06 Dezembro 2024
A conferência de Baku terminou mal e o peso político desse fracasso está projetado na próxima, que será realizada no próximo ano em Belém do Pará, na foz do Amazonas.
O artigo é de Juan Agulló, doutor em Sociologia, professor e pesquisador da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) no Brasil, publicado por El País, 04-12-2024.
O termo geopolítica está na moda. Embora seja normalmente utilizado na análise de tensões e conflitos sobre o controlo dos recursos e das rotas comerciais do futuro, o seu aspecto ecológico está a tornar-se cada vez mais significativo.
Num planeta caracterizado por perturbadoras crises ambientais, as conferências climáticas (COP) organizadas pelas Nações Unidas tornaram-se cenários privilegiados para avaliar a evolução dos equilíbrios internacionais.
Em novembro passado, a COP29 foi realizada em Baku, no Azerbaijão. Aí ficou demonstrado que a fratura que separa o Norte Global do Sul tem uma componente ecológica inevitável. Uma de suas chaves é financeira. O custo das metas estabelecidas pela ONU para reduzir as emissões globais de carbono, entre agora e 2035, para cerca de 1.300 trilhões de dólares.
Em Baku, muitos países do Sul Global, fornecedores de matérias-primas críticas e ao mesmo tempo afetados pelas alterações climáticas, consideraram inaceitável que os países do Norte recebam apenas um quarto da fatura climática global e que qualquer debate sobre o desenvolvimento seja diluído.
A COP29 fechou falsamente e o peso político desse fracasso está projetado na COP30, que será realizada no próximo ano em Belém do Pará, na foz do Amazonas. Más notícias para o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que sempre considerou este evento uma das grandes oportunidades geopolíticas do seu terceiro mandato.
A grande aposta deles se chama Fundo Amazônia. Lula a criou em 2008 com a intenção de canalizar, através do seu Governo e não da ONU, investimentos não reembolsáveis para projetos locais que visam a redução das emissões de carbono. O Brasil mantém o controle político do Fundo apesar da liquidez vir do exterior. Isto permite possíveis dúvidas internas em relação a qualquer iniciativa com potencial de questionar, mesmo que minimamente, a soberania do país sobre a Amazônia, sob controle.
Agora, porém, pensando na COP30, o panorama muda: o governo Lula pensa em compartilhar o Fundo Amazônia com os demais países sul-americanos que compartilham aquela gigantesca bacia. Estamos falando de uma área sujeita a uma terrível pressão ambiental, com eventos que vão desde a desmatamento em grande escala até aos grandes incêndios, passando pela exploração madeireira e mineira ilegais, pela perda acelerada de biodiversidade, pela degradação irreversível dos solos, pela contaminação de rios e aquíferos, etc.
É por isso que o Brasil também quer aproveitar a COP30 para aumentar os recursos do Fundo. Trata-se de ter capacidade para promover, de forma coordenada, a transformação da matriz produtiva que a Amazônia necessita. Se algo fica claro do ponto de vista brasileiro é que nenhuma iniciativa de conservação unilateral ou limitada é politicamente sustentável. Devemos agir de forma ambiciosa e multilateral e é isso que Brasília tem feito desde que Lula assumiu a presidência em janeiro de 2023.
O maior desafio atualmente transcende o clima rarefeito herdado da COP29. A chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos também é preocupante: o Fundo Amazônia não conseguiu atingir os recursos que o Brasil considera necessários. A carta de Lula, neste contexto, chama-se China: Pequim tem músculo financeiro e um equilíbrio interessante entre a redução de emissões e a manutenção de altas taxas de crescimento. Seus pontos fortes também são compatíveis com necessidades operacionais específicas: possui know-how em reflorestamento, energias renováveis, economia verde, etc.
Na prática, independentemente do que aconteça no próximo ano na COP de Belém, um discreto Grand Jeu parece ter sido desencadeado: Brasil e China acabam de concordar em aprofundar o seu relacionamento. Ambos os países pretendem apostar na Transformação Ecológica e no Desenvolvimento Verde, mas também na construção de infraestruturas críticas como uma ferrovia transandina que ligaria o porto brasileiro de Santos, no Atlântico Sul, ao de Chancay, no Pacífico peruano.
O interessante é que, enquanto isso acontece, outros países têm outras prioridades e olham em outras direções. Talvez considerem que a COP30 ainda está muito distante ou presumam que o envolvimento excessivo do Brasil com a China poderia deixar Brasília presa na incômoda rivalidade de Washington com Pequim. Também pode ser que pensem que, como disse Strausz-Hupé, tudo o que é “importante” acontece entre 20° e 60° de latitude Norte.
Uma perspectiva cada vez mais discutível: a COP de Belém, que será realizada perto do equador, tem potencial para se tornar um vetor que ajude a entender como variáveis geopolíticas até agora não consideradas estão reconfigurando o sistema mundial.
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Brasil, ante a COP30. Artigo de Juan Agulló - Instituto Humanitas Unisinos - IHU