07 Fevereiro 2025
"[O Congo} É o único estado africano que foi colonizado não por uma potência estrangeira, mas por uma empresa privada, de propriedade do rei Leopoldo da Bélgica. Uma aventura brutal feita de exploração exasperada e muito sangue", escreve Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perúgia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 05-02-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O nome “Congo” significa país na língua Kikongo, uma das muitas faladas naquelas regiões: um país imenso, atravessado pelo grande rio de mesmo nome e seus afluentes, a maior reserva verde depois da Amazônia, cheio de recursos naturais e minerais que todos tentam explorar. É “o coração de trevas” desde a época de Joseph Conrad: um lugar misterioso que desencadeia as paixões mais extremas, medo, ganância, conquista, repulsa. Detém o triste primado das febres hemorrágicas: o ebola começou aqui e alguns acreditam que a Aids também. É o único estado africano que foi colonizado não por uma potência estrangeira, mas por uma empresa privada, de propriedade do rei Leopoldo da Bélgica. Uma aventura brutal feita de exploração exasperada e muito sangue. Os colonizadores mais atrozes, enlouquecidos por uma gana extrema de riqueza que só a apropriação privada de seres humanos pode provocar: mataram à vontade, mutilaram, escravizaram. Uma história que se repete até hoje. Foi o cruzamento mortal entre colônia, escravidão e apartheid, gravado para sempre na carne e no espírito do povo.
Na conferência de Berlim de 1884-85, onde o continente foi dividido, Leopoldo manobrou habilmente para garantir sua propriedade e ter liberdade de ação. Não durou muito: as despesas eram tão altas que ele teve que despejá-las sobre as costas do Estado belga. A situação melhorou um pouco: a Bélgica nunca teve realmente condições de sustentar uma colonização tão ampla e pesada. A descolonização tornou-se uma tragédia: o atroz assassinato do primeiro-ministro Patrice Lumumba, desejada pelo Ocidente, riscos de secessão, interferências generalizadas, golpes de estado, caos.
Uma das primeiras operações de paz da ONU terminou mal: o secretário-geral da ONU, Hammarskjöld, morreu em um controverso acidente de avião e a Itália também perdeu 13 aviadores em Kindu, também em 1961. Depois de muitas intrigas, apareceu Mobutu Sese Seko, um líder de duas faces: ditador cruel, mas também criador da autenticidade africana e do orgulho continental. O Congo mudou seu nome para Zaire e, por algum tempo, parecia que poderia se tornar uma verdadeira potência da África.
O Zaire queria ser a verdadeira África, sem concessões à cultura do antigo colonizador. E, nas mentes africanas, assim se tornou: durante anos, Kinshasa foi a meca de tudo o que queria ser autenticamente africano, a verdadeira “fonte” se inspiração de escritores, músicos, artistas e poetas.
Ainda hoje, após o declínio, todo africano não tem dificuldade em admitir que a melhor música do continente é composta lá. Através do sofrimento, os congoleses amadureceram uma forte identidade cultural, musical e religiosa. O Congo é o berço das primeiras igrejas afro-cristãs livres, como os discípulos de Simon Kimbangu, hoje reconhecidos pelo Conselho Ecumênico de Genebra: um cristianismo negro para negros. Apesar das alegações de autenticidade, Mobutu continuava a traficar com os ocidentais, os corrompia e era corrompido por eles: em jogo sempre estava a imensa riqueza do Congo. Como um câncer, a corrupção desenfreada associada ao despotismo consumiu tudo a partir de dentro: toda uma classe política predatória que sangrou o país, vendendo-o pedaço por pedaço.
Em março de 1996, na primeira tentativa, as milícias rebeldes de Kabila sênior, armadas pela Ruanda pós-genocídio (e pela Uganda), afundaram como na manteiga dentro do grande estado, atravessando-o de um lado para o outro em poucos meses. É um absurdo ver o menor estado africano conquistar o maior.
Mobutu, o “Leopardo”, fugiu ignominiosamente para o Marrocos, morrendo no ano seguinte. Desiré Kabila não durou muito: rompeu com os aliados ruandeses (sempre por causa do orgulho nacional) e acabou assassinado em 2001 por um membro de sua equipe.
Até 2019, o Congo (que, nesse meio tempo, havia reassumido seu antigo nome) foi governado por seu filho, Joseph Kabila. A guerra recomeçou pior do que antes: chamaram-na de “Grande Guerra Africana” ou “Guerra Mundial Africana”, que produziu uma série infinita de conflitos secundários, entre os quais aquele do Kivu. A peculiaridade da Grande Guerra Africana foi que várias nações africanas combateram nela, além de dezenas de grupos armados, muitos dos quais permaneceram ativos. Durante décadas, o Congo foi o campo de treinamento para incríveis ataques. Essencialmente, foi uma “guerra contra os civis” sem batalhas campais, mas com uma corrida para garantir terras e recursos, junto com uma violência generalizada contra os civis.
Os números parecem absurdos: estima-se que cinco milhões de pessoas tenham morrido até o momento. A atual República Democrática do Congo (RDC) também foi palco da maior operação de manutenção da paz da ONU: a controversa missão Monusco (antiga Monuc), que custou mais de um bilhão de dólares por ano e o emprego de cerca de 20.000 homens. Após as repetidas insistências da comunidade internacional, o Presidente Kabila Jr. renunciou à sua candidatura, cumprindo assim a letra da
Constituição. O governo não quis a ajuda internacional (nem mesmo da ONU, como em 2006) e decidiu organizar a eleição por conta própria.
Por sua vez, a Conferência Episcopal Congolesa (a mais forte e mais organizada da África, juntamente com a nigeriana) colocou à disposição cerca de 40.000 pessoas para supervisionar a votação. A Igreja Católica tem uma influência real no Congo: é unida e já havia desempenhado um papel decisivo nas fases de transição pós-Mobutu.
Durante 2016, diante de mais um impasse político, a própria Conferência Episcopal intermediou o acordo de São Silvestre em 31 de dezembro, que levou ao estabelecimento de um governo sob a liderança de um primeiro-ministro vindo das fileiras da oposição.
As eleições de 2019 foram o resultado desse processo, vencidas por Félix Tshisekedi, o filho de Etienne, adversário histórico de Mobutu e efêmero primeiro-ministro da conferência nacional soberana. Apesar das costumeiras contestações sobre os resultados, uma nova época parecia estar se abrindo para a RDC.
Mas a guerra nos dois Kivus não terminou e agora está produzindo efeitos destrutivos em todo o país, talvez irreversíveis. Parece claro que as manipulações se entrelaçaram ao longo do tempo, tornando-se totalmente inextricáveis.
O próprio Tchisekedi tentou instrumentalizar a tensão com Ruanda, buscando alianças até mesmo nos Estados Unidos, por meio dos movimentos pentecostais. Por seu lado, Ruanda não ficou para trás, continuando a explorar a presença de milícias amigas (como o M23) para garantir a produção de terras raras que não possui em seu próprio território. Além disso, Kigali desde sempre teve como objetivo criar uma zona de amortecimento entre as duas fronteiras, dado o caos das milícias étnicas que torna a fronteira porosa e penetrável.
Essa não é a primeira vez que os pró-Ruanda ocupam Goma: isso já aconteceu em 2012. Mas, desta vez, a comunidade internacional parece estar fazendo vista grossa, desde que Ruanda garanta finalmente a estabilidade e a paz na região. A guerra na Ucrânia ensina que as fronteiras não são mais tão intangíveis. No entanto, rumores afirmam que o M23 quer continuar até Bukavu, a capital do Kivu do Sul, e talvez bem mais além, o que seria um erro inaceitável para todos. Enquanto Goma é habitada também por ruandeses e ruandófonos, Bukavu tem uma história bem diferente e já demonstrou no passado que sabe se rebelar contra a hegemonia de Kigali.
Kinshasa, além disso, deixou más recordações para os ruandeses. O fato é que os congoleses, embora pressionados por uma “crise multidimensional”, como costumam dizer, não querem se render nem à guerra nem ao caos: a sociedade segue em contínua e permanente ebulição criativa. Como escrevia Sony Labou Tansi, um dos mais conhecidos poetas e autores congoleses, o Congo “é uma gravidez prestes a dar à luz”.