06 Setembro 2012
Há muito tempo eu havia amadurecido uma meditada estima por esse arcebispo de Milão, que corajosamente se esforçava e se expunha em favor dos direitos do trabalho e da justiça social, e lutava pela acolhida dos irmãos que vinham de longe.
A opinião é do filósofo italiano Carlo Sini, ex-professor da Universidade de Milão, em artigo publicado no jornal L'Unità, 01-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Eu encontrei pela primeira vez o cardeal Martini por ocasião da preparação dos programas para a Cátedra dos Não Crentes. Ele me acolheu no seu escritório no arcebispado, à noite. Na penumbra, ele veio ao meu encontro com aquela simplicidade e cordialidade, nunca afetado e nunca impostado, que todos aqueles que o conheciam lembravam e admiravam nele. O trato acolhedor contrastava, sem que ele certamente percebesse, com aquela sua figura singularmente alta e hierática que não podia não chamar a atenção de quem, pela primeira vez, o encontrava e que, no entanto, permanecia impressa depois na memória.
Falamos do diálogo que, alguns dias depois, nos veria juntos na aula magna da Università degli Studi di Milano. O assunto daquele ano, para a Cátedra, era o tempo, e eu tinha me proposto a concentrar a minha intervenção sobre Agostinho. Eu esperava alguma pergunta discreta referente à sistematização que eu pretendia dar ao discurso, mas com senhoril desapego e discrição, Martini não fez o mínimo aceno a isso.
Tratava-se simplesmente de um contato preliminar para nos conhecermos um pouco, e foi sobretudo ele que falou de si mesmo, do seu amor pelos estudos teológicos, infelizmente há muito tempo limitados pelos seus encargos pastorais, da sua convicção de que a pesquisa vive de liberdade: a iniciativa da Cátedra dos Não Crentes era pensada precisamente nesse espírito de caridade e de abertura.
Ele falava com uma modéstia não afetada e com uma serenidade de tom que, de um lado, atraíam à confiança, e de outro e ao mesmo tempo, impunham uma instintiva reserva. Há muito tempo eu havia amadurecido uma meditada estima por esse arcebispo de Milão, que corajosamente se esforçava e se expunha em favor dos direitos do trabalho e da justiça social, e lutava pela acolhida dos irmãos que vinham de longe.
Para a minha conferência na universidade, eu me preparei com muito empenho, naturalmente: mesmo os não crentes têm, a seu modo, uma alma. Mas Martini, tomando a palavra depois de mim, disse literalmente: "O professor Sini nos colocou contra a parede!". Ele aludia de brincadeira, com essa metáfora de escaladores, às passagens talvez árduas demais da minha conferência. De sua parte, baixou consideravelmente o nível e o tom: falava para os seus crentes e para o bom povo de Deus, sem nenhuma pretensão de figurar bem. Até nisso eu o admirei: a cada um a sua parede e a sua parte, com recíproco respeito e transparente honestidade.
Encontrei Martini uma segunda vez por ocasião da encíclica "filosófica" do Papa Wojtyla: tratava-se de um congresso organizado pela diocese milanesa para o qual eu fui convidado a dar uma interpretação "secular" do texto. Eu não fiz nenhum mistério da minha posição crítica sobre certas teses, mas Martini não me escutou: depois de ter aberto os trabalhos e agradecido os presentes, foi embora, alegando compromissos inadiáveis.
Ele tinha feito o seu dever, organizando da melhor forma possível a manifestação; mas eu tive a impressão de que ele não era um entusiasta da encíclica. Se eu repenso na conversa privada no arcebispado e nas suas referências ao modo de entender os estudos religiosos, a insistência da encíclica em favor de uma filosofia universal que caracterizaria a humanidade inteira, consciente ou inconsciente, eu não podia perceber que ele consentia com o texto, ou assim me pareceu e me parece.
A grande e nobre figura de Martini me lembra o que disse Enzo Paci por ocasião do discurso de Paulo VI na ONU: se um papa fala assim, nós só podemos nos regozijar. O espírito sopra onde quer e não nos pede para decidir onde, como e para quem. A Cátedra para os Não Crentes foi um sinal indelével disso.
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Martini e a atenção aos não crentes. Artigo de Carlo Sini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU