17 Junho 2025
Aprovada por unanimidade em junho de 2023 na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, a lei que criou o protocolo Não É Não segue sem regulamentação na capital. Na prática, isso significa que nada mudou e as mulheres seguem sob a mesma condição de insegurança anterior à legislação.
A reportagem é de Marcela Donini, publicada por Matinal Jornalismo, 13-05-2025.
O texto que instituiu o protocolo visa a proteger e acolher mulheres vítimas de violências como assédio sexual em locais de grande circulação de pessoas, como bares, casas noturnas ou estádios de futebol. O documento estabelece medidas que vão desde a capacitação das equipes para lidar com denúncias até a garantia de proteção imediata contra o agressor, respeito à privacidade da vítima e saída segura do local. Ao aderirem ao protocolo, as empresas devem receber o selo Mulheres Seguras – o que não ocorreu até agora.
A regulamentação cabe ao executivo. Nesses dois anos desde a aprovação da lei, a Matinal tem acompanhado o caso, contatando com frequência a Coordenação dos Direitos da Mulher, que faz parte Secretaria Municipal da Inclusão e Desenvolvimento Humano, em busca de atualização. Depois de várias tentativas sem respostas nos últimos meses, nesta semana, a assessoria da secretaria respondeu que “o projeto está em fase de ajustes” e será concluído “em breve”.
Em fevereiro de 2024, a redação falou com Fernanda Mendes Ribeiro, que está de volta à frente da coordenadoria. À época, ela estimou para abril daquele ano a regulamentação, e informou que o setor estava fazendo orçamentos e levantando o perfil das empresas que fariam as capacitações das equipes. Neste novo contato com a assessoria, não foram informados detalhes sobre em que fase está o projeto de regulamentação, apenas que “houve troca na gestão das pastas, tratativas tiveram de ser retomadas” e que “isso contribuiu para atrasar o processo”.
O protocolo porto-alegrense nasceu a reboque do caso do jogador de futebol Daniel Alves, que foi condenado por estuprar uma mulher em uma boate em Barcelona, na Espanha, em dezembro de 2022, mas teve sua sentença anulada em março deste ano. O episódio inspirou outros protocolos no Brasil, inclusive a legislação federal, com texto muito semelhante à proposta vigente em Porto Alegre – ambos foram inspirados no protocolo catalão No Callem.
A Lei 14.786 foi aprovada em dezembro de 2023 e, embora se sobreponha à legislação municipal, apresenta o mesmo problema: ainda não tem impactos concretos na segurança das mulheres. Essa é a avaliação da antropóloga Débora Diniz. Em entrevista à Rádio Eldorado, nesta semana, ela fala da importância da lei como um dos mecanismos no combate à violência contra a mulher, mas que há outras vias importantes, como a educação e a conscientização.
Diniz coordena o curso de extensão Circuitos Não é Não, oferecido gratuitamente pela Universidade de Brasília, em parceria com o Ministério das Mulheres, desde maio. A capacitação é voltada para trabalhadores e trabalhadoras de estabelecimentos contemplados pela lei, como casas noturnas, mas pode ser feita por qualquer pessoa (inscreva-se aqui). Para a antropóloga, é um primeiro passo importante, já que a capacitação está prevista na legislação. Fora isso, ela afirma desconhecer outros impactos concretos que ajudem a avaliar a implementação da lei no país.
Débora Diniz defende que os homens se envolvam mais na pauta porque são eles os agressores, portanto, são eles que precisam se sensibilizar e transformar suas ações.
Nesse sentido, deixo a dica do Grupo Reflexivo Desencaixados, que está com vagas abertas para a próxima turma, para encontros presenciais em Porto Alegre. O projeto promove uma roda de conversa de homens sobre questões masculinas, “um espaço seguro para demonstrar vulnerabilidade, compartilhar angústias e falar sobre iniquidades de gênero, machismo e sobre as caixinhas da masculinidade”. As inscrições podem ser feitas aqui.