23 Janeiro 2025
O problema é o Código de Direito Canônico, que no artigo 129 prescreve que o poder de governo está ligado à ordem. Os leigos (homens e mulheres) podem colaborar, mas não mais do que isso. Esse é o comentário que mais se ouve no Vaticano, depois da nomeação da Irmã Simona Brambilla como prefeito (ela, porém, assinou o primeiro documento oficial como “prefeita”) do dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Esse é um problema sério, tanto que, ao mesmo tempo em que Brambilla foi promovida, o Papa nomeou um pró-prefeito (Cardeal Fernández Artime) com o objetivo de garantir de alguma forma as normas e as formas.
A reportagem é de Matteo Matzuzzi, publicado por Il Foglio, 14-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Andrea Grillo, professor titular de Teologia Sacramental no Pontifício Ateneu Sant'Anselmo, em Roma, e professor no Instituto de Liturgia Pastoral Santa Giustina, em Pádua, e que certamente não se enquadra na categoria dos conservadores nem no numeroso grupo de inimigos do pontificado (presumidos ou efetivos), tem mais de uma dúvida: “Acredito”, disse ele ao Foglio, “que se deve distinguir entre dois níveis da questão: o primeiro diz respeito ao reconhecimento geral da autoridade das mulheres, o segundo à peculiaridade institucional da Cúria Romana. Sobre o primeiro plano, não há dúvida de que um papel mais proeminente adquirido pelas batizadas de sexo feminino é um fato relevante. No entanto, esse fato indubitável não é acompanhado por uma reflexão teológica à altura. As questões são deixadas para serem resolvidas por burocratas. Soluções dessa forma resultam inevitavelmente sem respaldo eclesial. Por outro lado, é fácil resolver a questão transferindo-a para a missio canonica, que pensa a autoridade apenas como ‘governo’ e pode delegá-la sem limites. Aqui, no entanto, cai-se justamente naquela funcionalização que se queria evitar em palavras. Tudo se torna possível quando se separa o governo da Palavra e do Sacramento. E foi exatamente isso que o Vaticano II nos pediu para superar”.
Há, entretanto, vários defensores da licitude sem forçar a nomeação, mesmo dentro das universidades pontifícias. A ponta de lança dessa corrente de pensamento é o Cardeal Gianfranco Ghirlanda, ex-reitor da Gregoriana, segundo o qual o poder derivaria exclusivamente do mandato conferido pelo Pontífice. Não há o risco, porém, de acreditar que o Papa pode fazer tudo e azar da sinodalidade e o desejo - bastante compartilhado nas Igrejas particulares - de inverter a pirâmide hierárquica? “Certamente, justamente esse raciocínio me parece pouco apropriado. O Concílio Vaticano II nos pede para pensar no episcopado (também no Papa como bispo de Roma) não apenas como o titular de uma potestas iurisdictionis. Se mantivermos essa visão, a ampliação dos sujeitos competentes para comandar decorre de uma restrição da ideia de autoridade, em sentido estritamente antissinodal. Assim, ninguém é dotado de poder próprio, mas apenas o deriva do papa. Em relação à imagem que está em São Paulo Fora dos Muros, seria como imaginar um pequeno crucifixo aos pés de um enorme papa! Essa forma pode satisfazer os burocratas, não os fiéis católicos, que estão realmente preocupados com o reconhecimento de sujeitos dotados de 'autoridade própria', não apenas de autoridade derivada”.
Uma freira prefeita assistida (ou tutelada?) por um pró-prefeito cardeal: isso não seria um expediente inútil que indica uma renovada burocratização da cúria que, em teoria, deveria ser simplificada pela grande reforma na qual se trabalhou por nove anos? Na opinião de Grillo, “a solução evidentemente revela um esforço teórico nada pequeno. Na realidade, as coisas não podem ser resolvidas apenas por uma constituição apostólica. Se o Código diz que o poder de governo deriva da ordenação (e só diz isso desde 1983, como aplicação do Vaticano II), ou o Código é reformado, e então também se torna linear a condição de um prefeito sem ordenação, ou é aberto à ordenação das mulheres, para reconhecer plenamente sua autoridade”.
Mas se o poder deriva apenas do mandato papal, por que isso não foi esclarecido na reforma que levou à Praedicate evangelium? Dessa forma, parece que a linha inspiradora é a clássica “vamos fazer, mas não vamos dizer”... “Isso é o que eu antes definia de 'solução burocrática', que descende exatamente daqueles 'alfândega pastoral’ que o papa Francisco certa vez chamou de 'oitavo sacramento'. Para não cair nessa armadilha, a questão da autoridade das mulheres deve ser abordada de forma diferente. O fato de que também durante o Sínodo tenha se falado de ‘participação no governo’, excluindo toda discussão sobre a ordenação (até mesmo diaconal), é o sinal de um grave defeito em nível teológico-sistemático. Sem abordar as questões nesse nível, nenhum desafio real é assumido: nem a ordenação de mulheres, nem o reconhecimento de famílias de fato, nem o discernimento sobre as práticas sacramentais ilícitas ou inválidas podem ocorrer com base na doutrina tridentina sobre a ordem, sobre o casamento ou sobre a validade dos sacramentos”.
Acabamos nos perguntando, então, se é assim que o “gênio” feminino é recompensado na Igreja, confiando um dicastério a uma religiosa, mas sob a tutela de um cardeal necessariamente homem. Isso não corre o risco de ser humilhante para ambos, para além das competências específicas e capacidades reconhecidas? “Eu não falaria de gênio feminino, mas da autoridade pública e eclesial de batizadas de sexo feminino. Esse é o ponto do qual não se pode escapar nem por idealizações abstratas nem por normativas retorcidas e ‘estados de exceção’ Muitas são as confusões que nascem de boas intenções: vimos várias delas nos últimos anos. Pensar em honrar novas realidades com instituições antigas é, muitas vezes, uma ilusão, que piora a situação. Ninguém pode duvidar de que há uma vontade de reconhecer a autoridade das mulheres. Para isso, é necessário romper com muitos preconceitos, inclusive de caráter institucional. Quando o Papa Francisco quis, no início de seu pontificado, um ‘quarto só seu’ em Santa Marta, ele fez um gesto decisivo, que me lembrou o famoso livro de Virginia Woolf, ‘Um quarto só seu’. Uma das condições para a atribuição de autoridade às mulheres é que possam habitar quartos só seus, sem ‘pertencer’ a nenhum homem (ordenado, ancião, cardeal ou santo). As mulheres devem ser reconhecidas sem novos ou velhos paternalismos. Isso não é fácil, mas exige soluções lineares e não trapalhadas. Assumi-las também requer uma profecia eclesial em nível legal e institucional, que saiba repensar o poder na Igreja como a unidade de realeza, profecia e sacerdócio. Essa unidade, tão decisiva, parece-me estar completamente ausente dos debates em torno do novo prefeito Brambilla”.