth Gilmore, possivelmente a geógrafa mais influente no campo do marxismo e do pensamento social atual. Ativista negra de 75 anos de idade, a pensadora estava de passagem por Portugal, onde não apenas lançava seu livro A Geografia da Abolição — publicado pela Boitempo aqui no Brasil —, como participava também de iniciativas militantes. A manhã regada a frutas, pão com manteiga e um pouco de queijo, foi afetada também pela melancolia da notícia do falecimento de Judy Greene, pesquisadora de prisões e formas de detenção num todo; embora não fosse amiga íntima, era companheira de pesquisa e luta, explicou Ruth.

“É triste. Quero dizer, isso me lembra que todos nós morremos e que estou mais perto do fim da minha vida do que espero que qualquer um de vocês esteja.” O tom fúnebre se contrabalanceava com o otimismo da vontade: a militância globalmente convergente e organizada seguia dando energia para Ruth. A seguir a entrevista foi feita por um colaborador da Jacobina na tarde que sucedeu a notícia mórbida.

A entrevista é de Matheus Moura, publicada por Jacobin, 30-10-2025. 

Eis a entrevista.

Você fala e escreve sobre as deportações e o sistema carcerário, algo que sempre me chamou a atenção. Uma das maiores dificuldades desse argumento é o de convencer as pessoas de que as soluções e as substituições para outro sistema são complexas e definidas no coletivo.

As pessoas falam sobre o crime como se fosse um fenômeno natural que não é uma função ou um produto do estresse e da luta social. E então imaginam que o que estamos falando é sobre ignorar esse fenômeno, eliminando as instituições e relações atuais que se desenvolveram para gerenciar esse fenômeno. E nós estamos falando de algo completamente diferente.

O que estamos falando é que há danos. E quando pensamos em dano em vez de crime, estamos pensando em domínios inteiros de relações sociais, todos eles passíveis de mudança, com poucas exceções. E são relações que não são alteradas após a abolição, mas como o caminho da abolição.

Vamos pegar um exemplo típico: moradia.

Moradia é um abrigo, seja urbano, rural ou intermediário, é algo de que todos precisam. E se as pessoas não precisassem lutar por moradia, ou seja, por um abrigo adequado com as comodidades que tornam a vida habitável e agradável, como água corrente, eletricidade, algum tipo de aquecimento para cozinhar, abrigo contra o mau tempo, tudo isso faria parte do caminho da abolição. Da mesma forma, ter alimentos adequados e nutritivos faz parte do caminho para a abolição.

Da mesma forma, certificar-se de que as estruturas sociais dentro das famílias não se baseiam na presunção de que certas pessoas da família podem, por meio da violência ou de outros meios coercitivos, aplicar sua vontade aos membros da família. Certo? Que tudo isso está relacionado ao problema da polícia, o problema dos pequenos soberanos que saem por aí matando pessoas, porque sob os resquícios das ordens sociais patriarcais, isso é completamente aceitável. Certo? Portanto, essas são algumas das coisas que falamos sobre mudanças.

E as pessoas têm feito o trabalho de fazer essa mudança de muitas maneiras, em muitas sociedades. Não é utópico, é prático. Portanto, no Brasil, podemos falar sobre o MST ou sobre qualquer número de quilombos.

Podemos falar sobre os organizadores das favelas, onde vocês moram no Rio e em outros lugares. Podemos falar sobre as enormes organizações sindicalizadas de enfermeiros, por exemplo, que têm conexões e entendimentos globais. E os sindicatos não são revolucionários por si só, mas podem ser escolas de revolução e aprendizado.

Outra coisa que acho que as pessoas esquecem é que muitas das coisas que consideramos crime são apenas construções sociais. Por exemplo, o crime não é, por si só, algo da natureza que você pode pegar e ver. Nós construímos a ideia de crime.

Porque quando as pessoas estão unidas pela cultura, às vezes elas também se unem pela política. Isso é algo que você pode ver na história. Portanto, a ideia de que o crime é verdadeiro também deve ser questionada.

Isso é absolutamente verdadeiro. Mais uma vez, vou me repetir aqui. O crime é, você sabe, uma categoria política. É uma categoria jurídica. Não é uma categoria natural. E mesmo quando concordamos, digamos que concordamos que matar alguém é errado.

Mesmo isso nem sempre é um crime. E sim, os soldados devem matar pessoas, certo?

Temos essa moralização da violência que, às vezes, é inútil para o pensamento radical, porque a violência também é política. Podemos usar, a violência é um instrumento que podemos usar para fazer política. Muitos dos primeiros pensadores marxistas falaram sobre isso e se afastaram por causa de uma espécie de crença nessa democracia liberal.

Sim, é verdade que muitas pessoas cuja orientação política se aprofundou com o estudo e a experiência foram como que tomadas por um certo tipo de princípios liberais, muitas vezes não declarados. Princípios liberais capitais que enfraquecem a intenção revolucionária ou política das pessoas que pensam que o liberalismo e, particularmente, sabe, certos aspectos do liberalismo, como a tolerância, digamos, é o caminho para a emancipação. Outras pessoas, entretanto, que também dizem que pegar em arma não é necessariamente o caminho, não estão fazendo isso porque se convenceram do liberalismo. Elas estão cientes das assimetrias da luta armada e estão tentando descobrir se o fato de haver mais de nós do que deles pode resultar em algo que se pareça com uma mudança fundamental na ordem social.

“Hoje o complexo militar e o complexo policial são tão grandes e tão densos nos estados que é difícil tentar imaginar uma revolução como foi no passado.”

Portanto, isso não significa necessariamente dar as costas à violência, mas sim ter uma consciência severa de como a violência funciona. Concordo com você. Acho que temos que falar mais sobre isso e nos preocupar porque hoje o complexo militar e o complexo policial são tão grandes e tão densos nos estados que é difícil tentar imaginar uma revolução como foi no passado.

Mas estou falando da modernização em si, como parte da esquerda que vê a violência como imoral, mesmo em revoltas contra a polícia e até contra objetos, como quebrar uma janela de banco e etc.

Não me importo com eles. Nosso trabalho não é reclamar das pessoas com as quais não concordamos. Nosso trabalho é dar as boas-vindas às pessoas com as quais concordamos, muitas das quais não se identificam como de esquerda ou não, muitas das quais dizem que são comunistas e etc. Mas acho que reclamar não nos leva a lugar algum – e, acredite, eu adoro reclamar.

Sento-me aqui à noite e Craig e eu, meu parceiro, reclamamos, reclamamos, reclamamos. Portanto, não me entenda mal.

Reclamar é bom. Ela nos alivia de um certo tipo de pressão e faz com que nos sintamos mais afiados. Mas, na maioria das vezes, o que eu e as pessoas com quem trabalho tentamos fazer é reconhecer as pessoas que estão tentando resolver os problemas que afetam sua existência, entender com elas e, às vezes, por meio de debate com elas, como pode ser o horizonte dessa solução e até que ponto esse horizonte é abolicionista, para, por exemplo, jogar alguma energia nessa direção.

Por exemplo, trabalhar com eles ou apoiá-los ou não. E não importa para mim, e isso é algo que eu já disse, mas quero dizer novamente. Para mim, não importa se alguém diz: “Sou abolicionista”, se o que está fazendo é abolição.

“O que me importa são as ações e os resultados. Então, de certa forma, sou um pouco maoista.”

Não me importo com o nome. O que me importa são as ações e os resultados. Então, de certa forma, sou um pouco maoista.

De certa forma, sou um pouco como todos esses revolucionários que foram estrategicamente bem-sucedidos, como Lênin.

Reclamar é a base do ativismo. Sabe como é? E Lênin é meu principal exemplo aqui: o que as pessoas realmente fazem? Como podemos entender isso? E como podemos entender isso de tal forma que esse entendimento se torne, para usar a palavra que você usou algumas vezes antes, algo que se torne coletivamente poderoso?

Portanto, não é uma questão de eu ser carismático e as pessoas dizerem: “Ah, agora estamos vendo a luz”, mas sim de as pessoas, no que estão fazendo, se tornarem mais fortes, mais poderosas, movendo-se em uma determinada direção. E é isso que estou sempre aprendendo por onde quer que eu vá, como aqui em Lisboa com meus companheiros que estão lutando por moradia contra a violência policial, por transporte, por assistência médica, por estabilidade para famílias de imigrantes e seus filhos. Certo? Todas essas coisas.

Pessoas da classe trabalhadora, que talvez não sejam imigrantes, estão lutando pela mesma coisa. Pessoas que querem poder se locomover e pessoas que querem poder ficar no mesmo lugar. De qualquer forma, há um trabalho de abolição acontecendo.

Nossos companheiros em Gaza não querem se mudar. Certo? Nossos companheiros que se sentem exilados de Gaza gostariam de ir para lá. Outros companheiros, os companheiros palestinos, não querem voltar para a Palestina. Eles só querem saber que têm o direito de ir. Mas não necessariamente de estar lá.

E isso, para mim, é uma necessidade geral dos seres humanos que também estimula o pensamento e a prática abolicionista.

Como se a verdadeira liberdade fosse o objetivo final.

Sim. Emancipação. Essa é a minha palavra atualmente.

Sei que o subtítulo do livro Geografia da abolição é “ensaios para a libertação”. Mas, bem, e, você sabe como é escrever. Você escreve, escreve, escreve. E então, quando termina e é publicado, você se dá conta de que, oh, tenho uma maneira melhor de dizer isso.

Para mim, atualmente, abolição é emancipação no ensaio. Ou seja, o que quer que estejamos fazendo, devemos melhorar o dia de hoje para melhorar o dia de amanhã, que é o que o ensaio é para mim.

Não estamos seguindo um plano porque não existe nenhum plano. Em vez disso, estamos tentando entender e interferir na realidade social de acordo com uma série de modelos diferentes, que parecem funcionar muito bem. Então dei exemplos bem diferentes do Brasil.

Há o MST, que tem toda uma estrutura e todo um sistema organizacional, o que é bastante surpreendente e tem sido muito bem-sucedido. E há todos os nossos camaradas que vivem em quilombos, que são muito diferentes, mas também são bem-sucedidos. Então, um é melhor do que o outro? Claro que não.

Em ambos os casos, eles estão realizando a emancipação por meio de seus próprios ensaios permanentes. E isso é empolgante para mim.

E eu poderia falar sobre a África do Sul. Poderia falar sobre o que as pessoas estão fazendo nos Estados Unidos e outros lugares. Uma coisa que me soa bem, porque sempre vemos esses exemplos de lugares e coletivos que têm esse objetivo maior de emancipação para todas as pessoas.

Mas, ao mesmo tempo, o aparato de repressão só se torna cada vez maior. Podemos falar, por exemplo, aqui no Brasil, da polícia militar e da polícia civil. Eles são basicamente irmãos na repressão e no homicídio.

Você provavelmente leu as notícias sobre quando a polícia matou 28 pessoas em uma operação, como eles gostam de chamar. É devastador. As mães, como a maioria do mundo, as mulheres, pegam essa dor e a transformam em luta e resistência.

Como lidamos com isso?

Bem, é verdade. Você conhece a famosa frase de Antonio Gramsci, que falava sobre o pessimismo do intelecto e o otimismo da vontade? E lembre-se, ele morreu na prisão. Mas, você sabe, as mães são um exemplo perfeito. Então, como você sabe, trabalhei muitos anos com uma organização de mães nos Estados Unidos.

Quando estive no Brasil nas duas vezes, em outubro do ano passado e novamente em junho deste ano, encontrei-me com organizações que foram criadas por mães. Quero dizer, quando falamos de pessoas que se organizam para fazer algo a respeito de um problema que afeta sua existência, as mães não são o único caso, mas são um caso óbvio, certo?

E, na Bahia, passamos uma noite incrível com uma organização formada principalmente por mulheres, a maioria delas mães de pessoas que foram presas ou mortas pela polícia.

No mundo todo não são apenas as mães que fazem parte dessa luta. O que acontece podemos refletir no seguinte exemplo: “Tenho que ir por ali, mas acho que não é possível”. Aí outra pessoa mostra apenas um fragmento de luz e ela diz “oh, há uma rachadura nessa parede”.

E se todos nós empurrarmos essa parede com muita força, ela cairá. E todo mundo começa a empurrar. E é, e voltando ao que você levantou, as forças de opressão, é claro, aparecerão.

Como assim, estão todos empurrando contra o muro? Nós colocamos um muro aqui com um propósito. Vamos manter esse muro aqui e vamos quebrar a cabeça de vocês por tentarem derrubá-lo. Aí as pessoas perdem o medo.

Perdemos o medo quando parece haver algo maior do que nós mesmos pelo qual estamos lutando. Certo? E podemos dizer que, intimamente, uma mãe se sente assim em relação a seu filho, ou podemos dizer que um camarada se sente assim em relação a alguém com quem trabalhou lado a lado, e assim por diante. Mas as pessoas também se sentem assim em relação a estranhos, ou seja, pessoas que não conhecem, mas que estão tentando empurrar o muro ao mesmo tempo.

Sentiremos tanta solidariedade e camaradagem quanto as pessoas que se conhecem, ou as pessoas que estão organizadas em grupos militantes, ou organizadas em sindicatos, ou organizadas em igrejas. Podemos ouvir e ver muitos exemplos de pessoas que perderam o medo, embora o perigo da repressão violenta não tenha desaparecido.

E, de fato, para dizer a verdade, acho que, atualmente, o fio condutor que conecta todo tipo de luta pelo bem-estar e pela dignidade humana é o fio condutor das pessoas que se opõem ao nosso próprio abandono organizado e que são continuamente apoiadas pelas forças da violência organizada. E quando as pessoas começam a conversar umas com as outras, talvez não usem esses termos, abandono organizado, violência organizada, certo? Mas isso não importa. Elas dirão, sim, os policiais vieram atrás de nós.

Estamos sofrendo aqui porque a cidade, a capital e etc. concordaram que não temos importância. Isso é abandono organizado. Não importa que as pessoas o chamem assim. O que importa é o que as pessoas fazem a respeito.

Eu gostaria de ouvir sua opinião sobre o que acho que está acontecendo na globalização da solidariedade ao povo palestino. Parece que pessoas de todo o mundo estão começando a se conectar umas com as outras por causa desse genocídio que vem ocorrendo há décadas, desde a criação de Israel. E algumas pessoas acham que é desde 2023. Mas o mais importante é que a solidariedade parece estar ficando cada vez mais forte.

Acho que você tem razão quando diz que há uma solidariedade crescente com a Palestina, especialmente com Gaza. Deveria ser com toda a Palestina, mas as pessoas reagem ao que veem nas redes ou nas notícias.

No ano passado, em 2024, eu estava na África do Sul, não pela primeira vez, mas pela primeira vez eu estava fazendo uma escola política com camaradas de lá que fazem parte de uma ala específica do movimento Shack Dwellers. Essa ala específica se chama Abahlali.

Abahlali, como se sabe, vem crescendo e existe há mais de 20 anos; eles têm cerca de 150.000 membros atualmente. Portanto, não é tão grande quanto o MST, mas é bastante abrangente. E, assim como o MST, é organizado com base em assentamentos, todos os quais ocorreram porque as pessoas corajosamente ocuparam terras e construíram suas casas. Na África do Sul, como em todo o sul global, há uma falta de moradia adequada, especialmente para os trabalhadores em suas famílias.

“É como se em todo lugar do mundo, onde a desigualdade é mais profunda, a polícia e a prisão fossem as mais predominantes.”

Portanto, o que aconteceu é que lá, como no Brasil e em outros lugares, as pessoas vão ocupar terras e construir casas. A única maneira de fazer isso, com alguma esperança de conseguir manter esse abrigo e viver lá, é construir uma casa imediatamente, ou seja, da noite pro dia. Além disso, precisa construir uma casa com outras pessoas construindo suas casas ao lado da sua e depois defendê-la. Certo? E como essa tem sido uma luta persistente na África do Sul, há todos os tipos de policiais cujo trabalho é derrubar terras ocupadas, tomá-las de volta. Lá tem uma toneladas de tipos policiais: policiais de despejo, há policiais públicos, policiais privados, policiais federais, policiais provinciais, há tantas polícias.

É como se em todo lugar do mundo, onde a desigualdade é mais profunda, a polícia e a prisão fossem as mais predominantes. Assim, os Estados Unidos, país rico, o Brasil, país de renda média, a África do Sul, país de renda média, há polícia e prisão em toda parte. Portanto, a Abahlali não faz ocupação.

Eles não são como o MST nesse aspecto. O que acontece é que, uma vez que as pessoas tenham feito uma ocupação bem-sucedida, construído suas casas sem que elas sejam demolidas, e às vezes isso significa que elas constroem suas casas e elas são demolidas, elas as constroem novamente naquela noite novamente e isso continua até que a polícia se canse. Então, as pessoas que tentam descobrir como manter o que conquistaram por meio da luta recorrem à Abahlali, porque a Abahlali oferece educação política, faz muitas coisas e dá apoio, ajuda as pessoas a ter acesso a muitos especialistas, inclusive advogados, porque às vezes a lei pode ser uma ferramenta de defesa.

De qualquer forma, e a Abahlali, ao contrário de muitas outras organizações do movimento de moradia, tem uma regra que é inviolável, e a regra é que você nunca pode vender ou alugar a casa que tem.

Você a retirou do mercado, ponto final, para sempre. Portanto, é um movimento completamente anticapitalista.

Não é apenas um movimento e não é ótimo que as pessoas possam construir suas próprias casas? Movimento contra a propriedade. Sim, é antipropriedade. Então, todo esse contexto é para dizer que eu estava fazendo uma política da Abahlali em Durban e em Johanesburgo, e em uma das escolas, não me lembro qual, as escolas duravam dois dias.

As pessoas vinham dos assentamentos, de todas as idades, e ficavam o dia todo durante dois dias, das 10 da manhã às 6 da noite. O tema que eu havia proposto à Abahlali e que eles haviam apresentado à assembleia geral, e que havia sido aceito, era a abolição e o uso da terra. Esse era o tópico, e eles disseram: “Venha até aqui, queremos conversar sobre isso.”

Na África do Sul, eu usava um idioma que todo mundo podia usar, que era o inglês. Os outros idiomas, Lesoto, Zulu e etc., têm variações. Portanto, estávamos falando em três, talvez quatro idiomas.

As aulas, como você pode imaginar, estavam indo muito devagar, mas de maneira deliberada. Esse era o plano. Eu falaria um pouco, depois os intérpretes falariam e, em seguida, haveria uma discussão geral para garantir que todos no grupo estivessem acompanhando o que estava acontecendo.

Assim, na manhã do segundo dia de uma das escolas em Durban ou em Johanesburgo, comecei o dia dizendo: alguma pergunta sobre ontem? E uma das participantes da escola, uma mulher adulta e uma das líderes de seu assentamento, que é recém-chegado à organização, disse: “Sim, professora Ruth, tenho uma pergunta. Eu estava tentando contar aos meus filhos em casa ontem à noite sobre o que havíamos discutido e não conseguia explicar a eles por que somos solidários com a Palestina. Sei que somos. Não questiono isso, mas não consegui dizer a eles por quê. Então, você pode me ajudar para que eu possa ir para casa hoje à noite e explicar o motivo?” E eu disse: sim, claro.

E o que fizemos foi ter uma conversa inteira, novamente em quatro idiomas, sobre a luta para ter um lugar para morar e como a polícia e os militares interrompem essa luta e, em seguida, conectar isso, no caso sul-africano, ao colonialismo e ao capitalismo atual. E dizer que é por isso que nossos camaradas na Palestina estão lutando: a luta para desfazer o colonialismo e poder viver uma vida na casa onde estão. E foi um momento realmente fantástico, em que todos na escola, que seriam 60 pessoas, estavam entendendo.

A discussão tinha a ver com o fato de os padrões de deslocamento e violência trabalharem juntos e poderem ter tantos nomes diferentes, mas os processos terem o mesmo resultado, que é o fato de as pessoas com menos poder não poderem ter vidas estáveis e dignas. E essa é uma das palavras que todos usaram: dignidade.

Todo mundo pode entender a dor de não ter moradia, porque se você já teve moradia, você pode entender a dor, mas se você já teve, você pode entender o medo de não ter mais, de alguém tirar sua casa de você, tirar seu abrigo.

Quero dizer, tenho uma frase que venho usando há alguns anos, que é a infraestrutura do sentimento.

Você deve se lembrar que um dos escritos da primeira geração de Hampton e dos Panteras Negras falava sobre a dificuldade ou talvez a impossibilidade de iniciar uma revolução nos EUA porque não é um país, mas um império. E o império é mais complexo porque não é possível fazer algo apenas no território porque as fronteiras do império são mais amplas e cada vez mais complexas de entender. Mas, e essa pode ser uma pergunta ingênua, então me desculpe, mas você acha que talvez estejamos vendo o início da decadência do império dos EUA?

Essa não é uma visão que seja exclusiva minha ou exclusiva de nós dois ou três. Sim, com certeza. Em vários aspectos. Primeiro, não sejamos ingênuos quanto ao fato de que o império americano ainda é a coisa mais rica do planeta. Nesse caso, a riqueza que mais importa é sua incrível variedade de material e poder militar, especialmente aéreo.

Portanto, acho que a China pode ter um exército permanente maior, mas os EUA têm todo o poder aéreo. Então, tudo isso é verdade. Mas o que está acontecendo é que há uma grande luta novamente, o que foi praticamente normal durante toda a história dos Estados Unidos, que não é tão longa. Uma luta sobre quais serão as outras e próximas grandes potências, entre aspas. Assim, a China é o concorrente mais óbvio à hegemonia imperial, mas, incluindo a China, os BRICS estão exercendo uma pressão bastante significativa sobre a capacidade imperial dos EUA de extrair valor de todos os lugares do mundo, seja na forma de recursos brutos, recursos acabados, salários ou dívidas. Todas essas formas de funcionamento do imperialismo.

Portanto, todos os impérios morrem e até mesmo um, todos eles, cada um deles. Eles ficam grandes demais e não conseguem fazer todas as coisas que costumavam fazer e acabam desmoronando sob seu próprio peso, mas com muita ajuda de outras pessoas que estão trabalhando nisso. Portanto, acho que uma das coisas que está acontecendo agora com o atual presidente dos Estados Unidos é que tudo isso, as tarifas, as deportações, que é realmente grande e espetacular, também está desestabilizando a capacidade de forças rivais, imperiais ou mesmo regionais, de se unirem de forma significativa.

Por isso acho que, portanto, o que está acontecendo agora é um sinal de exagero imperial e declínio imperial, em vez de uma reafirmação do império dos EUA como inexpugnável, inviolável e assim por diante. É isso que eu acho.

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