20 Agosto 2025
"Tudo o que não promove o amor pelo outro deveria ser descartado, e essa é a renúncia difícil, mas com significado. Não sei se hoje, como sociedade, como Igreja, estamos caminhando por esse caminho", escreve María Noel Firpo, psicóloga, em artigo publicado por Religión Digital, 16-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quero começar esclarecendo que não sou teóloga, mas psicóloga e, acima de tudo, cristã, seguidora de uma pessoa: Jesus. Hoje, ao ler um artigo que alerta para uma triste realidade na igreja indiana — onde um padre comete suicídio a cada seis meses —, leio que são vítimas de um sistema que “espiritualiza o sofrimento em vez de enfrentá-lo”. Acredito que esse problema não seja exclusivo da Índia.
Durante séculos, a espiritualidade cristã manteve a forte convicção de que quanto mais sofremos, mais sacrifícios fazemos e quanto mais nos humilhamos, mais nos aproximamos de Deus. Essa ideia tem a desvantagem de se tornar um terreno fértil para vários tipos de abuso, e acredito que isso aconteceu. O perigo é que a cruz seja interpretada como uma “escola de resistência”, onde a dor é quase um mérito em si. Essa visão pode estar ligada a certos tipos de personalidade, como, por exemplo, uma personalidade narcisista que busca o sacrifício visível como forma de nutrir sua imagem e autoafirmação, ou uma personalidade masoquista que nas renúncias perpetua feridas não cicatrizadas e sentimentos interiores de culpa, etc.
Portanto, essa forma de ver e viver pode ser um refúgio, até mesmo patológico. Creio que é urgente oferecer a cruz, não como símbolo de dor ou renúncias vazias, mas como um programa para uma vida de relação; diria, como o modelo perfeito para as relações entre nós. Vivemos numa sociedade onde os laços são frágeis, líquidos. O empenho profundo é subestimado, e existe uma cultura que nos prioriza, com consequentes modalidades de conexão de forma que, se não nos "fecham", aplicamos a "lei do gelo" ou um "contato zero" ao primeiro conflito ou desconforto que experimentamos nas nossas relações com os outros. Falamos de "pessoas tóxicas" e optamos pelo descarte fácil. Mas a proposta da verdadeira cruz é outra: amar verdadeiramente. Isso significa superar a si mesmo, permanecer em silêncio quando quero responder com dureza; pedir perdão quando o orgulho grita para que eu não o faça; escutar ativamente sem planejar a minha resposta, para superar o outro; permanecer numa ligação incômoda por amor da pessoa, etc. Jesus abraçou a cruz não por amor à dor, mas por amor e fidelidade a nós e a Deus; e com isso ele nos ensinou um profundo empenho relacional: a cruz como sinal de quem ousa amar, permitindo que esse amor transforme suas relações interpessoais e comunitárias. É a expressão de um amor que perdura, apesar de tudo. O amor é um projeto de vida exigente; atravessa dificuldades, atua pela reconciliação e serve mesmo quando não recebe nada em troca.
Tudo o que não promove o amor pelo outro deveria ser descartado, e essa é a renúncia difícil, mas com significado. Não sei se hoje, como sociedade, como Igreja, estamos caminhando por esse caminho.
Santa Teresa de Jesus entendeu bem isso: "Não se trata de fazer muito, mas de amar muito". A medida não está em quantos sacrifícios faço, que podem ser confundidos com essa "espiritualização do sofrimento", mas em quanto supero a mim mesmo na relação com meu irmão, porque tenho em meu horizonte o desejo de amá-lo mais e melhor. E esse é um processo gradual que também ocorre em uma relação.
Portanto, formar e educar, especialmente nas comunidades cristãs, não significa buscar "heróis do sacrifício", mas homens e mulheres que possam se doar sem esmagar, acompanhar sem dominar, servir sem desaparecer.
Pois na Igreja não precisamos de mártires do "ego", nem de "profissionais do sofrimento", mas de discípulos que saibam superar a si mesmos e que, olhando para esse Mistério de amor, possam transformar sua maneira de amar e se relacionar, fazendo do encontro com o outro uma oportunidade de viver o amor que Jesus nos ensinou com sua vida, morte e ressurreição.