02 Setembro 2013
Maria de Campello nos ensina que as mulheres se revelam mais capazes do que os homens de continuar amando apaixonadamente a Igreja, mesmo quando veem e denunciam, com total lucidez, seus limites e defeitos.
A opinião é da historiadora italiana Lucetta Scaraffia, membro do Comitê Italiano de Bioética e professora da Universidade La Sapienza de Roma. O artigo foi publicado no jornal L'Osservatore Romano, 30-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
É muito conhecida, com justiça, a experiência ecumênica da comunidade de Taizé, mas poucos sabem que a ideia de uma comunidade de tipo monástico onde vivessem juntas pessoas pertencentes a confissões cristãs diferentes foi experimentada pela primeira vez em Campello, perto de Trevi, na Umbria, Itália, por uma mulher, Maria de Campello.
Se hoje a sua personalidade é conhecida graças à obra de alguns biógrafos, uma luz mais aprofundada sobre a sua história pessoal e sobre a pegada que ela deixou na tradição da Igreja vem agora de artigos reunidos por Roberto Morozzo della Rocca (Maria di Campello. Un’amicizia francescana, Bréscia: Morcelliana, 160 páginas).
"Irmã Maria", batizada como Valeria Pignetti, depois de abandonar uma vida religiosa tradicional em um convento franciscano, por volta de 1926 foi viver em um antigo ermo abandonado, apesar de todos lhe terem desaconselhado, seja pela aspereza e pela extrema pobreza do lugar, seja pela companhia de irmãs anglicanas.
Em vez de fundar uma congregação nova, Maria ligou os destinos desse grupo de mulheres àquele lugar tão marcado pela memória do primeiro franciscanismo. Lá, a irmã Maria resistiu, no silêncio e no escondimento, a todas as pressões de quem a queria arregimentar em uma fórmula religiosa estabelecida ou defini-la como modernista, para marcar um percurso de vida eremítica original livre e humilde.
O caráter da singular eremita é captado principalmente através das seus relações, das suas amizades, construídas com atenção e amor ao longo do tempo, que definem o espaço humano em que se movem o seu pensamento e a sua oração. "Eu considero a amizade uma das maiores forças do mundo", escreveu ela, e isso explica a tenacidade com que ela teceu e alimentou amizades tão importantes como a com Albert Schweitzer, Gandhi, Buonaiuti, Mazzolari.
Maria foi capaz de criar laços com personagens de fronteira, e isso vale especialmente para os protestantes. O seu ecumenismo, porém, se realizou sobretudo na concretude da vida cotidiana do Ermo, onde conviviam e rezavam em comum mulheres de diversas confissões cristãs.
As relações com a autoridade eclesiástica, explica Morozzo della Rocca, eram difíceis, e Maria não veria a plena reabilitação do Ermo, ocorrida somente depois da sua morte, em 1969, por obra do arcebispo de Spoleto, Ugo Poletti. Mas contrastes e incompreensões têm a função, como sempre ocorre nas histórias dos santos, de confirmar a vocação mística de uma eremita que sabia respeitar a Igreja, embora mantendo um fôlego amplo, de abertura universal.
Maria foi fiel à Igreja, como ela afirma abertamente em uma carta de 1945: "Tenham certeza de que, se eu morrer, morro de paixão pela Igreja". É a mesma afirmação de Caterina: as mulheres se revelam mais capazes do que os homens de continuar amando apaixonadamente a Igreja, mesmo quando veem e denunciam, com total lucidez, seus limites e defeitos.
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Nota da IHU On-Line: Christian Albini, cienitista social e teólogo leigo, italiano, atento observador da realidade eclesial, comentou o artigo acima no Twitter @Sperarepertutti:
"Se até a Irmã Maria de Campello aterrissou no @oss_romano significa que alguma coisa realmente está mudando."
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Irmã Maria, eremita de fronteira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU