08 Outubro 2024
As estatísticas nos dizem que a presença de crianças favorece a adoção de animais, e não o contrário. São precisamente as famílias com crianças que têm mais probabilidade de ver a presença de um animal familiar. Os dois termos, portanto, são diretamente proporcionais.
A opinião é de Roberto Marchesini, etólogo e filósofo italiano, fundador da zooantropologia, em artigo publicado em Marchesini Etologia, 04-10-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A relação com os animais familiares – comumente definidos como animais de estimação ou pets – teve um verdadeiro boom nas últimas décadas, especialmente a partir dos anos 1980, com uma tendência de crescimento constante no intervalo entre os dois séculos até ao advento da pandemia, em cujo biênio houve uma aceleração de adoções de grande relevância.
Explicar esse fenômeno de forma unívoca, como muitas vezes ouvimos falar – por exemplo na ideia de que os animais familiares são substitutos dos filhos – é absolutamente enganador.
De fato, trata-se de um evento social que tem uma multiplicidade de causas que devem ser analisadas em sua complexidade, evitando preconceitos que podem não levar em conta o importante papel de amortizador afetivo que os cachorros e os gatos desempenham na nossa sociedade.
Deve-se notar desde já que a sociedade contemporânea, especialmente no que diz respeito à chamada cultura ocidental, apresenta fragilidades significativas, e os animais são muitas vezes a cola que mantém unidas situações sociais que correm o risco de se despedaçar.
Quando falamos de sociedade líquida, como destacado no livro “Modernidade líquida” (2002) de Zygmunt Bauman, não nos referimos apenas à esfera econômica, atribuível ao consumismo e à globalização, nem ao problema do sentido de precariedade e de alienação ou à dificuldade de encontrar um ponto de referência próprio que não seja a mera necessidade de se sentir como os outros, aspectos da pós-modernidade, mas também à fraqueza já congênita de toda relação, criando um profundo sentimento de solidão.
Não há relação inter-humana que não esteja profundamente comprometida, e muitas vezes as conquistas em termos de emancipação individual têm revelado, por outro lado, uma progressiva liquefação das relações, cada vez menos sólidas, menos afetivamente satisfatórias e sobretudo menos sólidas no sentido de podermos contar com elas quando nos encontramos em dificuldades.
A corrida pela afirmação pessoal enfraqueceu os vínculos, razão pela qual hoje poderíamos inverter as afirmações de Thomas Hobbes: diante de uma inclinação natural do ser humano a construir vínculos afiliativos e colaborativos – bem distante do bellum omnium contra omnes – o novo Leviatã impõe um regime de vida baseado no individualismo levado ao excesso, realizando culturalmente o famigerado Homo homini lupus.
Há uma sensação de solidão moral no indivíduo que vive e se move dentro das superlotadas metrópoles contemporâneas, não só porque esse impulso à hiperperformatividade e à homologação tira espaço das escolhas pessoais e de uma maior solidez existencial, mas também porque essa teia afetiva composta por amigos, colegas, genitores e familiares está se deteriorando.
A liquidez contemporânea é principalmente afetiva. Por essa razão, defender que os cachorros e os gatos são substitutos das crianças e que sua presença dentro das famílias tende a inibir a natalidade nada mais é do que uma avaliação incorreta que não leva em conta todos os fatores presentes.
Portanto, quero logo abordar esse argumento.
Tomemos como primeiro aspecto o envelhecimento global da população: se nos anos 1950 na Europa a idade média era de 30 anos, no fim dos anos 1990 era de 40 anos e hoje é de 45 anos. Atualmente, mais de um quinto da população europeia tem mais de 65 anos.
Muitas vezes, os animais familiares representam para as pessoas idosas a única forma de companhia, uma presença ativa e pessoal que lhes permite dialogar e interagir, recebendo afeto e bom humor.
Além disso, não devemos esquecer o impulso motivacional que o fato de cuidar de um animal implica para levar uma vida ativa e satisfatória, manter hábitos saudáveis, como acordar de manhã, fazer atividades, manter a casa arrumada, sair para passear. Não por acaso, já há algum tempo têm sido publicados estudos que demonstram que a presença de um animal familiar aumenta a esperança média de vida das pessoas idosas, uma constatação atribuível à afetividade e ao exercício físico.
As pessoas idosas falam de seus animais, muitas vezes como se fossem seus filhos, e não há nada de errado nisso: certamente, não podemos atribuir a culpa da desnatalidade a essa relação entre pessoas idosas e animais.
Levemos em consideração agora os casais que, por algum motivo, não podem ter filhos ou as pessoas que vivem sozinhas. O ser humano tem uma predisposição marcada para os comportamentos parentais por razões de tipo filogenético – a imaturidade neonatal e a longa duração da idade evolutiva –, e, nessas situações, o fato de poder expressar a motivação epimelética permite diminuir o nível de inquietação e de ansiedade por meio de atividades de cuidado.
De fato, trata-se de um conjunto de ações que têm diversos efeitos de alívio sobre a condição emocional da pessoa:
1) a valência deslocativa, pela qual o sujeito desloca a atenção de si mesmo para levá-la para a alteridade, reduzindo assim os pensamentos obsessivos ou negativos;
2) a satisfação expressiva, que induz um efeito serotonínico, obtendo desse modo uma estabilização e um equilíbrio do humor;
3) o senso de autoeficácia, que fortalece a autoestima do sujeito, por um lado ao receber a demanda do animal, que demonstra assim sua dependência, e, por outro, ao ver as necessidades dele satisfeitas;
4) a confirmação afetiva, pois, ao realizar ações de cuidado, sentimo-nos retribuídos por meio de comportamentos afiliativos e afetivos por parte do animal.
Se, no ser humano, o apetite epimelético representa uma urgência expressiva relevante e um espaço existencial fundamental, isso não deve ser negado a quem não pode ter filhos.
Consideremos agora aquelas pessoas que estão vivendo uma condição de dificuldade, que pode ser momentânea, mas que, na maioria das vezes, é permanente. Não por acaso, vemos pessoas que vivem à margem da sociedade ou que se encontram em uma condição de desvantagem serem acompanhadas pela presença de um cachorro ou de um gato.
A dificuldade de integração social, no entanto, cria nesses indivíduos uma necessidade relacional e afiliativa que é compensada graças à relação com os animais familiares. Nos estados de dependência, como nas toxicodependências, alcoolismo ou no vício em jogos, a presença de um animal muitas vezes tem um efeito atenuante do problema e ajuda no processo de reabilitação e de recuperação da pessoa.
Gostaria de salientar que, nesses casos, não se trata daquele efeito conhecido como “pet therapy”, uma vez que as intervenções assistidas por animais são realizadas por operadores treinados em conjunto com o próprio animal por meio de sessões específicas.
O efeito benéfico de tipo afetivo da presença de um animal familiar diz respeito apenas ao aspecto de companhia e de proximidade que uma pessoa em dificuldade pode receber.
Poderíamos dizer algo semelhante sobre as pessoas que têm uma deficiência ou têm uma patologia incapacitante e que, muitas vezes, se encontram excluídas de todas aquelas oportunidades de participação social disponíveis para outros.
Voltemos, então, à discussão sobre as crianças e sobre o suposto papel substitutivo que os cachorros e os gatos desempenhariam, provocando a desnatalidade.
Não entrarei no argumento deste último fenômeno, que envolve particularmente uma parte do mundo e cujas causas deveriam ser abordadas em um artigo específico.
Neste caso, limito-me a evidenciar que, se os animais familiares fossem verdadeiramente um substituto dos filhos, deveríamos levantar a hipótese de que se estabeleceria uma relação inversamente proporcional entre os dois termos: os cachorros e os gatos estariam presentes naquelas famílias onde não há crianças, e a presença destes últimos limitaria a presença dos chamados pets.
O fato é que as coisas absolutamente não são assim, e as estatísticas nos dizem que a presença de crianças favorece a adoção de animais, e não o contrário. São precisamente as famílias com crianças que têm mais probabilidade de ver a presença de um animal familiar! Os dois termos, portanto, são diretamente proporcionais.
Mas, neste ponto, devemos fazer mais uma consideração. Se a família mononuclear tinha uma capacidade de resiliência afetiva e coesiva menor do que a família alargada típica da sociedade rural, hoje esse tipo de família também está vivendo uma grande crise, com genitores que muitas vezes se separam, especialmente quando filhos e filhas chegam à adolescência.
São vários os fatores sociais e psicológicos que estão na base dessa fragilidade da família, e também neste caso enumerá-los seria uma longa discussão.
Dito isso, é evidente que, embora o genitor pense que o filho adolescente tem menos necessidade de sua presença ou, em todo o caso, está bastante grande a ponto de suportar melhor a separação dos genitores, pelo contrário, o jovem na puberdade tem uma necessidade ainda mais consistente de se sentir reconfortado pela presença e pela solidez de sua família.
Isso significa que muitos adolescentes vivem essa sua idade de passagem com um grande sentimento de precariedade afetiva que pode encontrar uma compensação precisamente na presença de um animal de estimação.
Por fim, não devemos esquecer que mesmo as crianças e os adolescentes nas idades anteriores à puberdade vivem momentos difíceis de transição que encontram uma importante almofada afetiva na relação com o animal.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Os animais estão substituindo as crianças? Artigo de Roberto Marchesini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU