Deus, metralhadoras e colônias: Ben Gvir afasta as esperanças de trégua. Artigo de Domenico Quirico

Itamar Ben Gvir ( Foto: אלון נוריאל | Wikimedia Commons )

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06 Outubro 2025

"Ben Gvir está tentando sufocar o plano de trégua, "a traição", que resultou da cúpula entre Trump e Netanyahu. Talvez consiga. Com a ajuda do Hamas. É preciso sempre desconfiar de quem tem certeza de ter Deus e uma metralhadora do seu lado", escreve Domenico Quirico, jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa, 04-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo. 

As fronteiras humanas desvanecem quando tocam o fanatismo. Para além da biografia. O homem, ali, escapa à sua biografia. Quando você tenta pesá-lo, fixar seu peso pelas chamadas "características pessoais", você afunda até a cintura. Sua personalidade é um buraco coberto apenas por uma fina camada de traços psicológicos, temperamentos, hábitos, maneiras violentas de agir e falar. Assim que você tenta decifrá-lo, dar um passo mais perto, você cai na armadilha de seu excesso simplificador. Itamar Ben Gvir, por exemplo, o Ministro da Segurança israelense Ben Gvir. Gordo, vulgar, com a kipá torta, escorregando da cabeça, veias salientes, furioso como se estivesse sempre à beira de um bate-boca, de uma briga de rua, violento, homofóbico, antidemocrático, desdenhoso de qualquer lei que não seja a do seu deus e do seu povo, racista, sim, racista.

É curioso, mas encontrei muitas pessoas que se parecem com ele nas fileiras dos jihadistas; são os tipos que povoam a raça de degoladores do Hamas. E não é por acaso que querem erradicar-se uns aos outros, farejam o cheiro da cópia no outro. Ontem, exibiu seu vulgar repertório de insultos e ameaças com os detidos nos barcos humanitários. Fez questão de ser filmado a bordo de uma das embarcações apreendidas, com um andar cambaleante, explorando a confusão dos recantos em busca de "provas do crime".

O ódio o galvaniza, acampado como está às margens de uma proto-história definitiva: esta terra é minha, foi Deus que me deu... Há algumas semanas, liderou uma marcha de mil colonos até a esplanada das mesquitas, indo ostensivamente rezar em frente à mesquita, violando a proibição (mas ainda existem regras naquela parte do mundo onde sabemos que já aconteceu de tudo?): a costumeira maneira animalesca de tomar posse do território, uma declaração de ‘tudo isso é nosso’... Para reiterar a ciência descarada da anexação sem perder tempo. O Hamas imediatamente tomou isso como motivo para a confirmação satisfeita de sua propaganda, de que com os judeus a única negociação é a do ódio e da vingança. Não dá vontade de repetir exaustivamente o velho ditado iídiche: "Até se poderia viver, mas eles não deixam ficar vivos"?

Em setembro de 2000, Ariel Sharon também marchou sobre o lugar sagrado dos muçulmanos, no monte do templo judaico, acompanhado por mil policiais. Uma provocação explícita.

Vinte e quatro horas depois, irrompeu uma batalha entre soldados e palestinos em tumulto, exigindo vingança em frente ao Domo da Rocha. Houve mortos e feridos. Sharon não explicou por que havia escolhido justamente aquele momento para a peregrinação. No entanto, era fácil juntar as peças.

Os Acordos de Oslo precisavam receber o golpe final, só isso. Não era difícil; bastava um empurrãozinho. "O honesto mediador estadunidense", no caso Clinton, só havia recebido um monte de "não". Arafat, diante de uma oferta de soberania virtual para manter de pé uma falsa paz, pela primeira vez preferiu o fracasso à humilhação. Quando retornou a Gaza, de fato, ele e seu séquito de cortesãos corruptos, ineptos e antidemocráticos foram recebidos como heróis: o Velho tornou-se "o novo Saladino" que havia enfrentado os Estados Unidos e Israel. Eram fanfarronices. Saladino jamais teria entrado em Jerusalém, e Sharon havia agido como um político astuto, ao desferir o golpe final na esplanada.

Ben Gvir está tentando sufocar o plano de trégua, "a traição", que resultou da cúpula entre Trump e Netanyahu. Talvez consiga. Com a ajuda do Hamas. É preciso sempre desconfiar de quem tem certeza de ter Deus e uma metralhadora do seu lado. Sharon era muito diferente de Ben Gvir. Porque ele pertencia a uma fase diferente da história de Israel: mesmo que já podiam ser entrevistos os mortíferos retrocessos que levariam ao presente. Quando um político israelense sobe ao Monte do Templo, pode-se ter certeza de que ele está enviando uma mensagem de guerra total.

A "profanação" do local mais sagrado dos muçulmanos é um padrão de medida, um léxico, uma gramática das ideias da direita ideológica israelense. Ilustra com um único ato sua arcaica arrogância, sua retórica imperialista, seu supremacismo metálico e ameaçador. Que é o infelizmente mortal bricabraque de todo fanatismo étnico-religioso, seu habitual "fall out" dos descartes. Então, Ben Gvir. Quando algum desventurado, para não ter que lidar com a realidade, repropõe a fórmula "dois povos, dois Estados!", deveria responder à pergunta: onde colocamos o Hamas? E onde colocamos Ben Gvir com seu supremacismo judaico que agora já contaminou também o Likud de Netanyahu? Outra pergunta atroz: como o ‘duce’ desse fascismo judaico se conecta com a democracia israelense?

As características de Ben Gvir merecem ser descritas com meticuloso detalhamento. São o fantasma especular do Israel que pensávamos consolidado pela lição de um crime monstruoso sofrido. Cresceu na ideologia, nos anos 1990, do Kach', o partido do rabino Meir Kahane, banido como grupo terrorista em 1987. Hoje, quem sabe... Gvir conserva em sua mesa o retrato de Baruk Goldstein, o extremista que em 1994 matou trinta palestinos no Túmulo dos Patriarcas: um herói.

Gvir não se estringiu a ser um valentão de rua que caçava casais mistos, tornou-se advogado, defende "os jovens das colinas", os colonos violentos, e há tempo garantiu presença cativa em todos os canais de televisão. Parece claro, então: um expoente do sionismo religioso, do messianismo extremista de Gush Emunim e de sua corrosividade contagiosa, adaptado aos novos tempos. Só isso? Talvez estejam certos aqueles que dizem que seu objetivo não é a reconstrução da grande Sião ou as colônias, mas a guerra das raças. No máximo, admite que os palestinos não sejam eliminados, mas simplesmente expulsos.

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