12 Outubro 2024
Estamos cada vez mais conscientes dos perigos enfrentados pelas crianças, mas como podemos construir um quadro de proteção para elas? Sem nos tornarmos ou deixá-las ansiosas... A psicóloga Joanna Smith nos dá algumas dicas.
A entrevista é de Flore Pierson, publicada por La Vie, 11-10-2024. A tradução é do Cepat.
Após trabalhar com abusadores sexuais durante 15 anos, a psicóloga Joanna Smith especializou-se durante 10 anos no atendimento psicoterapêutico de adultos vítimas de violência sexual durante a infância. Hoje ela deseja partilhar a sua experiência e conhecimentos tão amplamente quanto possível num podcast e num livro, Protéger son enfant des violences sexuelles [Proteger o seu filho da violência sexual] (Dunod, 2024).
A primeira pergunta, que diz respeito a todos os pais: podemos proteger os nossos filhos da violência sexual?
Vou ser provocativo: não seremos capazes de proteger os nossos filhos... se não conhecermos o risco. Ora, esta não é uma informação agradável de se receber, mas é necessária para poder fazer a prevenção. No entanto, penso que a sociedade está pronta para ouvir esta mensagem. Então, mesmo quando informada, não há risco zero. Devemos, portanto, também preparar o terreno para que, se acontecer alguma coisa, o nosso filho possa falar conosco rapidamente sobre o que aconteceu.
Qual é esse risco, concretamente?
Apenas 1% das violências sexuais contra menores são cometidas com violência física. Estes casos são impressionantes e frequentemente são tornados públicos, mas continuam a ser muito raros. Muitas vezes os pais consideram esta categoria e alertam os filhos contra “o estranho com doce”. Na realidade, o perigo está muito mais perto: a vítima geralmente conhece o seu agressor.
A ideia de que a violência sexual é motivada pela pulsão é muito difundida, exceto que a dimensão impulsiva é muito rara entre os modos de operação, e é bastante materializada em agressões não repetidas por pessoas desinibidas (alcoolistas, toxicodependentes, com um trauma craniano…). Isto diz respeito a uma pequena minoria. Os abusadores também não são necessariamente pessoas frustradas sexualmente, muitos estão em relacionamentos. Então, externamente eles se parecem com todo mundo e vivem ao nosso redor.
Em 99% dos casos, o agressor demora a criar uma situação favorável ao ato, que chega a controlar a criança e, muitas vezes, a família.
Como podemos evitar que tal situação surja?
A violência sexual faz parte da violência em sentido amplo. Uma família que não tolera qualquer forma de violência e valoriza o consentimento estabelece uma estrutura que protege a criança. O agressor sempre vai testar antes de agir: por exemplo, pegar a criança no colo, querer dar beijos, abraços. Penso em um dos meus pacientes vítimas que disse claramente: “Eu me recusei a ver esse amigo da família, me sentia desconfortável perto dele, queria sair da sala e meus pais me obrigavam a voltar, a ficar no seu colo quando eu não queria”. Nesta situação, o agressor vê imediatamente que os pais não respeitam o consentimento do filho, não o ouvem – ou seja, não o estão protegendo.
A verdadeira dificuldade consiste em estabelecer esses limites e assumir diante dos outros adultos que não estamos forçando a criança. Os pais lutam para dizer à avó: “Não beije se ele não quiser”, e depois permanecem consistentes. Porém, o cérebro da criança é imaturo, ela não aprende muito com as palavras, mas sobretudo com a imitação e a experiência. Se ela vivencia que seu corpo não é realmente respeitado, ser agredida pode lhe parecer menos “anormal”.
O fato de a criança não ter medo de falar também é muito dissuasor para um agressor: os agressores que recebi em terapia disseram-me muitas vezes que uma criança “boca grande” rapidamente os dissuadiu. O que não significa, claro, que as vítimas sejam culpadas de não terem protestado, apenas que devemos apoiar a autoafirmação das crianças e dar-lhes o hábito de serem ouvidas, de que as suas palavras são levadas em consideração.
Você diz que também devemos preparar a criança para que ela possa conversar conosco se, infelizmente, acontecer alguma coisa. Como fazer isso?
Os pacientes que atendo em meu consultório foram vítimas durante anos. O efeito deste estresse duradouro, desta vigilância permanente – “Ah, não, vou vê-lo novamente. Ele vai fazer isso de novo?” –, é extremamente tóxico. Incentivar a fala do seu filho deve, portanto, ser uma prioridade.
A criança quase sempre vivencia a agressão como algo estúpido que ela teria feito, alimentando um forte sentimento de culpa. Ela, portanto, hesitará em confiar no pai cujo castigo ela teme. O invasor usa isso a seu favor e é dramático.
Atenção! Não estou dizendo que não deva que haver sanções na educação. Precisamos criar o que chamamos de “apego seguro”. É uma relação baseada na cooperação e não na coerção. Devemos abandonar a dialética submissão/dominação; se eu escuto a criança e não a obrigo a obedecer, isso não significa que é ela quem manda. Se a criança não estiver acostumada à submissão, ela estará muito menos vulnerável à violência sexual.
E se acharmos ter encontrado um agressor?
Em primeiro lugar, trata-se de ir ver a pessoa em questão. Se o comportamento lhe parecer suspeito, você deve dizê-lo claramente a essa pessoa: “Há coisas que não me parecem nada claras no seu comportamento com as crianças, acho que vale a pena você consultar-se com alguém”. O ambiente tem um papel inibidor ou incentivador de ações, como vimos no caso do Abade Pierre. Você pode encaminhar essa pessoa para os CRIAVS (Centros de recurso para quem trabalha com autores de violências sexuais), ou para o serviço STOP (Serviço de orientação e prevenção por telefone, destinado a pessoas sexualmente atraídas por crianças). Quanto mais conhecido este sistema, mais poderemos dizer aos autores de violências sexuais, que muitas vezes tentam fazer-se passar por vítimas da sua orientação: por que não ligaram para o STOP?
Então, antes de falar sobre isso com a criança ou de implementar as coisas concretamente, é preciso conversar com outros adultos, outros pais. Normalmente, não somos os únicos a notar algo, e as línguas se soltam. Se o comportamento não lhe parecer aceitável, não deve deixar um agressor à solta. Você tem o direito de alertar as autoridades. Mas, antes de ligar para o 119, para a polícia ou escrever para o Ministério Público, é imprescindível enumerar detalhadamente por escrito todos os fatos e comentários. Mais uma vez, estar com várias pessoas permite-nos partilhar informações. Não hesite em procurar a ajuda de uma associação que poderá aconselhá-lo e, acima de tudo, nunca fique sozinho perante este tipo de situação ou dúvida.
Como podemos alertar os nossos filhos sobre a existência de violência sexual sem traumatizá-los?
Não há necessidade de desenvolver um cenário completo: “Um senhor que vem e faz, etc.”, o que seria horrível para a criança. Também aqui o principal caminho consiste em não focar na violência sexual, mas em educar de maneira geral sobre a questão da violência e os limites do corpo, e a importância do consentimento. Focamos muito nos discursos, mas a questão é acima de tudo: o que eu quero comunicar à criança? Isso virá muito mais através das suas próprias reações, através do que ela vivencia. Aos 2 anos, quando a criança puxar o rabo do gato, você deve dizer a ela que não pode fazer isso e garantir que esse comportamento mude.
Quando uma criança de 18 meses sobe no colo dos pais e toca seu rosto enquanto os pais conversam com outro adulto, precisamos ser capazes de dizer-lhe: “É o meu corpo, não é uma cadeira, não é um objeto. Você pode vir no meu colo, mas não assim”.
Devemos falar também sobre a intimidade: há partes no corpo que pertencem apenas a você; em resumo: aquelas que estão por baixo das roupas. Seja positivo, é o início da educação emocional e sexual: “Essas partes íntimas são lindas e preciosas, por isso ninguém tem o direito de tocá-las”.
Quando a criança cresce, principalmente no ensino fundamental, é preciso dizer coisas mais explícitas para ela, mas não adianta criar um momento solene. É mais uma questão de aproveitar as oportunidades: um caso de assédio na escola, uma notícia... Voltamos a esse episódio com ela e perguntamos: “Se alguém quisesse fazer isso com você, como você reagiria?”, etc.
O verdadeiro discurso “solene” para se ter com elas é sobre a internet. Infelizmente, a primeira exposição à Web começa na escola primária (às vezes as crianças têm de ver tabuadas no YouTube!), por isso devemos avisar com antecedência: “Saiba que certamente, um dia ou outro, você verá coisas violentas na internet. Estaremos sempre aí para conversar sobre isso, e você não será punido”. 80% dos pais de crianças que foram expostas a conteúdo pornográfico não sabem que os seus filhos o viram, mas as crianças desenvolvem menos consequências negativas quando conseguem falar sobre isso com os pais.
Finalmente, descobri no meu trabalho que um terço da violência sexual contra menores é cometido por menores. Então, quando o nosso adolescente começa a ter relacionamentos amorosos, festas, a gente realmente tem que estar muito atento ao que está acontecendo no relacionamento dele, ao que vem dele, fazer perguntas, informar dos riscos de forma mais explícita, novamente sem focar apenas na violência sexual.
Sabemos que a violência sexual está muito presente nas famílias. Como podemos agir especificamente neste aspecto?
O incesto é favorecido por um clima incestual. São famílias onde não há limites corporais, onde a intimidade não é respeitada: deixamos a porta aberta quando tomamos banho ou usamos o banheiro, lemos correspondências e revistas íntimas, o corpo da criança é tocado sem consentimento, como se pertencesse aos seus pais... Os adultos também impõem sua nudez às crianças, fazem piadas sujas na frente delas, deixam imagens espalhadas ou as expõem a conteúdo pornográfico. O adulto não deve aparecer nu diante da criança, principalmente quando ela crescer e apresentar os primeiros sinais de pudor, geralmente entre os 3 e os 6 anos. Nesse sentido, você deve até ousar fazer um comentário a um familiar que não respeita as regras do pudor básico.
Em outros casos, pelo contrário, é a demasiada rigidez e a falta de comunicação sobre a vida emocional e sexual que pode levar a comportamentos incestuosos, especialmente de um irmão contra um irmão mais novo ou uma irmã mais nova, como forma de reprodução da dominação e do controle excessivo pelo pai sobre a sua esposa e seus filhos.
Além disso, quando há um caso de incesto numa família, muitas vezes há vários. A sua responsabilidade é proteger os seus filhos, confrontando e denunciando os agressores, caso isso ainda não tenha sido feito. Por último, assim como acontece com o agressor fora da família, trata-se de permanecer vigilante se alguém demonstra um interesse particular pelo mundo das crianças, preferindo, por exemplo, passar a noite inteira com elas do que com os adultos. Essa afinidade particular é uma característica comum aos abusadores sexuais de crianças ou adolescentes.
Sabendo tudo isso, é possível não estar estressado o tempo todo?
Durante muito tempo, nós estávamos coletivamente cegos a este risco, por isso agora estar expostos a toda esta informação pode tornar-nos “paranoicos”: isto é completamente normal, mas geralmente transitório! Eu não gostaria que meu livro causasse hiperansiedade nos pais, o que por si só leva a ansiedade para a criança... Tenhamos apenas em mente que a maioria dos adultos é bem-intencionada com as crianças, mesmo que não seja o caso de todos. E conversar sobre isso entre adultos, com outros pais à sua volta, por exemplo, pode ser muito útil para protegermos juntos nossos filhos.
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Violência sexual: “Não seremos capazes de proteger os nossos filhos… se não conhecermos o risco”. Entrevista com Joanna Smith - Instituto Humanitas Unisinos - IHU