05 Julho 2025
"Um olhar exigente, a ser amadurecido a um alto preço: ao preço de uma vida que tenta seguir os passos do profeta de Nazaré, observando a realidade com seus mesmos olhos, como fez o seu discípulo Dietrich Bonhoeffer."
O artigo é de Lidia Maggi, pastora batista italiana, publicado por Rocca, 03-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Oitenta anos após sua morte, voltamos a nos questionar sobre Dietrich Bonhoeffer. Para analisar o que ele nos deixou como legado. A reflexão teológica analisa e discute o legado testamentário; as Igrejas se perguntam como administrá-lo neste tempo. O legado, se não for congelado em um sentido museológico, exige tanto o desejo de compreender plenamente o sentido do que foi recebido quanto o risco necessário de posicionar o bem herdado nos novos espaços habitados pelos herdeiros. É isso que as várias contribuições publicadas nestas páginas tentaram fazer. Mas mesmo antes desses dois movimentos necessários, a montante deles, há o assombro pelo dom recebido. Um assombro que não se esgota em frases de circunstância, em elogios celebrativos, aos quais inevitavelmente se segue uma visita ao lixão para se livrar de uma doação demasiado pesada e não condizente com o projeto atual da casa.
Na elaboração da herança – se assim podemos dizer – o momento da descoberta do testamento é um passo decisivo e não apenas uma premissa emocional. Se a precisão notarial é necessária para restituir a exata envergadura do legado; e a gestão subsequente do que foi recebido determinará o impacto real dessa herança; o assombro inicial demonstra o grau de envolvimento do beneficiário nessa operação que vai além da simples transação de bens, revelando-se como ingrediente decisivo na delineação do horizonte histórico dentro do qual seu singular estar no mundo adquire sentido.
Singular, porque o assombro passa pelo filtro da própria experiência, sem pretender que o mesmo efeito seja experimentado por outros. É da ordem do "testemunho", não da objetividade acadêmica e da plausibilidade eclesiástica.
O assombro por sua vida e sua espiritualidade deve ser encarado, portanto, com cautela: não se pretende aqui dizer novas palavras sobre Bonhoeffer ou apresentar sua figura àqueles que ainda não o conhecem. Apenas a comunicação de um assombro, do impacto de uma história biográfica e espiritual tão diferente da minha. Tentarei explicar meu assombro diante de Dietrich Bonhoeffer: é o assombro por um homem que conseguiu "ir além" da situação em que se encontrava. Ele nasceu em uma família de classe alta, com excelentes conexões na sociedade que conta. Seus dons intelectuais lhe abriram uma carreira como teólogo de sucesso. E, como tal, lhe foi oferecida a oportunidade de lecionar no exterior, em um ambiente protegido da fúria nazista. Ele, no entanto, não se valeu desses privilégios para fugir, para garantir uma posição segura.
Seu "ir além" não se referiu apenas às condições materiais de sua existência: é um estilo que penetrou em sua alma. Ele, aristocrático, isto é, posicionado no alto, e apto, a partir dessa posição privilegiada, a abarcar com um olhar quase sempre excluído à maioria tanto o panorama social quanto o teológico; ei-lo buscar uma "visão de baixo". Não "de cima para baixo": precisamente "de baixo", com a paciência de quem se livra das grandes deduções aprendidas durante uma excelente formação e recomeça a olhar, a escutar, a questionar, como se estivesse se deparando com a vida pela primeira vez. Como é possível habitar a Terra dessa maneira? E como se vive a fé fora das certezas catequéticas? Para mim, o assombro diante de Dietrich Bonhoeffer reside todo aqui. Assombro porque nós, na maioria das vezes, somos executores do ofício de viver. Dito de forma provocativa: somos como discos quebrados. Temos nossas ideias já prontas, que repetimos com alguma variação; realizamos os gestos de sempre. A fé, então, a vivemos como o território das certezas inabaláveis, especialmente hoje, em um contexto desconcertante pela velocidade das mudanças. A fé se torna um marcador identitário, uma âncora para algo estável, que não muda com a variação dos cenários socioculturais. E justamente a mim, filha deste tempo, é oferecido o legado de um homem, um teólogo, um crente, que viveu sua humanidade e sua fé de forma diferente, numa desconcertante disposição para a revisão e a mudança. A partir daquele olhar voltado para a realidade, um olhar desconcertante por ser incapaz de alcançar a totalidade e a segurança.
Relemos aquelas palavras que ilustram sua hipótese de trabalho: "Continua sendo uma experiência de valor excepcional ter finalmente aprendido a olhar os grandes eventos da história universal de baixo, da perspectiva dos excluídos, dos suspeitos, dos maltratados, dos impotentes, dos oprimidos e dos escarnecidos — em uma palavra, dos sofredores. Se nestes tempos a amargura e o ódio não corroeram nossos corações; se, portanto, vemos com novos olhos as coisas grandes e pequenas, a felicidade e a infelicidade, a força e a fraqueza; e se nossa capacidade de ver a grandeza, a humanidade, o direito e a misericórdia tornou-se mais clara, mais livre, mais incorruptível; se, mais ainda, o sofrimento pessoal se tornou uma boa chave, um princípio fecundo para tornar o mundo acessível por meio da reflexão e da ação: tudo isso é uma sorte pessoal. Tudo depende de não fazer com que essa perspectiva de baixo se torne uma tomada de partido para os eternos insatisfeitos, mas para responder às necessidades da vida em todas as suas dimensões; e em aceitá-la na perspectiva de uma satisfação mais elevada, cujo fundamento está efetivamente além do ponto de vista de baixo e de cima”.
Um olhar lúcido, envolvido, livre do ressentimento da insatisfação, preocupado em compreender, em deixar que a ordem do dia dite a realidade e não a própria agenda. Como se amadurece um olhar desse tipo? Por que meus olhos se concentram em outra coisa? Como posso me mensurar com esse homem que, em seu legado testamentário, me deixou a pergunta: o que você vê quando olha? Ele, parece-me entender, não jogou na defesa, não olhou para a história e para o Deus da história preocupado em buscar a confirmação do que já acreditava ser justo, verdadeiro. E onde terá apreendido essa sensibilidade, que considero profundamente evangélica, na medida em que coloca em perpétuo estado de conversão?
Um elemento que encontro em seu testamento – não o único, certamente – é o cuidado com as relações, com uma amizade que é afeto e confronto, escuta atenta e discussão. Poder-se-ia dizer: um olhar assim não se amadurece na solidão. São necessárias pelo menos duas almas curiosas, que se arriscam em primeira pessoa. Que não se preocupam em garantir a posição adquirida ou em declamar a qualidade dos produtos expostos em sua loja. O olhar de baixo arranca do empíreo das ideias já conquistadas e do esforço conservador que busca confirmações. O olhar de baixo é o que sabe reabrir os jogos. Além disso, sinto que esse olhar se nutriu da sabedoria bíblica, da polifonia de suas narrativas, que abrem novas perspectivas, que carimbam toda fixidez como idólatra. Para além dos limites do celebrativo.
Ouvindo algumas passagens do testamento, percebi a imagem de um homem, um teólogo, um crente que se deixou atravessar pela suspeita, da qual a narrativa das Escrituras é portadora, de que a realidade poderia ser vista de forma diferente de como costuma ser observada. A suspeita não é uma categoria bonhoefferiana; e, no entanto, ressoou justamente assim dentro de mim. Uma suspeita que não tem apenas uma gratuidade de saída, sendo palavra que vem de alhures, que se oferece incondicionalmente, sem méritos de quem a recebe. Além da gratuidade da origem, há outra muito mais exigente, ou difícil de aceitar, que é a verificação final. Dietrich Bonhoeffer não viu a terra prometida, que o olhar de baixo lhe mostrara. Eis a “graça a um alto preço”. Nós implementamos mudanças porque assim experimentamos uma melhoria nas condições de vida. Mas quando, movido pela suspeita do Reino — um outro Reich! — vendo seus vestígios de baixo, Dietrich Bonhoeffer experimenta a piora, a derrota e nem sequer pode saber se a história posterior lhe dará razão, se seu esforço valeu a pena, então meu assombro se intensifica. Sua experiência histórica terminou em derrota. No entanto, para ele, aquele fim também era um começo. O começo posto em ação pela suspeita de que o mundo e até mesmo Deus poderiam ser diferentes. Que a humanidade, como as Igrejas, não está destinada a ser discos quebrados, enredados ao redor de verdades presumidas que só olhos míopes acreditam ser únicas e imutáveis.
Peço perdão por ter dado voz apenas ao meu assombro pessoal. O fato é que o sinto tão promissor, para não reduzir esse homem a um ícone ou clássico, para retirá-lo dos ainda assim necessários manuais, nos quais, no entanto, se pode ler proveitosamente a riqueza do seu legado. É o assombro que mantém viva a questão do que podemos fazer do legado que nos foi deixado como dom. Isso nos arranca da postura conservadora e nos coloca naquela generativa, prontas para dar vida a algo novo, para além dos limites do celebrativo. Na tradição judaica, costuma se dizer que não há tradição – o gesto de “tradere”, de entregar como herança – sem inovação. De Dietrich Bonhoeffer recebo, com gratidão, a indicação do olhar de baixo, para poder apontá-lo para o panorama social e eclesial que se descortina, agora, diante de mim. Um olhar exigente, a ser amadurecido a um alto preço: ao preço de uma vida que tenta seguir os passos do profeta de Nazaré, observando a realidade com seus mesmos olhos, como fez o seu discípulo Dietrich Bonhoeffer.