23 Janeiro 2025
"A questão é como reagir a essa revolta antiliberal. A resposta da direita, que tem no trumpismo sua manifestação mais vistosa, mas que também podemos perceber no novo “moderatismo” italiano, é o choque de civilizações", escreve Davide Assael, judeu italiano, fundador e presidente da associação lech lechà, professor de filosofia e escritor, em artigo publicado por Domani, 21-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
As imagens dos milicianos do Hamas cheios de si e triunfantes enquanto entregam os primeiros reféns israelenses (primeiro destinatário a ANP) são apenas as últimas de um quadro do Oriente Médio que poderia fechar o ciclo aberto com a revolução khomeinista de 1979. Entre os vários temas políticos, o redesenho dessa área extremamente sensível do mundo apresenta temas interculturais, que se manterão presentes nos próximos anos.
Gosto de resumi-los com uma anedota que me foi contada pela professora Claudia Mazzucato, uma das pessoas a quem devemos a importação dos princípios da justiça restaurativa para a Itália. A conferência de 2024 dessa importante prática de justiça foi realizada no Havaí. Seguindo uma tendência que surgiu nos últimos anos, os/as palestrantes ocidentais estavam em clara minoria, testemunhando, entre outras coisas, um interessante crescimento acadêmico de países que, finalmente diríamos, estão ganhando centralidade no debate cultural.
Muitos/as desses palestrantes apareceram em suas sessões com roupas tradicionais, querendo com isso exibir com orgulho suas tradições oprimidas pelo colonialismo ocidental. Uma palestrante chegou a tirar os sapatos antes de iniciar sua apresentação, por ser símbolo colonial. Trata-se de uma reação tão enraizada que já encontrou uma sua tradução filosófica, que, como se sabe, chega ao anoitecer como a coruja de Minerva.
Autores ligados à Critical Race Theory, ou à galáxia pós-colonial e descolonial, há muito enfatizam essa reação identitária, não deixando de se chocar com profundas contradições, de forma que sua legítima aspiração à autodeterminação acaba por assumir como modelo tradições pré-modernas, que certamente se chocam com a postura liberal tradicional que está na base dos processos de emancipação.
Entre nós a contradição assumiu valor midiático com o caso francês do comediante Dieudonné, que imitava a saudação nazista durante seus espetáculos justamente num viés antissionista e antiocidental. Caso do qual depois trataram as autoridades locais. Contradições das quais os principais expoentes desses movimentos estão perfeitamente cientes. Aqui também temos um exemplo: a fundadora do Partido Indígena da França, Houria Bouteldja, contornou o obstáculo argumentando que todos os elementos hierárquicos e patriarcais foram exportados pela lógica capitalista funcional ao modelo extrativista e explorador do colonialismo ocidental, propondo como antídoto o retorno a uma mitificada pureza originária. Uma manobra hábil, que claramente sofre de um princípio de retroflexão do olhar, como diria meu professor Carlo Sini, pelo qual se acaba projetando uma mentalidade presente sobre o passado.
Mas o que autoras e autores que se dedicaram a campos até mesmo muito diferentes têm em comum? A rejeição unânime do modelo de emancipação ocidental. E também aqui temos um amplo espectro que vai desde as posições mais particularistas até aquelas que tentam encontrar novas fórmulas de conciliação entre universal e o particular, como a do grande autor muçulmano senegalês Souleiman Bachir Diagne. O problema não é a interpretação do fenômeno, que é expressa apertis verbis por seus principais representantes, mas a maneira como o abordamos.
Um verdadeiro dilema para a consciência ocidental, cujos princípios libertários reúnem tanto a aspiração à emancipação dos povos oprimidos quanto os ideais igualitários que as tradições pré-modernas ignoram. Paradoxo da lógica universalista assumido com grande consciência pela obra de Etienne Balibar.
A questão é como reagir a essa revolta antiliberal. A resposta da direita, que tem no trumpismo sua manifestação mais vistosa, mas que também podemos perceber no novo “moderatismo” italiano, é o choque de civilizações. Opção impraticável para uma esquerda que não pode despender um potencial tão grande assim de emancipação social. Isso lembra um antigo debate talmúdico: em Jericó sacrificam crianças ao deus Moloch, o que fazer? Se eu travar guerra contra Jericó, estarei seguindo uma lógica assimilacionista/imperialista que não respeita as identidades alheia; se não fizer, estarei desconsiderando o destino das crianças. O debate, iniciado há séculos, ainda não terminou.
Em vez de ir em busca do liberalismo na China, no Irã ou na África, ou de idealizar esperança democrática na Síria de al Jolani para manter firmes os preconceitos antissionistas pessoais, deve-se levar em conta o fato de que o fim da hegemonia ocidental coincide com o questionamento do liberalismo moderno e começar a negociar um verdadeiro direito internacional, que lhe permita se equipar daqueles instrumentos coercitivos necessários para incidir não apenas no plano da reputação. Esse direito seria muito necessário, mas há um preço a ser pago por todos.