21 Agosto 2025
Mesmo se o Congresso mantiver os 63 vetos do presidente Lula, o PL da Devastação (2.159/2021) continuará ruim, já mostraram especialistas e organizações da sociedade civil. Entre tantos problemas ainda presentes no texto, um poderá afetar diretamente a vida das populações urbanas: o artigo 17 da lei aprovada pelo Congresso e sancionada por Lula.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 20-08-2025.
De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, o dispositivo estabelece que a licença para um empreendimento não depende da emissão da certidão de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano entregue pelos municípios. Assim, uma indústria pode, por exemplo, obter autorização para se instalar em uma área apenas residencial.
O PL também retira a exigência de autorizações concedidas por órgãos que não façam parte do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Isso inclui, por exemplo, permissões para uso de recursos hídricos, as chamadas outorgas de água. Hoje, esses documentos devem ser anexados ao licenciamento.
“No licenciamento feito pelo Ibama ou por um órgão ambiental estadual, esses documentos não vão precisar mais existir. E isso pode gerar a instalação de empreendimentos em locais que contrariam o planejamento e a legislação municipal”, explicou Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do órgão ambiental federal.
Segundo Araújo, a mudança não isenta a necessidade do empreendedor de buscar as certidões, mas sim de apresentá-las durante o licenciamento. Isso compromete a análise dos riscos ambientais por parte dos entes estaduais ou federais. “Imagine um licenciamento que seja feito pelo Ibama, que não entende nada da legislação de cada um dos 5.570 municípios. Ele vai ter que correr atrás para ver se está tudo bem”, pontuou.
Para a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA), a lei “permite concessões sem observar planos municipais de uso do solo, o que viola o pacto federativo e ameaça a organização territorial das cidades”. A entidade entende esse ponto como inconstitucional, além de outros não vetados por Lula – mais um sinal de quase certa judicialização do PL, mais trabalho para o Supremo Tribunal Federal (STF).
“Sem mudar o artigo 17, a nova lei pode comprometer a integração entre cidade, meio ambiente e gestão das águas”, analisou a arquiteta Ana Paula Koury, integrante do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo. Para ela, o projeto ameaça legitimar empreendimentos irregulares e provocar conflitos jurídicos.
O PL da Devastação pode gerar conflitos territoriais e degradação generalizada, na análise da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (ANAMMA). “No frigir dos ovos, o planejamento urbano e ambiental local, que inclusive pode ser mais restritivo que o nacional, vai ser desmerecido”, observou Andréa Struchel, diretora jurídica da entidade.