Quando a igreja tem dono e lucra, deve pagar imposto. Artigo de Juliano Spyer

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12 Dezembro 2024

Tudo bem ganhar dinheiro, mas, como qualquer empresário, pague imposto.

O artigo é de Juliano Spyer, antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros, publicado por Folha de S. Paulo, e reproduzido no Facebook de André Vallias.

Eis o artigo.

Duas igrejas evangélicas famosas enfrentam escândalos públicos. Na Batista da Lagoinha, do clã Valadão, a disputa entre irmãos levou ao vazamento de áudios e trocas de indiretas no púlpito. Na Bola de Neve, durante o velório do fundador, pastores tentaram enganar a ex-esposa e herdeira para que abdicasse da presidência.

Além do ti-ti-ti sobre o mau exemplo dessas lideranças gospel, as disputas sucessórias nos convidam a examinar o fenômeno das "igrejas com dono". Como elas surgem? Como se diferenciam de outras comunidades de fé? E por que isso importa até para quem não é evangélico?

Mesmo entre cristãos, a ideia de igreja como negócio é vista com desconfiança e evoca imediatamente a Universal, do bispo Macedo. Mas o tema é mais interessante e complexo e não se limita às organizações que pregam a teologia da prosperidade ou operam como multinacionais.

Esse fenômeno tem se tornado mais comum até em igrejas tradicionais. Ele ocorre, por exemplo, em Assembleias de Deus, quando líderes como o pastor José Wellington ou o bispo Manoel Ferreira transferem a liderança de seus respectivos ministérios para os filhos. O mesmo se observa em igrejas históricas, como a Primeira Igreja Batista de Curitiba, comandada pela família Piragine.

A transição de uma entidade civil para uma organização de caráter proprietário é, em muitos casos, um processo orgânico.

O caso da Batista da Lagoinha é exemplar. O pastor Márcio Valadão não fundou a igreja, que durante décadas funcionou como uma congregação histórica ligada à Convenção Batista Brasileira, muito diferente da versão atual, com estética de "parede preta".

Como líder carismático, o pastor Márcio fez a igreja crescer por várias décadas. Esse longo envolvimento gera apego entre o líder e a comunidade de fé, que prefere a segurança de manter aquela família no comando a substituí-la por alguém novo. Ao mesmo tempo, o sucesso da igreja reflete-se no aumento de seu patrimônio, especialmente em infraestrutura.

O crescimento acelerado do número de evangélicos no Brasil não teria ocorrido sem a existência das igrejas com dono. Se o protestantismo chegou ao país por meio de missionários, hoje exportamos igrejas, inclusive inovações como a Cidade de Refúgio, fundada pelo casal de pastoras Lanna Holder e Rosania Rocha, voltada para a comunidade LGBT.

Esses experimentos atiçam a curiosidade. Qual a consequência de o fiel ser tratado como consumidor? E o que acontece quando a igreja se torna uma espécie de "academia de ginástica espiritual", um local para atingir objetivos como desenvolver resiliência ou ser mais produtivo? Isso importa para religiosos e pesquisadores.

Mas há um ponto que interessa à sociedade como um todo. É preciso separar igrejas que funcionam como condomínios ou sindicatos, geridas de forma transparente, e igrejas com dono, que geram lucro. Esse lucro é a raiz das disputas pela marca da Lagoinha e pela sucessão na Bola de Neve.

Tudo bem ganhar dinheiro, mas — como qualquer empresário — pague imposto.

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