10 Fevereiro 2025
O sociólogo e cientista político Fabian Virchow (Alemanha, 1960) dedicou sua carreira profissional ao estudo dos movimentos de extrema direita e seu impacto nas sociedades democráticas. Atualmente, dirige o Centro de Pesquisa sobre a Extrema Direita e a Democracia, na Universidade de Ciências Aplicadas de Düsseldorf.
Em seus estudos, Virchow analisou como as ideias de extrema direita na Alemanha permaneceram vivas, em parte, graças a uma continuidade histórica. “A doutrinação em massa entre 1933 e 1945 não desapareceu da noite para o dia”, afirma. Mas não é só o passado que alimenta esses movimentos. O sociólogo destaca o impacto do neoliberalismo nas últimas décadas, que fragilizou os laços sociais e favoreceu a disseminação de discursos que instrumentalizam a religião e a origem como fatores de exclusão.
A permeabilidade da extrema direita na sociedade alemã tornou a Alternativa para a Alemanha (AfD) a segunda força política nas intenções de votos, segundo as pesquisas. Em sua visão, a resposta deve se concentrar no fortalecimento da democracia, no combate ao discurso de ódio e na aplicação de políticas sociais que reduzam as desigualdades.
A entrevista é de Lourdes Velasco, publicada por La Marea, 27-01-2025. A tradução é do Cepat.
O que o levou a concentrar sua carreira no estudo dos movimentos de extrema direita e grupos neonazistas?
Existem vários fatores, e um deles é autobiográfico. Durante meus anos de universidade, conheci vários estudantes que, após fugirem da ditadura dos mulás, em 1979, chegaram à Alemanha. Alguns deles foram atacados fisicamente por extremistas de direita. Como sociólogo e cientista político, sempre me interessei pelos fenômenos políticos e me motivava responder o porquê a extrema direita continuava desempenhando um papel tão relevante na sociedade alemã. Naquela época, ainda não era tão forte, mas ficava intrigado com a forma como esses movimentos se desenvolviam e mantinham sua relevância.
E você já encontrou uma resposta?
Uma razão, sem dúvida, é que a doutrinação em massa da população entre 1933 e 1945 não desapareceu da mente das pessoas da noite para o dia. Sabemos pelas pesquisas que, após 1945, havia muitas pessoas na Alemanha que pensavam que se Hitler não tivesse iniciado a guerra, não teria sido tão ruim. É claro, também havia muitas outras que eram democratas na época e assim permaneceram, mas depois da guerra havia pessoas que teriam preferido manter o nacional-socialismo.
No primeiro Bundestag (Parlamento) alemão, houve representação nacional-socialista, mas foram expulsos após a segunda eleição federal. O chamado milagre econômico e outros acontecimentos contribuíram para que grande parte da população se integrasse aos partidos democráticos, que naquela época também eram, em parte, muito nacionalistas. Então surgiu, por assim dizer, um contramovimento à geração de 68: o NPD [Partido Nacional-Democrático da Alemanha] foi um partido neofascista relativamente bem-sucedido nos anos 1960 e sua linha de desenvolvimento pode ser seguida até os nossos dias.
Soma-se a essa continuidade histórica o fato de que o neoliberalismo dissolveu um grande número de vínculos de apoio social, o que também abriu espaço para os extremistas de direita e as visões de mundo racistas que têm a ver com a afirmação de que aqueles que vivem em uma nação há muito tempo têm mais direitos do que aqueles que se uniram a ela mais recentemente. E depois, se preferir, a cultura – ao menos se for considerada estática –, a religião, os nomes, o comportamento e a cor da pele são oferecidos, por assim dizer, como critérios de discriminação e exclusão social.
Nos últimos anos, com o aumento das crises sociais, estamos vendo como um número cada vez maior de pessoas recorrem aos partidos que prometem que tudo permanecerá como está ou que voltarão tempos que supostamente foram melhores.
As grandes crises econômicas e sociais são um catalisador para a extrema direita. Uma vez que essas crises são superadas, o apoio a essas forças políticas diminui?
O problema é que se os partidos já alcançam um certo tamanho, sobrevivem independentemente das crises sociais. Na Áustria, o Partido da Liberdade (FPÖ) está muito enraizado na sociedade, existe há muito tempo e participa com naturalidade dos governos.
A AfD recebeu cerca de 250 milhões de euros do Parlamento alemão, nas últimas duas legislaturas. E é isso também que lhe permite ter todo esse aparato midiático e de redes sociais. Este é um dos fatores que explicam o fortalecimento – e em alguns casos a estabilidade – de tais partidos.
Além disso, e é algo que pode ser visto em governos como os da Hungria e da Polônia, uma vez que a extrema direita chega ao poder, busca mudanças estruturais que a ajudem a conservar o poder. Pode ser um ataque ao poder judiciário independente ou um afã de controlar os meios de comunicação. Agora, com Trump, veremos como isto será implementado nos Estados Unidos.
No caso específico da Alemanha, o que explica esse crescimento do apoio à extrema direita, nos últimos anos?
O cenário mudou bastante. Em 2005, grupos de extrema direita tomaram as ruas e, em 2015, a chamada “crise dos refugiados” provocou um movimento racista em massa nas ruas. Agora, temos um partido de extrema direita que está representado em todos os parlamentos estaduais, exceto em dois, incluindo o Bundestag, e que é o segundo partido mais forte na Alemanha, segundo as pesquisas, com mais de 20% das intenções de voto.
Além do apoio em determinados meios de comunicação, a AfD conta com um grande número de associações e, graças a essas redes, é agora um ator central. Sem dúvida, seu crescimento está relacionado ao estouro racista de 2015 e depois encontrou continuidade no movimento negacionista da pandemia. Muitas pessoas aprenderam como isto a organizar manifestações, enfrentar a polícia, atacar jornalistas etc.
A AfD conseguiu colocar o tema da migração no centro do debate. Por que a questão migratória tem tanto impacto no discurso político alemão?
Desde sempre, a extrema direita se mobiliza, com todos os seus meios, contra a migração, mas agora assistimos a uma mudança: até mesmo pessoas que votam em partidos democráticos têm certas atitudes racistas, nacionalistas ou autoritárias. Em um momento como o atual, quando a questão da migração é levantada como um tema central no debate público, as ideias se deslocam ideologicamente em favor de um marco racista.
Se os outros partidos respondessem aos argumentos da AfD de forma ofensiva, o efeito de sua mensagem contra a migração seria menor, mas não é o que acontece. Há anos que políticos de outros partidos, como a CSU (União Social-Cristã) [aliada da CDU (União Democrata-Cristã) na Baviera], identificam a migração como a fonte de todos os problemas, ou seja, os outros partidos não só não impedem a mensagem e a enfrentam, como também usam e reproduzem a mesma linguagem da AfD.
Que estratégias os partidos extremistas utilizam para melhorar sua imagem e tornar aceitável uma ideologia que não é moralmente consequente em um país que viveu o nazismo?
É uma pergunta complexa. Quantos eleitores da AfD realmente concordam com a maior parte de seu programa? Na Turíngia, onde a AfD obteve mais de 30% dos votos, algumas pesquisas sugerem que metade desses eleitores estão realmente convencidos, ou seja, identificam-se claramente com os pontos do programa. Eu diria que, em nível nacional, esse número provavelmente está em torno de 10%.
Outros partidos extremistas na Europa, como os Democratas Suecos e [o Reagrupamento Nacional] de Le Pen, tentam projetar uma imagem moderada. Este enfoque parece ser diferente na Áustria e na Alemanha, onde o FPÖ e a AfD seguem uma linha de radicalização constante. Ao mesmo tempo, durante as campanhas eleitorais, esses partidos se esforçam para se apresentar como próximos dos cidadãos, oferecendo propostas que, a princípio, podem parecer atraentes. No entanto, muitas vezes, não são revelados os contextos completos dessas propostas, que só seriam viáveis se certos setores da população fossem excluídos de modo radical. As campanhas são elaboradas para serem persuasivas, é verdade, mas em termos programáticos, como vimos na última conferência federal do partido, parece não haver moderação alguma.
Além disso, se acompanharmos a cobertura dos meios de comunicação alemães, é difícil encontrar um dia em que algum membro da AfD não esteja envolvido em alguma controvérsia relacionada a temas racistas ou neonazistas. Isto gera uma quantidade considerável de material que deixa claro que, para além da imagem moderada que tentam projetar, sua ideologia continua sendo radical e abertamente xenófoba.
Como os meios de comunicação deveriam abordar o tema do extremismo de direita? O que os jornalistas estão fazendo de errado?
Um dos enfoques mais eficazes da extrema direita é compreender a lógica dos meios de comunicação. Um bom exemplo disso é quando, alguns anos atrás, o Movimento Identitário exibiu uma enorme faixa contra a imigração no Portão de Brandemburgo. O cálculo por trás desta ação era bem simples: o Portão de Brandemburgo é um dos símbolos nacionais mais conhecidos e existe uma alta probabilidade de que essa imagem apareça nas capas dos jornais. E de fato isto aconteceu.
Os meios de comunicação aprenderam um pouco a não cair tão facilmente nessas armadilhas, mas o problema persiste. Minha opinião é que, embora seja fundamental informar sobre a direita radical, tais incidentes não requerem uma cobertura excessiva. Em vez de uma grande notícia, uma breve informação seria suficiente. Então, alguns dias depois, uma análise mais aprofundada do contexto poderia ser oferecida.
O principal problema na cobertura midiática, embora isso não se aplique a todos os meios de comunicação, é que muitos tratam a AfD como se fosse apenas mais um partido político, simplesmente porque tem 20% de apoio. Um exemplo é o programa de entrevistas de verão nos canais de televisão públicos - ARD e ZDF -, quando todos os líderes dos partidos são convidados a participar, inclusive os da AfD. Embora, às vezes, sejam interrogados de forma crítica, muitas vezes, os jornalistas estão mal preparados e subestimam o que a AfD está fazendo.
É claro, os meios de comunicação devem informar sobre os acontecimentos sociais e políticos, mas muitas vezes há uma abordagem ingênua, por assim dizer, ao lidar com a AfD. É necessário um enfoque mais sofisticado e uma formação mais adequada nos meios de comunicação para abordar tais temas. Os jornalistas precisam estar mais bem preparados para compreender a dimensão e as implicações do fenômeno. Além disso, a AfD gera uma grande resposta através de seu alcance nas redes sociais, o que faz com que dependa muito menos dos meios de comunicação tradicionais.
Que medidas as sociedades democráticas devem tomar para combater a influência dos movimentos extremistas de direita?
Em primeiro lugar, estou convencido de que uma proibição da AfD seria tanto correta quanto possível. Na Alemanha, há um amplo debate sobre esse tema, com diferentes perspectivas entre advogados, cientistas políticos, políticos e meios de comunicação. Embora essa questão continue sendo controversa, há uma tendência crescente em favor de explorar tal opção. No final, será um tribunal independente que tomará a decisão.
Em segundo lugar, penso que é fundamental que os partidos democráticos defendam de forma clara e categórica que a Alemanha é uma sociedade formada pela imigração, incluindo pessoas que chegam como solicitantes de asilo. A imigração moldou o país e, além disso, são necessários recursos econômicos para gerir o processo de acolhida dessas pessoas.
Toda vez que acontece um ataque trágico ou um ato de violência, há uma tendência a endurecer as leis, ou seja, esses ataques são utilizados indevidamente para implementar políticas anti-imigração. Isto também é evidente nas campanhas eleitorais: embora a CDU e a CSU tenham afirmado que não abordariam o tema da migração, na realidade, estão apresentando ideias nesse campo que são incompatíveis com a legalidade.
Por outro lado, também é necessário restaurar a confiança nos partidos democráticos e na democracia em geral, embora este seja um processo longo e contínuo que não pode ser alcançado da noite para o dia. E uma política de justiça social também é imprescindível. Precisamos de mais moradias e maiores investimentos em infraestruturas, incluindo as infraestruturas sociais. A pobreza infantil continua sendo um problema sério. São medidas cruciais que não são necessárias apenas para o bem-estar social, também podem fortalecer a confiança na política democrática a médio prazo.
No âmbito da educação política, é crucial fortalecer a sociedade civil e as estruturas democráticas, especialmente nos estados do leste da Alemanha, onde os partidos majoritários nas zonas rurais costumam ser a AfD e a CDU, com pouca presença de outros atores políticos. É necessário criar mais oportunidades de participação para aqueles que desejarem se envolver.
Você tem medo das consequências que possam surgir do crescimento da extrema direita na Alemanha?
Pessoalmente, não tenho medo. Trabalho nisso há tanto tempo que, de alguma forma, não me considero mais uma pessoa ansiosa. No entanto, sim, estou preocupado com as condições sociais, especialmente as dos grupos que já estão marginalizados na sociedade. É evidente que as decisões políticas provavelmente serão tomadas em nível estadual e federal e afetarão negativamente as pessoas de baixa renda e as que buscam proteção ou um novo lar na Alemanha. É isto o que me preocupa.
Além disso, essa tendência faz parte de um fenômeno internacional. Quando observamos outros países, como a Áustria, por exemplo, podemos ver que os partidos de extrema direita estão participando dos governos, o que está mudando as estruturas políticas e alterando permanentemente o equilíbrio de poder. Penso que isto é algo que deve ser uma preocupação séria. Na Polônia, por exemplo, é evidente o quão difícil é reverter essas mudanças. E ainda não se sabe o que acontecerá nos Estados Unidos com o governo Trump.