03 Fevereiro 2025
Munther Amira está nos esperando em seu apartamento no campo de refugiados de Aida, em Belém, na Cisjordânia. Para chegar lá, passamos por baixo de um grande arco encimado por uma enorme chave. É um símbolo da “nakba” de 1948, o ano da “catástrofe”, como os próprios palestinos a chamam, em que milhares deles foram forçados a deixar suas casas.
A reportagem é de Alessia Arcolaci, publicada por Domani, 24-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Também a família de Munther, hoje conhecido como um dos ativistas pacifistas mais influentes da Palestina, teve que deixar sua casa. Primeiro para ficar em uma tenda no campo de Aida, depois em um apartamento que também foi construído lá, no campo de refugiados que hoje abriga cerca de 8.000 palestinos.
Uma comunidade que aprendeu a viver em 0,7 quilômetro quadrado, na espera de “voltar para casa”, ou seja, em uma terra que a maioria das pessoas nascidas e crescidas ali nunca viu. Quando nos sentamos em frente a Munther Amira, 53 anos, ele solta um longo suspiro. Ele balança a cabeça e conta que, alguns dias antes de nossa chegada, os soldados israelenses entraram no campo à noite, como costumam fazer, e invadiram o centro para meninos e meninas, onde ele cuida da assistência dos mais jovens. Atrás dele há uma foto que o mostra recém-saído da prisão, com o rosto encavado e a barba desgrenhada. “Fiquei na prisão por quatro meses, esta última vez foi certamente a pior de toda a minha vida”.
Era pouco depois de 7 de outubro de 2023 e, no início de janeiro de 2024, foi confirmada a detenção administrativa de Amira, ou seja, a possibilidade para as autoridades israelenses de manter suspeitos detidos sem acusação ou sentença. “Entrei na prisão pela primeira vez quando tinha 16 anos e depois pelo menos em outras cinco ocasiões”. Enquanto conversamos, os filhos e amigos de Munther Amira entram e saem da casa. Alguns trazem café, outros trazem cigarros. Munther dosa as palavras e entra nos detalhes.
“Durante o primeiro controle na prisão, eles me obrigaram a ficar nu, depois algum dos soldados disse que se podia começar a festa. Assim começaram a me empurrar contra a parede e a inspecionar entre minhas pernas com o magnetômetro. Eles sabem muito bem onde e como usar isso. Nesse momento, perdi a consciência e não sei dizer se o que sofri foi um abuso sexual”.
De acordo com dados da organização não governamental israelense B'Tselem, em julho de 2024, havia 9.623 palestinos detidos em prisões israelenses. Pelo menos metade não teve um processo e nem mesmo a possibilidade de se defender legalmente. Vários relatórios apresentados pela B'Tselem e Anistia descrevem a prisão destinada aos palestinos como um verdadeiro inferno.
Até o momento, como resultado do acordo assinado entre Israel e o Hamas, entre 1.000 e 2.000 prisioneiros palestinos deveriam ser libertados nas três fases da trégua. Em 19 de janeiro, o primeiro dia da trégua, 90 foram libertados.
“Na cela não havia janelas e, onde antes éramos seis, naqueles meses havia pelo menos o dobro. Da nossa seção, também podíamos ouvir os prisioneiros que chegavam de Gaza, alguns deles se suicidaram, outros foram mortos. Ainda posso ouvir o desespero deles em meus ouvidos”, continua Munther.
A verdadeira tortura, aquela que ainda o faz fechar os olhos quando conta, é a psicológica.
“Você não sabe quando vai acabar o que você está sofrendo, você tem pesadelos enquanto está acordado, enquanto dorme. Em todo lugar há o lamento constante de quem chora, de quem grita, de quem está morrendo de dor. O pior momento é quando você ouve seu nome ser chamado. Toda vez eu pensei ‘chegou o fim’. Eu achava que não sairia vivo dali”.
Munther muitas vezes entra em conflito com aqueles que o acusam de dizer coisas inúteis diante de mais de 46.000 mortos. “Falar sobre não violência aqui é difícil”, explica Amira. “Gerações inteiras nasceram e cresceram sob o domínio da violência. Mas essa mesma guerra, que começou muito antes de 7 de outubro de 2023, provou que eu tinha razão”.
Hoje, Amira continua a lutar pelos direitos dos prisioneiros palestinos e da população. “Antes de sair da prisão, você tem de assinar um documento declarando que não falará com os jornalistas. Eu não vou deixar de fazer isso, mesmo que custe minha vida, mesmo que meus próprios filhos estejam me pedindo, mesmo que isso signifique voltar para a prisão. Não posso parar, caso contrário eles venceram. Temos o direito de viver, com dignidade”.