21 Janeiro 2025
"A tinta ainda não secou nos papéis que estipulam o cessar-fogo e já circulam rumores sobre a suposta promessa de Netanyahu à ala dos colonos israelenses de que o acordo nunca entrará em sua segunda fase e que Israel pretende retomar os combates em Gaza", escreve Etgar Keret, escritor israelense, em artigo publicado por Corriere della Sera, 20-01-2025. A A tradução é de Luisa Rabolini.
Nos últimos dezesseis meses, pensei pouco sobre o futuro e menos ainda sobre o passado, pois minha mente estava ocupada com o presente. Conheço bem essa sensação de anos anteriores, uma espécie de instinto de sobrevivência que economiza energia em programas e reflexões, para concentrá-la toda no imediatismo da existência.
Agora que um acordo de cessar-fogo foi assinado entre Israel e o Hamas, o pensamento sobre o futuro gradualmente assume os contornos da realidade, aquele tão debatido “dia seguinte” que nos aguarda, com a libertação do último refém israelense e o fim da guerra em Gaza. Somente agora entendo mais claramente por que Benjamin Netanyahu e a liderança do Hamas se esforçaram tão obstinadamente neste último ano justamente para evitar a assinatura de um acordo que traria alívio para ambos os lados, e por que foram necessárias as pressões e as ameaças de dois presidentes estadunidenses e de todo o mundo árabe para que os adversários se sentassem à mesa de negociações.
A guerra que começou em 7 de outubro representou um trauma pavoroso para ambas as nações, e não há dúvida de que, no momento em que terminar, os dois contendentes terão de prestar contas com seus odiosos dirigentes que provocaram esse tremendo banho de sangue. É impossível imaginar uma realidade pós-guerra em que os próprios líderes do Hamas continuarão a governar a Faixa de Gaza, como se não tivessem sido eles que infligiram morte e devastação ao seu próprio povo, ou como se o governo de Netanyahu e sua coalizão messiânica pudessem aspirar à reeleição depois de semear tanto ódio e destruição.
No entanto, enquanto toda a região aguarda ansiosamente o fim desse pesadelo para olhar para frente para um futuro melhor, os líderes que terão de assinar e implementar o acordo parecem esconder uma agenda totalmente diferente. A tinta ainda não secou nos papéis que estipulam o cessar-fogo e já circulam rumores sobre a suposta promessa de Netanyahu à ala dos colonos israelenses de que o acordo nunca entrará em sua segunda fase e que Israel pretende retomar os combates em Gaza.
Na semana passada, a agência de notícias israelense N12 informou que o Hamas está recrutando novos milicianos em Gaza e que eles afluem em número superior àquele dos que foram mortos ou capturados pelo exército israelense. Em outras palavras, continua-se no mesmo caminho e se alimenta aquela perversa engrenagem mortal que deliberadamente atiça as brasas do conflito, garantindo a todos nós que continuaremos a viver em um presente sangrento que nunca terá fim. Até que o cessar-fogo se concretize, não temos outra opção a não ser manter o olho atento e não permitir que os arquitetos dessa tragédia tenham a menor chance de arruinar o acordo que colocará um fim à guerra, trará os reféns de volta para casa e devolverá à nossa região martirizada aquela centelha de esperança e humanidade de que todos nós precisamos tão desesperadamente.