Na nobre causa da Flotilha, o aspecto humanitário não pode ser separado do político

Foto: Esra Hocugla | Anadolu Ajansi

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02 Outubro 2025

"Pergunto-me se o fato de alguns rotularem a iniciativa da Flotilha de extremista e irresponsável não seria também um sinal nada tranquilizador de um tempo em que nunca haveria razões adequadas para propiciar um testemunho intransigente, mesmo à custa de sacrifício pessoal". 

O artigo é de Franco Monaco, ex-senador italiano, jornalista e publicitário, publicado por Domani, 29-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo. 

Apesar da apreensão, é justo expressar gratidão por aqueles que corajosamente assumiram o risco. O objetivo da missão são as ajudas aos massacrados, extenuados e famintos moradores de Gaza. Mas a pré-condição impeditiva é a contestação e o levantamento do bloqueio naval. Como afirma a porta-voz, às autoridades políticas caberia exigir que o governo israelense não se manchasse de comportamentos contrários ao direito internacional. E não podemos nos resignar à inércia. Enquanto escrevo, não sei como a missão da Flotilha evoluirá. Como todos, sinto grande apreensão.

Mas é vivo e forte em mim o sentimento de apreço e gratidão por aqueles que corajosamente assumiram o risco, claramente movidos por um impulso nobre. Como foi claramente destacado por Mattarella — ao contrário de Giorgia Meloni — que quis introduzir seu conhecido apelo com palavras de elogio e estima. Obrigando tardiamente e apenas parcialmente Meloni e, na sequência, Crosetto, a corrigir o curso. Mesmo na esteira de um grande e franco movimento de opinião que não podia ser desafiado além de todos os limites.

Entendo que a Igreja tenha se colocado à disposição. A ação humanitária é condizente com sua missão. Também entendo que Mattarella tenha tomado a iniciativa que conhecemos. Uma comparação é lícita: é como um pai que se preocupa com o destino de seus filhos. Mas um pai que, ao mesmo tempo em que se preocupa com eles e por eles, aprecia suas motivações generosas, a nobre causa pela qual estão dispostos a pagar pessoalmente.

Humanidade e política

Mas também entendo as razões dos ativistas da Flotilha. Nesse sentido, precisamos esclarecer um equívoco, um mal-entendido muitas vezes intencional: a oposição entre a natureza humanitária e política de sua missão. Estas foram imediata e programaticamente vinculadas por seus criadores e promotores. Sim, justamente e apreciavelmente também política. O objetivo é humanitário: as ajudas aos moradores de Gaza massacrados, extenuados e famintos. Mas a pré-condição impeditiva passa pela política. Ou seja, a contestação e o levantamento do bloqueio naval.

Denunciando sua ilegalidade, bem como sua desumanidade, com o objetivo de abrir um corredor para as ajudas permanente – e enfatizo: permanente –, além disso, como um substituto para a inércia ou, no mínimo, a ineficácia dos governos e da UE. Mas haverá alguém de boa-fé que possa dar crédito à ideia de que o sentido/valor da missão era simplesmente levar uma gota no oceano de suprimentos de que Gaza precisa? Aquela gota carregada pelas 40 pequenas embarcações? Quando se sabe que, em condições normais, várias centenas de caminhões seriam necessários todos os dias para atender às necessidades de Gaza.

Como podemos culpar a porta-voz da Flotilha que, mesmo sem se esquivar do diálogo em curso com as instituições italianas e do Vaticano, enfatiza que, no mínimo, caberia às autoridades políticas exigir que o governo israelense não se manchasse há tanto tempo por comportamentos contrários ao direito internacional humanitário? Que eles, os ativistas, sobre os quais as autoridades exercem uma pressão, não se recusam ao confronto, mas que também não podemos impunemente nos resignar à inércia em relação a quem age na mais absoluta ilegalidade (dos drones em águas internacionais ao bloqueio no mar da Palestina). Porque, na verdade, são eles, aqueles da Flotilha, que em todos os aspectos estão do lado da legalidade.

"Política" não é um palavrão

Duas notas à parte. A primeira: nos ordenamentos democráticos avançados, até mesmo a objeção de consciência é contemplada, a possibilidade de infringir a lei por razões éticas e civis fortes. Nesse caso, estamos diante de um paradoxo: os ativistas estão se colocando em risco para afirmar e defender a legalidade contra a mais descarada e crônica ilegalidade. Aqui, consciência e lei estão do mesmo lado.

A segunda: pergunto-me se o fato de alguns rotularem a iniciativa da Flotilha de extremista e irresponsável (além de ditada pelo equívoco comunicativo nada inocente mencionado acima) não seria também um sinal nada tranquilizador de um tempo em que nunca haveria razões adequadas para propiciar um testemunho intransigente, mesmo à custa de sacrifício pessoal; e de um tempo em que resulta difícil qualificar, de acordo com uma acepção alta e nobre, uma ação como política (sim, política).

A porta-voz da Flotilha está certa: política não é um palavrão. Além disso, precisamente ações como essa, tipicamente da sociedade civil transversal, podem redimir a política do descrédito que a rodeia. Também devido à inércia ou à cumplicidade de Estados e políticos profissionais.

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