01 Julho 2025
"Portanto, mudanças e transformações (qual sementes) brotam das bases; de territórios adubados de intenções comunitárias, saudáveis, originárias… Enfim, da consciência universal em diálogo pertinente com as insignificâncias significativas do eterno movimento cósmico"
O artigo é de Fátima Guedes, publicado por Amazônia Real, 27-06-2025.
Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Uma das fundadoras da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (Aneps). Autora das obras literárias, Ensaio de Rebeldia, Algemas Silenciadas, Vestígios de Curandage e Organizadora do Dicionário - Falares Cabocos.
Em meio a clamores mês de junho se despede. No auge de meu amadurecimento ativo iluminações ancestrais e, nessas intersecções, acolho, reconheço as influências astrais e elejo a natureza assim como os respectivos elementais instrumentos educativos incontestáveis: mestres e doutores da vida em plenitude. É pertinente afirmar: teorias e conhecimentos ditos científicos são resultantes de observações milenares e de relações prelúdias.
No atual contexto linguístico, universidade é concebida exclusivamente como instituição de ensino superior. Em princípio, ‘uni’ indica unidade ou totalidade; o sufixo ‘dade’, estado ou qualidade. O radical ‘univers’ deriva de ‘universus’: ‘todo’ ou ‘inteiro’, ‘completo’, ‘total’. Se mergulhamos na essência contextual há perceptíveis e visíveis desencontros entre o sistematicamente determinado, o que está posto e a matriz originária do conceito.
Enfim, a problematização em referência brotara na manhãzinha do Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho). Era cedinho. O céu aquarelado de neblinas e fluxos solares acolhia a data apontando recados urgentes de alcance universal. Saí da rede e fui absorver bênçãos e sabedorias em nosso quintal urbano, a agrofloresta onde elegemos Território Sagrado – o Cóio das Utopias [1].
Naquela ímpar manhã, a sinfonia dos pássaros, o doce aroma das flores dos cafeeiros, o sopro do vento sobre as folhagens, as gotículas de orvalho acarinhando a pele amenizavam o estresse resultante das violações de cuidados naturais; da negação de princípios originários sobre preservação e conservação de biomas, de culturas nativas, de agressões incontroláveis… Tudo me chegava como convite para sentir e usufruir teorias epistêmicas emitidas do ventre da Mãe Terra: certamente um acorde para reinvenção de novos tempos comunitários.
Por algumas horas, deitei sobre as folhas que ornamentavam o chão e pude sentir a vibração dos elementais trazendo-me luz, força, amorosidade e paz… Nesse intercâmbio visualizei uma casinha de “cabas” há uns 3 metros acima. Minha presença as incomodou e comunitariamente se armaram em busca de autoproteção.
Silenciei observando os movimentos… A casinha ficou totalmente protegida. Verdadeira tropa de choque. Ali visualizei uma legítima evolução; o real sentido de comunidade – unidade dos comuns: um universo de sabedoria solidária agindo em defesa da vida e do direito de existir a qualquer agressão; o ataque coletivo era fatalidade…
Absorvi cada lição. Acolhi aquele momento místico como uma aula sobre o real sentido dos conceitos Comunidade: unidade dos comuns e Universidade: sabedoria universal de sustentabilidade – a empática evolução entre os diversos…
Na contramão do místico cenário, boiam em meus pensamentos anúncios e propagandas midiáticas sobre o Dia Mundial do Meio Ambiente cujas divulgações conflitavam com os ensinamentos recém-absorvidos no espaço agroecológico. Ao mesmo tempo em que contradiziam princípios anunciados na primeira Conferência da ONU, (1972): “ciar uma postura crítica e ativa em relação aos problemas ambientais no planeta”.
Incomodada, adentrei no real-concreto amazônico: posturas críticas interventivas sobre problemas ambientais se perdem no ar, assim como coerência aos anúncios da Conferência de 1972. Festas folclóricas fantasiam a realidade; sob toadas e batucadas canta-se e decanta-se preservação, conservação ambiental sem práxis transformadora. Galpões e lixeiras espalhados em periferias denunciam as contradições e, na embriaguez da cultura de massa, artistas e trabalhadorxs desvalidxssão transformados em instrumentos utilitários de politicagem e exploração comercial.
Chega!… Decidi retornar ao acalanto do Cóio das Utopias [2] e me reconectar à unidade dos comuns… O sol me aquecia por inteira e trazia a consciência de que os originais mestres e doutores encontram-se na sutileza de sábios ensinamentos da Grande Mãe. Reconheço-Os UNIDOCs [3]. Portanto, mudanças e transformações (qual sementes) brotam das bases; de territórios adubados de intenções comunitárias, saudáveis, originárias… Enfim, da consciência universal em diálogo pertinente com as insignificâncias significativas do eterno movimento cósmico. Assim é! Assim está feito!
[1] Cabas – Vespa carniceira.
[2] Cóio das Utopias – Agrofloresta urbana situada no Bairro Tonzinho Saunier, área sul de Parintins/AM, a 369 km de Manaus.
[3] UNIDOCs – Neologismo alegórico aos Doutores Universais