18 Outubro 2024
Organização afirma, em nota, que nomes escolhidos pelo Ministério dos Povos Indígenas não representarão o movimento indígena; as trocas foram determinadas pelo ministro Gilmar Mendes.
A reportagem é de Gabriel Tussini, publicada por ((o))eco, 15-10-2024.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulgou, nesta segunda-feira (14), nota (íntegra) em que se distancia das indicações feitas no mesmo dia pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) para a comissão de conciliação sobre a lei do Marco Temporal, comandada pelo ministro Gilmar Mendes, no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a organização, os integrantes indígenas indicados pelo ministério “fazem parte do quadro de servidores de órgãos governamentais”, portanto “não estarão lá em nome do movimento indígena”.
A pasta da ministra Sonia Guajajara, ex-coordenadora executiva da Apib, indicou 5 novos integrantes para as reuniões por decisão de Gilmar Mendes, que determinou a substituição dos membros anteriormente indicados pela organização indígena, que se retiraram da comissão. No despacho, Gilmar acusou “alguns representantes” de atuar “estritamente sob o ângulo político”, e que “os interesses dos indígenas não podem ser monopolizados por quem não se mostrou aberto ao diálogo”. Ele transferiu a responsabilidade de indicar um representante indígena de cada região do país para o MPI, mas manteve a representação institucional da Apib, caso a organização “deseje retornar à Comissão”.
A Apib, por sua vez, declarou lamentar “profundamente que as instâncias autônomas dos povos indígenas ou entes públicos em que há participação indígenas sejam pressionados a ocuparem colegiados contra a sua vontade, sobretudo em espaços nos quais não está garantido o respeito à lei e às decisões já tomadas pelo plenário da Suprema Corte, que declarou inconstitucional a tese do marco temporal, em setembro de 2023”.
A organização frisou que a não suspensão da lei 14.701/23, a que chama de Lei do Genocídio Indígena, e a “falta de respeito à autonomia de vontade e aos direitos constitucionais” afastaram os povos indígenas da comissão, já que “não foram garantidas condições mínimas e justas para sua participação”.
“Sem a definição de objeto sob conciliação, corre-se o risco desse espaço, que reúne os Três Poderes do Estado, desemboque num cenário de ‘desconstitucionalização’ de direitos fundamentais alçados a cláusulas pétreas pela Carta Magna de 1988, principalmente no que se refere aos direitos originários dos nossos povos sobre as terras que tradicionalmente ocupam; terras essas declaradas pela Constituição inalienáveis e indisponíveis, sobre as quais os nossos direitos são imprescritíveis”, argumenta a nota, que reforça que “o Estado tutelar, paternalista e autoritário foi enterrado pela Constituição Federal há 36 anos”.
Os membros titulares escolhidos pelo ministério foram Pierlangela Macuxi, servidora da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, representando a região Norte; Weibe Tapeba, secretário especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, representando a região Nordeste; Eliel Benites, professor da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), representando a região Centro-Oeste; Douglas Krenak, coordenador regional da FUNAI em Minas Gerais e Espírito Santo, representando a região Sudeste; e Kerexu Yxapyry, coordenadora do DSEI Interior Sul, representando a região Sul.
Em nota, o MPI afirmou ver a comissão como “fruto da luta do movimento indígena” e que, “após diálogo com a Apib”, “cumpre sua missão institucional de se fazer presente e seguirá com a indicação de indígenas especialistas e conhecedores das suas regiões para ocuparem as vagas indicadas”. “Temos a confiança de que, como guardiã máxima da Constituição, a Corte não permitirá retrocessos em relação aos direitos indígenas e este será um espaço de diálogo para avançarmos no debate em torno de soluções que assegurem os direitos originários dos povos em relação aos seus territórios”, destacou o ministério.
O posicionamento vai ao encontro do que a própria ministra Sônia Guajajara já havia dito na 5ª reunião da comissão, no dia 2 de outubro, dia seguinte à determinação de Gilmar Mendes. Na ocasião, segundo a ata da sessão, ela afirmou ver o espaço como “uma oportunidade ímpar”, e que o ministério estaria “à disposição para ajudar no diálogo para busca de soluções que ajudem a melhorar a relação entre indígenas e não indígenas”.]
A Lei do Marco Temporal – em vigor desde a derrubada dos vetos do presidente Lula pelo Congresso, em dezembro do ano passado – estabelece que apenas são válidas as demarcações de terras que estavam ocupadas por indígenas no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A lei foi aprovada mesmo após o Supremo declarar a tese inconstitucional, em setembro daquele ano. A lei ainda proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas e permite até a mineração e a construção de estradas nos territórios.
Em janeiro deste ano, 3 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), propostas pelos partidos PSOL e Rede (em conjunto com a Apib); PT, PCdoB e PV; e PDT contestaram a validade da lei no STF. Além deles, os partidos Republicanos, PP e PL entraram com uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADO) – que serviria para que o Supremo declare válida a lei. Diante das ações, o ministro Gilmar Mendes determinou, em abril, que o assunto seria discutido em uma comissão de conciliação, movimento que desde então tem sido alvo de protestos de organizações indígenas.
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Apib se distancia de novos representantes indígenas da comissão do Marco Temporal no STF - Instituto Humanitas Unisinos - IHU