14 Março 2024
"Em um momento em que estamos envolvidos em duas guerras sangrentas, é óbvio procurar nessas lições advertências para os tempos atuais, e há muitas".
O comentário é de Daniele Archibugi, teórico econômico e político italiano, em artigo publicado por Il Manifesto, 13-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O clima político da década de 1960 era tão polarizado que qualquer debate sobre política internacional era obtuso. Os defensores do Socialismo Real eram cegos às violações periódicas dos direitos humanos cometidas atrás da Cortina de Ferro. Aqueles que estavam do lado das democracias ocidentais ignoravam os crimes do colonialismo e do imperialismo. Durante a crise cubana, estivemos muito perto da utilização de armas nucleares, mas o desejo de compreender a natureza da guerra e os caminhos da paz num mundo dividido em dois blocos opostos permanecia completamente ausente.
Norberto Bobbio foi um dos primeiros a tentar dar uma resposta àquela situação inédita utilizando as ferramentas que lhe eram mais conhecidas: a ciência política, o direito e a filosofia. Foi assim que no ano acadêmico de 1964-65 deixou de lado os tradicionais cursos de Filosofia do Direito que ministrava na Universidade de Turim para dedicar um curso específico à guerra e à paz. O estudioso já estava bem equipado para enfrentar o problema, pois a questão da paz era um dos temas que mais o atormentava (como lembra em seu posfácio Pietro Polito – que foi o colaborador mais próximo de Bobbio até sua morte em 2004). Imediatamente após terminar o curso, Bobbio publicou um longo e aprofundado ensaio ("O problema da guerra e os caminhos da paz", 1966) na revista Nuovi Argomenti dirigida por Alberto Moravia e Alberto Carocci, na época um dos poucos fóruns onde se podiam confrontar pró-ocidentais e pró-soviéticos. Um ensaio que foi publicado diversas vezes e representou um guia essencial para quem trata do tema.
Pioneiro incansável dos direitos humanos, Bobbio foi durante toda a vida testemunha participante de sua época. Se muitos trataram de relações internacionais quando a queda do Muro de Berlim despertou novas esperanças, Bobbio teve a coragem de dar a sua opinião nos anos mais sombrios. Abordando, como sempre, os problemas por meio de modelos, Bobbio identifica três formas principais de pensamento pacifista: o finalista (é preciso modificar a natureza humana para alcançar a paz), o instrumental (é necessário reduzir e eventualmente abolir os instrumentos que permitem combater as guerras) e o institucional (é necessário construir um quadro jurídico capaz de resolver as controvérsias pelo direito e não pelo uso da força).
Privilegiando o pacifismo institucional, Bobbio lembra a necessidade de fortalecer as organizações internacionais existentes, começando pelas Nações Unidas. Também estados com sistemas políticos antitéticos tinham que aceitar, em caso de controvérsias, submeter-se às avaliações de uma autoridade terceira que tinha a tarefa de julgá-los com base no direito e não na força. A perspectiva de Bobbio era – e ainda permanece – completamente formal; a política internacional continua a ser o reino do mais forte. Mas, como filósofo do direito que era, o estudioso de Turim lembrava o fato de que seria do interesse de todos criar aquela terceira figura em nível mundial, a mesma que permitiu desenvolver, com algum sucesso, a dialética democrática dentro de cada nação.
Longe de ser desconhecedor sobre as lógicas maquiavélicas que inspiram a política exterior, Bobbio cumpria com coragem a tarefa do intelectual público, apontando os problemas e indicando as rotas praticáveis. Salientava que esse terceiro “ausente” em nível mundial pode passar por diferentes estágios. O primeiro e mais rudimentar é o do mediador, que deve ter em consideração qual é a força à disposição dos contendores e propor soluções que levem isso em conta. O segundo é o do árbitro, que deve julgar os conflitos com base em um código de conduta compartilhado antecipadamente pelas partes envolvidas, ainda que desprovido de poder coercitivo para forçá-las a respeitar as suas decisões. O terceiro e mais avançado estágio é o do juiz, que não só dispõe de um código partilhado pelas partes, mas também dispõe dos meios para aplicar as próprias sentenças.
Tendo feito essa distinção, Bobbio se perguntava: será que algum dia será possível chegar na esfera internacional a um juiz mundial que receba a sua legitimidade das partes e que disponha de uma força própria, mas sem correr o risco de que se transforme num tirano global?
A sua posição foi vista com suspeita. Pela direita, foi considerado um idiota útil da tirania soviética, pela esquerda um partidário do imperialismo. Também a sua abordagem teórica foi mal vista pela academia italiana, pois Bobbio, em vez de propor uma história do pensamento, produziu uma elaboração política, com um método impopular num país onde dominava a escola histórica.
É, portanto, uma grata e inesperada surpresa descobrir que hoje podemos ler, graças às notas tomadas por duas estudantes da época, aquele curso universitário. Como se costumava na época, Nadia Betti e Marina Vaciago reuniram as aulas para fazer uma apostila para os alunos. Considerando a conhecida clareza de exposição do docente, a sua tarefa talvez não tenha sido demasido difícil (Norberto Bobbio, Lezioni sulla guerra e sulla pace, org. Tommaso Greco, Laterza, p. 255,20 euros).
Nas aulas, Bobbio se expressa com mais liberdade, com um texto enriquecido por observações extemporâneas sobre os protagonistas do pensamento internacionalista. Encontramos assim uma crítica devastadora do conceito de guerra justa, um excurso crítico sobre a filosofia da história, considerações originais sobre autores que nem sequer são mencionados em seus outros escritos. Aprecia-se, assim, um professor de grande erudição que compartilha com prazer seus conhecimentos com os alunos, mas que se torna muito mais seco quando, saindo da sala de aula universitária, expõe as suas teses na arena política.
Em um momento em que estamos envolvidos em duas guerras sangrentas, é óbvio procurar nessas lições advertências para os tempos atuais, e há muitas. Em primeiro lugar, Bobbio afasta todas as teorias que justificam a existência de guerras. Não há nenhum pressuposto para considerar que qualquer forma de progresso possa derivar da guerra. E aqui, Bobbio – sempre tão moderado em sua linguagem – zomba daqueles que, de Nietzsche aos futuristas, elogiaram irresponsavelmente a violência. Em segundo lugar, Bobbio mostra o quanto é árido se dedicar à interpretação das razões – econômicas, territoriais, religiosas ou outras – dos conflitos.
A prioridade para as ciências sociais deveria ser encontrar os meios para evitá-los. Bobbio se empenha para moderá-los pelo fortalecimento de instituições internacionais, com uma confiança que hoje parece excessiva, sem que, mesmo assim, tenham surgido atalhos mais promissores.
Finalmente, os seus escritos são permeados pelo subterrâneo nexo que liga a democracia dentro dos Estados à paz nas relações entre os estados. Como homem que cresceu sob o fascismo, Bobbio foi um partidário inexorável da democracia. Mas isso não o tonava cego quando os regimes ocidentais perdiam completamente os valores do seu pacto fundador na política externa. Disso resultava uma exortação contínua aos regimes democráticos para que fossem bons cidadãos da sociedade dos Estados e aplicassem, sempre que possível, os mesmos princípios na sua casa e no mundo.
Esperanças tantas vezes traídas que deixaram, para ele e para muitos outros, amargas decepções.
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O pensamento pacifista de Norberto Bobbio. Artigo de Daniele Archibugi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU