19 Dezembro 2024
Oito milhões de peregrinos são esperados em Goa, Índia, até 5 de janeiro para a exposição decenal das relíquias de São Francisco Xavier. O teólogo e antropólogo Michel Chambon, que vive em Singapura, explora o legado duradouro do missionário jesuíta pela Ásia.
A entrevista é de Louis Mathieu, publicada por La Croix Internacional, 18-12-2024.
Oito milhões de peregrinos são esperados em Goa para ver as relíquias de São Francisco Xavier. O que explica tamanho entusiasmo?
Esta tradição profundamente enraizada foi estabelecida pelos portugueses quando Goa era parte de seu império colonial. Goa serviu como centro logístico para todos os seus postos comerciais orientais e o ponto de partida para inúmeras expedições. Os restos mortais de Francisco Xavier foram repatriados para Goa logo após sua morte em 1552. No século XVII, enormes basílicas foram construídas, e a devoção a ele floresceu.
Os portugueses o usaram como um símbolo de poder, um mandato divino para afirmar sua superioridade e dominar o mundo católico. Por mais de dois séculos, começando em 1782, suas relíquias foram exibidas ao público a cada dez anos. Este ritual ressoa além dos católicos; os hindus também vêm prestar homenagem ao santo.
Por que esse evento atrai pessoas de fora do catolicismo?
Na Ásia, é bastante comum que figuras associadas à presença divina — como a Virgem Maria — não sejam confinadas a uma religião. Tanto no contexto hindu quanto no chinês, as tradições locais honram alguns santos católicos. São Francisco Xavier, uma figura extraordinária, atrai pessoas de toda a região. Sua celebração transcende as fronteiras religiosas.
Quão significativas são essas celebrações em nível nacional? Elas são limitadas à região de Goa?
As celebrações em torno de São Francisco Xavier também permitem que Goa afirme sua singularidade em comparação ao resto da Índia. Goa sempre foi marítima, orientada para a África e as principais rotas comerciais, tanto antes quanto durante a colonização portuguesa. Isso contrasta com a Índia contemporânea, que é cada vez mais nacionalista e continental. Por meio de Francisco Xavier, Goa reafirma sua identidade universal.
Você mencionou que sua influência é sentida por toda a Ásia. O que resta de seu legado hoje?
Francisco Xavier estava focado em levar o Evangelho às populações locais, mas raramente ficava em um lugar por muito tempo. Ele plantou sementes e seguiu em frente — Goa, Malaca, Molucas, Japão. Essas paradas formam uma constelação com Malaca no centro. Seu ministério era altamente itinerante, muito parecido com Jesus, contrastando com missões mais administrativas que estabeleciam e supervisionavam estruturas.
Muitos grupos culturais asiáticos diversos, não necessariamente católicos, adaptam elementos da vida de São Francisco Xavier para apoiar suas próprias causas, desafiar narrativas e questionar normas predominantes na Ásia.
Pode dar exemplos?
Singapura comemorou o 200º aniversário de sua igreja local em 2020, destacando a visita do missionário Laurent Imbert no século XIX como ponto de partida. No entanto, durante sua visita em setembro, o Papa Francisco lembrou aos fiéis em uma homilia que São Francisco Xavier havia passado por Singapura muito antes.
Esse reconhecimento abriu uma narrativa alternativa à perspectiva colonial britânica. Referências a Francisco Xavier permitem que comunidades eurasianas com raízes portuguesas, populações mercantis e migrantes que estão presentes há séculos resistam à marginalização em uma Cingapura contemporânea que enfatiza sua identidade chinesa.
Como figura ocidental, o legado de São Francisco Xavier funciona como uma ponte entre o Oriente e o Ocidente?
Em vez de servir como uma ponte para o Ocidente, ele abre uma porta para um espaço muito mais amplo além das fronteiras nacionais, particularmente diante do crescente nacionalismo na Ásia. São Francisco Xavier conectou o Japão, a Indonésia e a Índia. Foi em Malaca que ele conheceu um indivíduo japonês que mais tarde o levou ao Japão.
Nas Filipinas, os jesuítas da Xavier University ensinam estudantes filipinos de ascendência chinesa, realizando acampamentos de verão na China. Dessa forma, São Francisco Xavier ajuda a construir pontes entre a China e as Filipinas, transcendendo rivalidades nacionalistas entre os dois países.