18 Agosto 2022
Pode parecer estranho ao leitor que uma vaga de eremita seja anunciada para seleção, mas é isso que está acontecendo no contexto das Igrejas germânicas (Alemanha e Áustria).
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada por Settimana News, 30-07-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nos primeiros meses do ano, a Paróquia de São João (Tirol, Áustria, Diocese de Salzburgo) pediu alguém disponível para ocupar a ermida Maria Blut, aos pés do Niederkaiser. Trata-se de morar na ermida que está ativo desde 1696 com uma vida de oração e de fé, adaptando-se a uma vida austera, com boa capacidade de relação. Requer-se um conhecimento litúrgico e um hábito ao serviço do culto.
A ermida foi habitada nos últimos anos pela Ir. Wilbirg Wakolbinger, que teve que retornar ao convento. Os currículos devem chegar até o dia 15 de agosto. Exige-se uma renda regular e um seguro social com a disponibilidade para cuidar da horta e das tarefas domésticas.
De Maria Blut a Saalfelden
Um novo eremita entrou em Palfen, dependente da paróquia e da prefeitura de Saalfelden (Pingau, Áustria). A ermida está ativa há 350 anos. Na igreja, escavada em uma gruta rochosa, é particularmente homenageada uma imagem de São Jorge.
O local, a mil metros de altitude, é habitável de abril a novembro. Não há nem eletricidade (exceto um painel solar para ligar o telefone em caso de emergência) nem água corrente. Não está previsto um salário.
Quem se disse disponível foi um agricultor aposentado, Alois Penninger, 63 anos, que é o 36º da série. Ele afirmou: “No outono da minha vida, quero experimentar a cura interior. Também em solidariedade com as pessoas que têm que deixar as suas casas devido à guerra e as perseguições. Eu experimento uma solidariedade espiritual por esses destinos”.
O eremita desce à cidade algumas vezes por semana para fazer compras e consultas médicas. O eremita não é obrigado a pertencer a ordens religiosas nem ao ministério, mas deve ter uma referência de fundo cristão. A vida em uma ermida de montanha sem eletricidade, aquecimento e água corrente requer frugalidade, boas condições físicas e habilidades manuais.
O seu antecessor, Matthias Gschwandtner, foi o primeiro protestante a ocupar esse papel. “Foi uma grande honra para mim fazer parte dos eremitas” em um lugar realmente particular, onde “as diferenças dogmáticas perdem a importância”.
A ermida é constantemente visitada por turistas amantes das montanhas, até 100 deles por dia. Frequentemente, trocam algumas palavras com o eremita sobre a fé, a Igreja e a responsabilidade sobre a criação. “Gosto de dedicar tempo para escutar. Tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas maravilhosas”.
Antes de Penninger e Gschwandtner, o belga Stan Vanuytrecht havia sido eremita por três anos. Ele abandonou a ermida por motivos de saúde e para se encaminhar ao sacerdócio. Quando se inscreveu para ir à ermida, havia 50 concorrentes.
Verificação das demandas
Desde 2018, a Ir. Miriam Bauer ocupa a ermida de Nussdorf am Inn na Baviera (Alemanha). Proveniente de uma experiência eremítica anterior em Osnabrück, a freira garante o ritmo da oração na igrejinha ao lado da casa a 700 metros de altura. Ele é empregada da paróquia, assegurando metade do tempo para o serviço da sacristia.
A ermida é muito frequentada durante o verão e está ativa desde 1644. Há eletricidade e água corrente, mas o aquecimento é à lenha, que deve ser obtida por conta própria. Há também acesso à internet.
Pode ser interessante verificar os currículos de quem se candidata à vida eremita em coincidência com o pedido da Ir. Bauer. Apresentaram-se 13 mulheres e sete homens. Entre eles, estava uma atriz que procurava um lugar de regeneração interior. Ela foi direcionada a um mosteiro próximo.
Havia também um oficial do Exército (Bundeswehr), mas que não assegurava o ritmo da oração. Assim como dois casais idosos, entusiasmados com o lugar, mas não adequados ao papel. Havia também um médico homeopata, mas que não garantia a presença durante o dia. Dois religiosos também concorreram, mas sem poder garantir uma presença por mais de dois anos.
A dimensão profunda da alma
Na ermida de São Bernardo em Lindow (Brandenburgo, Alemanha), o Pe. Jürgen Knobel está ativo como eremita desde 2014. Em uma entrevista em fevereiro passado (Katholisch.de), ele fala assim da solidão que, ao lado da oração, do silêncio e da ascese, constitui um dos pilares da vida eremítica:
“A solidão é um conceito complexo, que espiritualmente tem duas faces. Por um lado, trata-se da retirada física do mundo e da redução dos contatos e das interações, o que no mundo de hoje não é mais possível em sentido radical. O outro lado é o desejo do íntimo, da própria profundidade espiritual. Isto é o mais importante. Alcançar a quietude da alma, entrar em uma escuta muito profunda de Deus, experimentar a dimensão mais profunda da alma. É o programa de vida do eremita. Mas nenhum eremita hoje pode se reduzir à sua própria interioridade. Os eremitas sempre trocaram pensamentos e reflexões entre si. Na minha ermida, há uma pequena sala de reuniões para conversas com os convidados que pedem conselhos. Os eremitas são mestres espirituais desde sempre”.
Ele também lembra a necessidade de um longo período de formação e o acompanhamento de um pai espiritual. O fluxo do eremitismo é muito mais extenso do que as fronteiras confessionais do cristianismo e se estende no passado muito além dos 2.000 anos da fé cristã.
Dados e textos recentes
Os casos mencionados são alguns dos lugares eremíticos mais conhecidos no âmbito alemão, onde existem cerca de 70 eremitas. Na França, estimam-se cerca de 150. Existem 90 entre os Estados Unidos e o Canadá. Na Itália, fala-se de 300 eremitas, mas provavelmente não são mais do que 200. Em nível mundial, arrisca-se o número de 20.000 pessoas.
Nas últimas décadas, eles pareciam ser uma presença residual, mas, a partir do Concílio, reapareceram. Não mais apenas como religiosos e religiosas que, no caminho da própria ordem, podem fazer a experiência eremítica, mas também em figuras clericais e laicais de pertença diocesana.
É a essas figuras que se dirige em particular um recente documento do dicastério para os religiosos e a vida consagrada: “A forma de vida eremita na Igreja particular”. O texto repassa o magistério em relação aos eremitas: da exortação apostólica pós-sinodal Vita consecrata ao Código de Direito Canônico e ao Catecismo da Igreja Católica. Cito este último:
“Os eremitas nem sempre fazem profissão pública dos três conselhos evangélicos; mas, ‘por meio de um mais estrito apartamento do mundo, do silêncio na solidão, da oração assídua e da penitência, consagram a sua vida ao louvor de Deus e à salvação do mundo’. Os eremitas manifestam o aspecto interior do mistério da Igreja que é a intimidade pessoal com Cristo. Oculta aos olhos dos homens, a vida do eremita é pregação silenciosa d'Aquele a Quem entregou a sua vida. Cristo é tudo para ele. É uma vocação especial para encontrar no deserto, no próprio combate espiritual, a glória do Crucificado” (nn. 920-921).
No texto mais recente, recordam-se de forma sistemática os elementos essenciais que caracterizam o eremitismo, a necessária relação com o bispo, a preparação e a formação permanente. Não em busca de um atletismo espiritual que pretenda superar o chamado comum à santidade, mas na imitação de Cristo.
“Cada eremita assume uma forma de vida que o precede e o supera, encarnando-a historicamente, na docilidade à ação do Espírito Santo. Nesse sentido, a vida eremítica é em si mesma incompleta, parcial restituição da multiforme forma Christi, e é figura em relação aberta com o corpo eclesial e com o corpo da história”.
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