03 Fevereiro 2025
"Sem dúvida, uma “pastoral da cultura’ é sempre necessária, já que esta é a manifestação sensível de tudo o que é humano. E o ser humano é a via da Igreja", escreve Pe. Matias Soares, pároco de Santo Afonso M. de Ligório, Natal, Rio Grande do Norte.
A Igreja tem tido presente a urgência da pastoral em chave missionária. A saída para as fronteiras é uma prerrogativa que gradativamente, principalmente, no pós-concílio, tem sido considerada a partir do paradigma missionário. A sua pastoralidade assumiu a necessidade do diálogo com a cultura. Esta não é mais um empecilho, uma realidade a ser combatida; mas uma via a ser seguida, com a atenção à leitura dos sinais dos tempos. Tudo o que é humano não pode ser indiferente a vida da Igreja, já que ela é chamada a ser “Mãe e Mestra”. Na universidade estão os cristãos e não cristãos, que têm as “sementes do Verbo”. A luz da razão é lugar teológico. Nela a verdade de Deus encontra morada. A tradição cristã reconhece e tem uma linha transversal que não renega a racionalidade do caminho da fé. Tenhamos presente o que São João Paulo II nos ensinou na Fides et Ratio (Fé e Razão), como “as duas asas pelas quais podemos contemplar a Verdade”. Até a passagem da idade média para o início da Era moderna, esse era o caminho do conhecimento. A modernidade ocidental, com seu projeto cientifico, a partir de Francis Bacon, com sua autonomia racional e política, através do Iluminismo, corporificados na Revolução Industrial, assumiu outras vias que geraram muitas barreiras, preconceitos e negação das possibilidades da aliança entre a fé e a razão. A pastoral universitária encontra nesse desenrolar histórico seu entrave contemporâneo e sua emergência pastoral nas fronteiras da academia.
A Igreja Particular de Natal tem uma trajetória profícua e marcada por protagonismo nestas conjunturas do conhecimento, apesar do reconhecimento destes fatores históricos, que demarcaram o início da modernidade. A pastoral universitária já existira em tempos passados, com testemunhos de muitas lideranças que até os nossos dias recordam de personalidades eclesiásticas que contribuíram com a promoção da ciência em nosso estado. Foram tantos ministros ordenados que foram professores e contribuíram em vários cursos de humanidades e fundação de escolas e cursos. Eram outros tempos e desafios; mas também com outras possibilidades. Com suas bases na área das ciências humanas, línguas clássicas e a própria credibilidade da Igreja, alguns tinham vias “mais amenas” para ingressarem na universidade. Muito diferente do que temos hoje, quando as exigências são outras: doutorados e pós-doutorados, com concursos mais concorridos e o olhar de desconfiança para com a Igreja são barreiras que se nos são postas, já que houve um hiato no investimento da formação acadêmica dos ministros ordenados em tempos passados e que perdura no moderno. Temos que avançar e ter coragem de assumir outros horizontes e estratagemas. A proximidade e o diálogo com a academia têm que seguir outros métodos de presença. Sem dúvida, o caminho é a proximidade e a articulação, a começar das paróquias, dos fiéis leigos que aí estão e têm sua presença efetiva no ambiente da academia. Já defendi e continuo com a ideia de que a pastoral universitária precisa acontecer em todas as paróquias da Arquidiocese, com a abertura e empenho dos irmãos presbíteros na viabilização deste canal de evangelização junto aos professores, alunos e demais integrantes das universidades que têm a sua vida de fé e estão nas comunidades eclesiais. Mas, como a nossa prática pastoral continua a ser a da manutenção, o medo da relação com o diferente nos atrofia e distancia destas realidades.
Além das muitas escolas católicas presentes em nosso território arquidiocesano, é digno de nota e atenção o que fora vivido pela nossa Igreja Local durante o “Movimento de Natal”, pelo final da década de cinquenta e toda década de sessenta, com as “escolas radiofônicas” (cf. Alceu R. Ferraro, “Igreja e Desenvolvimento – O Movimento de Natal”, pág. 179-184), através do SAR – Serviço de Assistência Rural. A experiência exitosa iria ser assumida pelo Estado com a fundação do MEB – Movimento Educacional Brasileiro. Como já escrevi em outra oportunidade (Disponível aqui), esse espírito de protagonismo, com a abertura de coração aos novos sinais dos tempos, nesse “admirável mundo novo”, pode ser revivido, porque temos a beleza transcendente da “Alegria do Evangelho”. É Ele a nossa força e a razão de ser da missão da Igreja. O magistério do Papa Francisco tem nos oferecido muitas possibilidades de inserção na cultura contemporânea, inclusive no âmbito da academia, através da proposta do “Pacto Educativo Global”. Ampliando as perspectivas, temos a riqueza propositiva do pensamento social da Igreja, desde Leão XIII, e seus sucessores, até os nossos dias.
Por isso, sem ficar num saudosismo infecundo e, às vezes, nocivo, precisamos viver a espiritualidade sinodal para sentir e acolher o que nos é dito pelo Espírito Santo, em nossos dias, à Igreja que está em Natal. Teremos uma excelente oportunidade de escuta e projeções evangelizadoras deste mundo da cultura no Sínodo. Sem dúvida, uma “pastoral da cultura’ é sempre necessária, já que esta é a manifestação sensível de tudo o que é humano. E o ser humano é a via da Igreja. Estamos pleiteando um “pacto educativo estadual pela educação”, na linha e princípios do que propusera o Papa Francisco, com o pacto global pela educação. Essas formas de testemunhar a missão da Igreja, em nossos tempos, é o que podemos e devemos fazer. Para isso, o estilo sinodal é o modo operativo imprescindível. É uma manifestação profética, num mundo tão marcado pelas polarizações e violações da dignidade dos seres humanos, inclusive no ambiente da academia. A Igreja Particular de Natal é chamada a essa conversão evangélica e estrutural. Ser promotora de pontes. O contexto e a ordem sistêmica são outros; mas a paixão pelos valores do Reino de Deus precisa ser a mesma de outrora. Assim o seja!