27 Março 2025
"Por que o Papa Francisco disse “é ruim”? Não faço ideia, mas certamente acredito que ajudou muito o que o professor Alfieri disse sobre sua resistência: “Acho que o fato de o mundo inteiro estar rezando por ele também contribuiu para isso”, escreve Vito Mancuso, teólogo italiano, em artigo publicado por La Stampa, 26-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "a oração da Ave-Maria é concluída dizendo “Amém”, uma expressão hebraica que significa “Assim seja”, significando aquele sim que Nietzsche gostaria de ser em relação ao processo cósmico: “quero ser, algum dia, apenas alguém que diz sim!”. O que significa que a rendição confiante ao processo cósmico independe da crença ou não em Deus, e diz respeito àqueles que outrora se denominavam de “homens de boa vontade”.
O que diremos quando chegar a nossa hora? O que diremos naquele instante que é justamente chamado de “fatal”, porque marcará irrevogavelmente nosso encontro com o supremo Fado? Que palavras subirão de nossos corações diante da morte que veremos chegar? Na noite de 28 de fevereiro passado, foi a vez de o Papa Francisco chegar a essa situação e, de acordo com a entrevista do Corriere della Sera com o professor Sergio Alfieri, chefe da equipe médica que o estava tratando, ficamos sabendo que as palavras do Papa foram as seguintes: “É ruim”. O médico acrescentou que “as pessoas que estavam ao lado dele tinham lágrimas nos olhos”, ressaltando o trágico nível emocional da situação. Como se morre? Como viveremos a nossa morte? Essas palavras sombrias do Papa podem nos ensinar alguma coisa?
Acho que há demasiadas variantes em jogo: dependerá de nossa idade, do tipo de doença que nos estará consumindo, se estaremos sozinhos ou se alguém segurará nossa mão, de nossa psique, se resignada ou não, se capaz de dizer o supremo sim ao Fado (como Nietzsche desejava: “quero ser, algum dia, apenas alguém que diz sim!”) ou se resistente até o fim. Sobre Kant, conta-se que ele morreu murmurando “Es ist gut” (Está bom), mas não se sabe se ele estava se referindo à vida ou à quantidade de água que havia sido servida a ele. O mesmo vale para Goethe, de quem relatam que morreu dizendo “Mehr Licht” (Mais luz), mas não se sabe se estava se referindo ao desejo de encontrar o eterno ou de abrir um pouco mais as persianas. Há grandes homens que morreram serenamente e outros tragicamente, e tudo pode se resumir às últimas palavras de Jesus, que para dois evangelhos foram de desespero (“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”) e para outros dois de consolo e até mesmo de vitória (“Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”, “Está consumado”).
Mas o que vale mais? Dizer sim à morte que se aproxima ou dizer não a ela? Um sim obediente, expressão do Amor Fati, ou um não teimoso, expressão do Amor Vitae? Um sim que diz “fiat voluntas tua” e se deixa ir, ou um não que se agarra à vida e continua a existir?
Eu não sei responder, exceto com um lacônico “depende”. A questão é tão imponderável, tão subjetivamente determinada. Imagino, entretanto, que muito depende do pensamento que se cultiva sobre o que vem com a chegada da morte. Quando a morte chega, o que vem com ela? O nada ou Deus? O fim de tudo ou a vida sem fim? Segunda questão: como julgar a morte e sua presença no mundo? É algo de natural dentro da vida ou é uma tragédia produzida depois, e que em vida não deveria ter existido? Colocando em termos teológicos: a morte foi prevista por Deus ou veio inesperadamente como resultado do pecado?
A história da espiritualidade cristã não ajuda na resposta, porque duas grandes figuras, como São Paulo e São Francisco de Assis, pensam de maneiras opostas. Para Paulo, a situação foi esta: “Por causa de um só homem, o pecado entrou no mundo e, com o pecado, a morte”, portanto, há uma ligação direta entre pecado e morte, no sentido de que, se há a morte, é porque primeiro houve o pecado e, de fato, para Paulo, a morte é um inimigo: “o último inimigo”.
Francisco, por outro lado, no Cântico das Criaturas, define a morte como “irmã” e louva por ela o Senhor: “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã morte corporal, da qual nenhum homem vivente pode escapar”. Ele acrescentou esse verso posteriormente, quando estava quase cego e sentia que estava prestes a morrer, como de fato aconteceu pouco depois.
A mesma contradição é encontrada no judaísmo: o livro da Sabedoria afirma que a morte não foi quista por Deus, mas “entrou no mundo pela inveja do diabo” e, portanto, é ontologicamente má, enquanto o livro do Eclesiástico a define como “o decreto do Senhor para cada homem”, considerando-a ontologicamente boa. Mistério! Um livro bíblico declara que a morte foi quista pelo diabo, um outro por Deus; um grande santo fala da morte como “inimiga”, outro não menos grande como “irmã”. Qual das duas perspectivas privilegiar?
Cada um tem de que se acertar consigo mesmo, com sua própria consciência e, acima de tudo, com sua própria existência. No que me diz respeito, estou com São Francisco e com o Eclesiástico. Ou seja, considero a morte não um castigo resultante do pecado, mas algo natural, desde sempre inscrito na lógica desta vida.
Em minha opinião, aceitá-la é um sinal de sabedoria e gera liberdade. Estamos aqui graças ao trabalho e à morte de outros, e somos chamados a trabalhar e morrer pela existência de outros. Essa é a lógica que a vida nos entrega. Aceitar isso significa “renegar a si mesmo”, para usar uma expressão bem conhecida de Jesus, ou seja, não fazer do próprio ego o centro do mundo, mas colocá-lo a serviço de algo maior. De quê? Do processo cósmico. Os cristãos o chamam de “criação” e acreditam que vem diretamente de Deus, uma ideia compartilhada por judeus e muçulmanos; outros o chamam de outra forma, atribuindo-lhe outra origem, chegando a afirmar, como Spinoza, que ele coincide com a perfeição do ser e que, portanto, não há diferença entre Deus e a natureza: “Deus sive Natura”. O que é certo é que o processo cósmico contém todos: monoteístas, panteístas, agnósticos, ateus, e a tarefa da mente consiste em compreender que relação estabelecer com ele e orientar-se de acordo. O processo cósmico que nos gerou e que inevitavelmente nos levará à degeneração é um inimigo ou um aliado da nossa vida? Considerá-lo aliado significa aceitá-lo como ele é, incluindo a presença da morte, e isso, em minha opinião, é uma adesão madura à vida.
É claro que nada disso implica que não se deve lutar para permanecer vivos, cultivando a força mais primordial que existe dentro de nós, o instinto de sobrevivência. Sempre diante de uma doença, é preciso querer se curar e ajudar a se curar. Os médicos são chamados a fazer isso e os doentes devem fazer isso, porque a vida é honrada em primeiro lugar e acima de tudo por viver, além do fato de que este mundo é belíssimo e viver nele é uma maravilha da qual deveríamos nos conscientizar todos os dias com uma alegria profunda e grata em relação ao processo cósmico (independentemente de como seja considerado e chamado).
Concluo com três citações.
A primeira é de Montaigne: “Meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu de servir; saber morrer nos exime de toda sujeição e coação”.
A segunda é de Norberto Bobbio: “Levar a vida a sério significa aceitar sua finitude com firmeza, rigor e a maior serenidade possível”.
A terceira é a mais antiga e consiste nas belíssimas palavras finais da Ave Maria, repetidas talvez milhões de vezes na história do mundo: “Agora e na hora de nossa morte”. Nunc et in hora mortis nostrae.
Por que se sentiu e ainda se sente a necessidade de pedir a Nossa Senhora que reze por nós na hora de nossa morte? Porque em tal ocasião todas as nossas ideias filosóficas e teológicas podem desmoronar e nos encontrarmos sozinhos, assustados, diante da escuridão do fim. Isso é possível, real, humaníssimo, e é por isso que se reza à Mãe de Deus que ore por nós. Por que o Papa Francisco disse “é ruim”? Não faço ideia, mas certamente acredito que ajudou muito o que o professor Alfieri disse sobre sua resistência: “Acho que o fato de o mundo inteiro estar rezando por ele também contribuiu para isso”.
A oração da Ave-Maria é concluída dizendo “Amém”, uma expressão hebraica que significa “Assim seja”, significando aquele sim que Nietzsche gostaria de ser em relação ao processo cósmico: “quero ser, algum dia, apenas alguém que diz sim!”. O que significa que a rendição confiante ao processo cósmico independe da crença ou não em Deus, e diz respeito àqueles que outrora se denominavam de “homens de boa vontade”.