19 Outubro 2024
Estamos sendo convidados pelas pessoas LGBTQ a encontrá-las com respeito e amor à medida que emergem das sombras — tratá-las como imagens e filhos de Deus.
O artigo é de Brian McDermott, SJ, publicado por Outreach, 17-10-2024.
O padre jesuíta Brian McDermott é assistente especial do reitor da Universidade de Georgetown. Teólogo sistemático de formação, ele é autor de livros e artigos nas áreas de teologia, espiritualidade e a relação entre espiritualidade e o exercício de autoridade e liderança em organizações. Ele tem sido diretor espiritual por muitos anos e tem formado diretores espirituais e aqueles que acompanham outras pessoas nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola.
Há um momento no Evangelho de Marcos (Mc 7,31-37) em que Jesus viaja para o território gentio, ou seja, fora do território judeu, para um povo que muitos judeus considerariam como objetos de desprezo (e vice-versa). Ele tinha acabado de curar a filha de uma mulher siro-fenícia, uma gentia. Agora, ele está respondendo a um pedido de um grupo de gentios para curar um amigo deles. O homem é surdo e tem um impedimento na fala. Ele não consegue se fazer entender quando fala.
Jesus responde ao pedido do grupo agindo quase como um milagreiro helenístico. Ele coloca seus dedos nos ouvidos do homem e um pouco de sua saliva na língua do homem e diz uma palavra "estrangeira" — estrangeira pelo menos para seus leitores de fala grega — a palavra aramaica para "seja aberto" (Mc 7,34). Mas o que Jesus está fazendo não é magia. Ele olha para o céu, pedindo que o poder divino se manifeste, e emite um comando autoritário. A palavra de Jesus cura o homem para que ele agora ouça e fale de uma forma que as pessoas possam entendê-lo.
Nesta passagem e naquela sobre a mulher siro-fenícia (Mc 7,24-29), Marcos quer que reconheçamos que a missão de Jesus não é apenas para seus companheiros judeus, mas também para os gentios.
Os comentaristas apontam que a expressão grega usada aqui para descrever como Jesus cura o homem, que se traduz como "a língua dele foi solta" (cf. Mc 7,35), sugere que Jesus está libertando o homem de um poder demoníaco. A linguagem que Marcos usa aqui refere-se implicitamente a passagens em Isaías que usam vocabulário semelhante para falar sobre o tempo futuro em que Deus cumprirá as promessas feitas a Israel. Marcos quer que seus leitores apreciem o fato de que a cura de Jesus ao surdo e ao mudo é um sinal do prometido reinado de Deus, a chegada do Messias.
Acredito que este texto de Marcos pode nos ajudar em nosso tempo. Ele oferece lições que nós, cristãos, podemos usar para abordar questões LGBTQ e pessoas com respeito e amor crescentes, seguindo o modelo de Cristo. Estamos vivendo em tempos extraordinários, um momento de mudança épica. Todos nós poderíamos recitar uma longa lista de coisas que estão erradas em nossos tempos, mas também estão sendo feitos avanços extraordinários.
Há cerca de 60 anos, testemunhamos o surgimento do movimento pelos direitos dos gays. E, mais recentemente, temos visto as pessoas transgênero saírem das sombras para a luz. Essas pessoas não foram ouvidas, para dizer o mínimo, e o preconceito e o ódio da sociedade tornaram impossível para elas falarem abertamente de uma maneira que permitisse que outras pessoas as entendessem.
Mas agora estamos em uma situação onde as pessoas LGBTQ estão articulando quem e o que são, e pedindo reconhecimento e respeito.
É um exagero relacionar esses movimentos com o que Jesus fazia em seu tempo com os gentios desprezados? É um exagero perceber a ação do Espírito Santo em pessoas que estão dizendo quem e o que são para aqueles de nós que até agora nos víamos como a norma indiscutível para a identidade humana? Tudo nesta área é relativamente novo, e aqueles que são profundamente moldados pela compreensão tradicional da identidade sexual humana acham essa emergência não apenas desafiadora, mas assustadora.
Jesus nos diz no Evangelho de João que o Espírito Santo, o Advogado divino, nos guiará a toda a verdade, se ouvirmos esse Espírito e seguirmos suas inspirações (Jo 16,13). Aqui, Jesus se refere principalmente à nossa progressiva compreensão da verdade de Jesus como a autorrevelação definitiva de Deus, do Criador de todos, a quem ele chamou de “Abba”. Mas será que também é o caso de que o Espírito está nos guiando cada vez mais para a verdade sobre as imagens de Deus em nosso meio, seres humanos, em toda a sua diversidade dada por Deus?
Por muitos séculos, a maioria dos seres humanos em muitas áreas do mundo forçou pessoas diferentes delas a viver nas sombras, às margens da sociedade, com terríveis sentimentos de vergonha e culpa. Essas minorias foram alvo de discursos e ações horrivelmente odiosos.
Mas, em nosso tempo, essas pessoas estão nos pedindo que as recebamos com respeito e amor à medida que saem das sombras — que as tratemos como imagens e filhos de Deus. E precisamos aceitar o fato, a verdade, da existência dessas pessoas. Elas não vão desaparecer. Elas vieram para ficar, fazem parte da família de Deus, que é toda a humanidade.
Os cristãos que estão profundamente perturbados com a emergência dessas pessoas de identidade e orientação sexual variadas precisam pedir a graça de viver de forma mais ampla o mandamento de amar o próximo como a si mesmos. O Jesus Ressuscitado, trabalhando através do Espírito Santo, quer curar nossa audição para que possamos ouvir ativamente e profundamente aqueles que diferem de nós. E o Espírito quer soltar nossas línguas para que possamos falar com essas pessoas com verdade e amor e falar sobre elas para os outros com verdade e amor.
Não estou dizendo nada estranho ou absurdo aqui. Mas nem todos estamos vivendo o mandamento do amor nesta área. Todo o povo de Deus — leigos, ministros leigos, diáconos, padres e bispos — é chamado a viver o mandamento do amor e a modelar esse comportamento para os outros. (Lembre-se de que “amor” no Novo Testamento não é uma questão de sentimentos calorosos em relação aos outros; é um modo de vida que busca aumentar o florescimento autêntico do outro.)
O Jesus Ressuscitado, trabalhando através do Espírito Santo, quer curar nossa audição para que possamos ouvir ativamente e profundamente aqueles que diferem de nós. E o Espírito quer soltar nossas línguas para que possamos falar com essas pessoas com verdade e amor, e falar sobre elas para os outros com verdade e amor.
Como cristãos, somos chamados a algumas atividades específicas.
Primeiro, devemos buscar o melhor entendimento científico sobre questões LGBTQ. Aqui, é importante distinguir entre ciência sólida, fiel às suas metodologias, e ideologia que se apresenta como ciência.
Em segundo lugar, precisamos evitar usar textos bíblicos como provas tiradas de contexto e ignorando a forma literária que está sendo usada. Vamos parar de citar “Homem e mulher Deus os criou” (Gn 1,27) como se esse trecho das Escrituras estivesse lidando com nossas questões contemporâneas! Precisamos determinar teologicamente o que a revelação divina nos diz sobre a sexualidade humana e o que não pretende nos dizer.
Em terceiro lugar, somos chamados a ouvir profundamente esses companheiros seres humanos e a buscar entender sua experiência a partir de sua perspectiva.
E, por fim, somos chamados a orar ao Espírito Santo para que nos guie, cristãos, à verdade, à verdade científica e à verdade revelatória sobre a identidade e a orientação sexual humanas. Esse tipo de oração exige que peçamos o dom da liberdade de todos os preconceitos e a capacidade de ouvir bem os dados e as pessoas que podem diferir de nós, para poder envolvê-los com compaixão, entendimento e amor.
Nós, ocidentais, estamos no meio de um momento sem precedentes, enquanto pessoas que viveram nas sombras devido à sua identidade sexual encontram sua voz e nos pedem, finalmente, para entendê-las e apreciá-las. Essas práticas nos ajudarão a nos tornarmos um povo paciente, descobrindo o que Deus deseja que desaprendamos e descobrindo o que Deus deseja que aprendamos.
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O que a cura de gentios por Jesus pode ensinar aos cristãos sobre as pessoas LGBTQ hoje. Artigo de Brian McDermott, SJ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU