24 Março 2014
Ao passar, Jesus viu um cego de nascença. Os discípulos perguntaram: «Mestre, quem foi que pecou, para que ele nascesse cego? Foi ele ou seus pais?» Jesus respondeu: «Não foi ele que pecou, nem seus pais, mas ele é cego para que nele se manifestem as obras de Deus. Nós temos que realizar as obras daquele que me enviou, enquanto é dia. Está chegando a noite, e ninguém poderá trabalhar. Enquanto estou no mundo, eu sou a luz do mundo.» 6 Dizendo isso, Jesus cuspiu no chão, fez barro com a saliva e com o barro ungiu os olhos do cego. E disse: «Vá se lavar na piscina de Siloé.» (Esta palavra quer dizer «O Enviado»). O cego foi, lavou-se, e voltou enxergando.
Os vizinhos e os que costumavam ver o cego, pois ele era mendigo, perguntavam: «Não é ele que ficava sentado, pedindo esmola?» Uns diziam: «É ele mesmo.»
Outros, porém, diziam: «Não é ele não, mas parece com ele.» Ele, no entanto, dizia: «Sou eu mesmo.» Então lhe perguntaram: «Como é que seus olhos se abriram?» Ele respondeu: «O homem que se chama Jesus fez barro, ungiu meus olhos e me disse: "Vá se lavar em Siloé’. Eu fui, me lavei, e comecei a enxergar.» Perguntaram-lhe: «Onde está esse homem?» Ele disse: «Não sei.»(João 9,1-12)
Leitura do texto completo Evangelho de São João 9, 1- 41. (Correspondente ao Quarto Domingo de Quaresma ciclo A do Ano Litúrgico)
O comentário é de Ana María Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Continuamos caminhando com Jesus nesta Quaresma, rumo a Jerusalém, à festa da Páscoa. Este texto do evangelho é a continuação da cena na qual Jesus é quase apedrejado pelos judeus porque ele afirma que existe antes que Abraão (Jo 8, 58-59).
A hostilidade entre Jesus e os judeus é clara no evangelho de João. Isto responde ao contexto que vivia a comunidade joânica quando o evangelho foi escrito. A expulsão das sinagogas dos judeus convertidos ao cristianismo ocorreu algum tempo antes de o evangelho ser escrito. Mas os cristãos joaninos ainda eram perseguidos até condenados à morte pelos "judeus".
Enquanto os cristãos eram considerados judeus, não havia nenhuma razão legal para que os romanos os matassem. Mas, uma vez que as sinagogas os expulsavam, tornava-se claro que eles não eram mais judeus e sua não adesão aos costumes pagãos e deixar de participar do culto ao imperador criava-lhes problemas legais. Por tudo isto podemos "sentir" o ambiente no qual crescia à fé na comunidade joanica.
Voltemos agora para o texto e reparemos no olhar de Jesus, de caminho ele "viu um cego de nascença". O que é que Jesus vê nesse homem? Como é olhar de Jesus a esse homem?
Os discípulos que estão com Jesus também o vêm. Suas perguntas revelam o que vem, um homem pecador: "Mestre, quem foi que pecou, para que ele nascesse cego? Foi ele ou seus pais?".
O olhar de Jesus é diferente, vê além do pecado conseguindo enxergar nesse cego o desejo de Deus, que presente nesse homem, quer dar-lhe uma nova vida. Deixemos que Jesus pare diante de cada um de nós e nos olhe tranqüilamente? Perguntemos para ele o que vê?
Consciente de sua missão (Lc 4, 17-21) faz o cego partícipe de sua Luz (Jo 1,9) devolvendo-lhe a visão.
A forma na qual o evangelista narra a cura, nos remete ao relato da criação (Gn 2,7), na qual Deus cria ao ser humano do barro, insuflando-lhe seu espírito: "Jesus cuspiu no chão, fez barro com a saliva e com o barro ungiu os olhos do cego".
Ou seja estamos diante uma nova criação, a que veio a realizar o Filho de Deus: "Ele, porém, deu o poder de se tornarem filhos de Deus a todos aqueles que o receberam, isto é, àqueles que acreditam no seu nome" (Jo 1, 12).
O cego acreditou, deixou que Jesus colocasse barro em seus olhos e foi obediente a suas palavra "’Vá se lavar na piscina de Siloé’ (Esta palavra quer dizer «O Enviado»). O cego foi, lavou-se, e voltou enxergando".
Agora bem esta nova vida que o ex-cego inicia se desenvolve no meio das tensões que descrevíamos ao início. Por meio do mendigo cego, a comunidade que escreve o evangelho espelha as dificuldades que sofre para viver fiel a Jesus e seus ensinamentos.
É por isso que depois da cura o evangelho nos oferece o longo processo que o mendigo faz, tendo que enfrentar a não compreensão do povo em geral, a rejeição das autoridades religiosas e até o abandono de seus pais, permanecendo sempre fiel a "aquele" que: "colocou barro nos meus olhos, eu me lavei, e estou enxergando".
As sucessivas respostas que ele oferece no diálogo inquisidor ao qual é submetido mostram que ele ainda não conhece plenamente a aquele que o curou, só sabe de sua existência e do que obrou nele. Como esquecer que antes estava na escuridão e agora vivia na Luz! A alegria de essa mudança ninguém se há podia tirar. O ex-cego sofre a expulsão de sinagoga por como tantos judeus cristãos da comunidade joânica sofreram.
O evangelho mostra como Jesus conhecia e acompanhava ao cego, ao igual que a cada um/as de seus amigos/as, e por isso quando fica sabendo que ele é expulso da sinagoga, não o abandona; ao contrário, vai de novo ao seu encontro.
E é nesse novo diálogo de Jesus com o ex-cego que ele termina reconhecendo em Jesus ao filho de Deus, ao qual adora: "E se ajoelhou diante de Jesus".
A fé de mendigo cego deste evangelho desafia a nossa, somos capazes de reconhecer a presença de Jesus nos acontecimentos de nossa vida. Em cada situação que passamos da escuridão à luz, da dificuldade à paz, da tristeza à alegria, vemos a Jesus? E o adoramos?
Olha-me tu, Jesus de Nazaré
que eu sinta pousar-se sobre mim
teu olhar livre,
sem escravidão de sinagoga,
sem exigência que me ignorem,
sem a distância que congela,
sem a cobiça que me compre.
Que teu olhar se pouse
em meus sentidos,
e se filtre até os desvãos
inacessíveis onde te espera
meu eu desconhecido
semeado por ti desde meu início
e germine meu futuro
rompendo em silêncio
com o verde de suas folhas
a terra machucada que me sepulta
e que me nutre.
Deixa-me entrar dentro de ti,
para olhar-me desde ti,
e sentir que se dissolvem
tantos olhares
próprios e alheios
que me deformam e me rompem.
Benjamim Gonzalez Buelta
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Evangelho de João 9, 1-41 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU