22 Outubro 2025
No passado, a doutrina social católica baseava-se em documentos papais e apelos à lei natural. Passagens bíblicas eram adicionadas como tempero a uma refeição bem preparada, mas as Escrituras nunca estiveram no centro do argumento.
A reportagem é de Thomas Reese, publicada por National Catholic Reporter, 21-10-2025.
Enquanto os protestantes abraçavam a "sola scriptura" (somente a Escritura), os católicos se orgulhavam de seus ensinamentos baseados tanto na fé quanto na razão. Os ensinamentos da Igreja eram fortemente dependentes da filosofia aristotélica, conforme interpretada por filósofos e teólogos escolásticos. As Escrituras serviam como "textos de prova" para conclusões precipitadas.
Esperava-se que os católicos aceitassem esse ensinamento com base na autoridade papal. Esperava-se que os outros se convencessem da clareza do argumento.
A vantagem de apelar à razão, e não à fé, era permitir que a Igreja dialogasse com pensadores seculares. A desvantagem era que era árido e pouco inspirador. Também dificultava a apreciação da doutrina social católica pelos protestantes.
Dilexi Te ("Eu te amei"), a nova exortação apostólica emitida em 4 de outubro pelo Papa Leão XIV, é diferente. Trata-se de um documento dirigido aos cristãos e baseado nas Escrituras.
Leão herdou o que se tornaria sua primeira exortação apostólica do Papa Francisco, cujas visões ele abraçou enquanto a revisava para refletir seus pensamentos. Mas ambos os pontífices sentiam que aqueles que não viam o cuidado com os pobres como "o coração ardente da missão da Igreja... precisam voltar e reler o Evangelho".
Os dois primeiros capítulos de Dilexi Te oferecem passagens bíblicas maravilhosas para pregação e reflexão sobre o relacionamento adequado entre cristãos e pobres. E, como todos os cristãos compartilham as mesmas Escrituras, os capítulos também fornecem material rico para o diálogo ecumênico entre cristãos sobre como devemos pensar e agir em relação aos pobres. É somente no Capítulo 4 que o documento se aprofunda na doutrina social católica.
Os capítulos 1 e 2 ensinam que "O amor ao Senhor, portanto, é um com o amor aos pobres", ou como diz o Evangelho de Mateus: "Sempre que o fizestes a um destes meus menores irmãos, a mim o fizestes". O capítulo 3 analisa os ensinamentos dos pais da igreja e o papel das comunidades religiosas no cuidado com os pobres.
O Capítulo 2 é uma cornucópia de citações bíblicas, revisando o ensinamento bíblico sobre a preocupação de Deus com os pobres e nossa obrigação de amá-los e cuidar deles. O argumento fundamentalmente bíblico do documento é que "o contato com aqueles que são humildes e impotentes é uma forma fundamental de encontrar o Senhor da história". Os Evangelhos deixam claro que, por meio da encarnação, argumenta Leão XIV, Deus escolheu "compartilhar as limitações e a fragilidade de nossa natureza humana; ele mesmo se fez pobre e nasceu na carne como nós".
Mais adiante no capítulo, Leão diz: "Querendo inaugurar um reino de justiça, fraternidade e solidariedade, Deus tem um lugar especial em seu coração para aqueles que são discriminados e oprimidos, e ele nos pede, sua Igreja, que façamos uma escolha decisiva e radical em favor dos mais fracos."
"O Evangelho nos mostra que a pobreza marcou todos os aspectos da vida de Jesus", diz a exortação apostólica, desde o seu nascimento em Belém até a sua morte na cruz. Jesus "apresentou-se ao mundo não apenas como um Messias pobre, mas também como o Messias dos e para os pobres".
Cristo está presente nos pobres, e sua mensagem era de libertação para os pobres, diz Leão. Nas primeiras palavras de Jesus, no início de seu ministério público, ele ecoou o profeta hebreu Isaías, como diz o Evangelho de Lucas: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para levar boas novas aos pobres". Seus milagres, diz a exortação de Leão, "são manifestações do amor e da compaixão com que Deus olha para os doentes, os pobres e os pecadores que, por causa de sua condição, foram marginalizados pela sociedade e até mesmo pelas pessoas de fé".
A mensagem que o papa quer transmitir é que "Deus está perto, Deus ama vocês". Ele cita as Bem-aventuranças: "Bem-aventurados vocês, pobres, porque seu é o Reino de Deus". Como resultado, a Igreja de Cristo "deve ser uma Igreja das Bem-aventuranças, que dá espaço aos pequenos e caminha pobre com os pobres, um lugar onde os pobres têm um lugar privilegiado", escreve Leão.
Para desafiar aqueles que veem os pobres como pecadores ou merecedores do que recebem, Jesus conta a parábola do homem rico, que fica atônito ao ver Lázaro, o mendigo à sua porta, no céu, enquanto o rico é rejeitado. Deus diz ao homem rico: "Filho, lembra-te de que durante a tua vida recebeste os teus bens, e Lázaro, igualmente, males; mas agora ele está aqui consolado, e tu em agonia."
É claro que Leão e Francisco acreditam que "nossa fé em Cristo, que se fez pobre e sempre esteve próximo dos pobres e marginalizados, é a base de nossa preocupação com o desenvolvimento integral dos membros mais negligenciados da sociedade".
Leão se pergunta: "embora o ensinamento da Sagrada Escritura seja tão claro sobre os pobres, por que muitas pessoas continuam pensando que podem ignorar os pobres com segurança?"
O capítulo 2 cita o segundo mandamento de Cristo: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo", bem como a primeira carta de São João: "Aquele que não ama seu irmão ou irmã a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê".
Citando Francisco, Leão adverte contra a diluição desses textos por meio de interpretações excessivamente espirituais. A mensagem da Palavra de Deus é "tão clara e direta, tão simples e eloquente, que nenhuma interpretação eclesial tem o direito de relativizá-la. A reflexão da Igreja sobre esses textos não deve obscurecer ou enfraquecer sua força, mas nos impelir a acolher suas exortações com coragem e zelo".
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