17 Setembro 2024
Novo "bloco católico" é formado no Senado brasileiro para "defender os valores morais e éticos do catolicismo".
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada por Crux, 16-09-2024.
Um novo e inédito “bloco católico” no Senado do Brasil, o maior país católico do mundo, foi apresentado por seus fundadores como uma forma de defender os “valores morais e éticos” católicos, mas denunciado pelos críticos como não representativo da Igreja em geral.
Lançado oficialmente em 4 de setembro, o bloco é visto por muitos observadores como uma tentativa dos legisladores católicos de replicar o sucesso da "Bancada Evangélica" do Brasil no parlamento e entre autoridades governamentais, que, se fosse um partido político formal, seria o terceiro maior do país.
Notavelmente, embora alguns bispos brasileiros tenham participado do evento de lançamento de 4 de setembro, incluindo o cardeal Paulo Cezar Costa, da capital do país, Brasília, a conferência episcopal do país disse que não foi consultada sobre a iniciativa e não tem vínculos com ela.
O bloco católico foi fundado pelo senador Marcos Pontes, militar que em 2006 visitou a Estação Espacial Internacional e se tornou o primeiro – e, até agora, único – astronauta brasileiro.
Pontes foi ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação durante o governo do presidente Jair Bolsonaro e foi eleito senador em 2022. Ele é membro do Partido Liberal de Bolsonaro e é um defensor da agenda conservadora do ex-presidente.
O vice-presidente do novo bloco é o senador Flávio Arns, político progressista de longa data, cuja notoriedade no início da carreira se deve ao fato de ser sobrinho do cardeal Paulo Evaristo Arns – e de sua irmã Zilda.
Arns foi o Arcebispo de São Paulo e um famoso defensor dos direitos humanos no Brasil. Zilda foi uma médica que fundou a Pastoral da Criança, uma grande iniciativa da igreja que tem sido fundamental para ajudar milhares de mães pobres e seus bebês.
Outros dez senadores integram o bloco, entre eles Esperidião Amin, um homem forte da direita na política catarinense que atua desde os anos da ditadura militar (1964-1985). Amin apoiou o regime e sempre foi fiel ao mesmo grupo político, o que muitas vezes está em desacordo com a agenda social da conferência dos bispos.
O bloco anunciou que sua missão é “defender os princípios éticos, morais e doutrinários preconizados” pela Igreja; “acompanhar projetos de lei de interesse” do bloco no Congresso Nacional; e “assessorar senadores na elaboração e votação de projetos de lei” que tenham os mesmos objetivos do bloco.
Um dos participantes da cerimônia de 4 de setembro foi o congressista Eros Biondini, ativista e cantor da Renovação Católica Carismática. Biondini liderou o bloco católico da Câmara dos Deputados até o início de 2024 e ainda é seu vice-presidente.
Ao mencionar a necessidade de lutar por políticas que estejam alinhadas às crenças católicas, o discurso de Biondini revelou uma das preocupações dos congressistas católicos.
“O governo deveria cuidar de todos os dependentes químicos e nunca pensar, em vez disso, na liberalização ou na [defesa] das drogas”, disse.
No Brasil, as chamadas “comunidades terapêuticas”, a maioria administrada por igrejas (especialmente por denominações evangélicas, mas também por grupos católicos), têm sido uma alternativa importante para lidar com o vício em drogas. Os viciados são enviados para esses lugares, muitas vezes em áreas rurais, onde trabalham e espera-se que parem de usar drogas de uma vez por todas.
Alguns especialistas em saúde e autoridades governamentais argumentam que as comunidades terapêuticas nunca provaram ser eficazes. Ao mesmo tempo, os críticos dizem que elas também violam os direitos dos viciados, em parte por obrigá-los a participar de atividades religiosas. Uma pesquisa recente mostrou que em 89% dessas comunidades, ler a Bíblia é uma prática obrigatória, assim como comparecer a cerimônias religiosas.
As comunidades foram promovidas durante o governo Bolsonaro, que as financiou com dinheiro público. O presidente liberal Luiz Inácio Lula da Silva inicialmente continuou a enviar fundos, mas a oposição de membros de seu governo e de médicos e acadêmicos a tal política o levou a cortar o dinheiro no início deste ano.
Os críticos das comunidades terapêuticas insistem que os fundos públicos devem ir apenas para clínicas administradas pelo governo, onde os viciados recebem tratamento diário.
Segundo o teólogo Fernando Altemeyer Jr., professor de estudos da religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, garantir dinheiro do governo para iniciativas como as comunidades terapêuticas é o verdadeiro objetivo do novo bloco católico.
“Com a desculpa de criar um bloco para disputar forças com o bloco evangélico, esses políticos vão pedir dinheiro para grupos e paróquias católicas e tentar obter licenças de emissoras de rádio e TV para a igreja”, disse Altemeyer ao Crux.
Em sua opinião, os membros do bloco católico querem aparecer como “líderes da fé” com objetivos eleitorais e políticos.
“Esse grupo é realmente desnecessário. A maioria deles está conectada à extrema direita e não é diferente dos membros do bloco evangélico”, disse ele.
Na opinião de Altemeyer, não há espaço para tais forças na democracia brasileira, “na qual uma multiplicidade de partidos debate os temas da sociedade com o pluralismo adequado”.
“Eles não deveriam dizer que são o 'bloco católico'. Eles são apenas uma fração da Igreja Católica no Brasil. Eles não têm permissão para representar todos os católicos”, disse Altemeyer.
Daniel Seidel, que lidera a Comissão de Justiça e Paz da conferência episcopal, disse ao Crux que “não faz parte da tradição da conferência incentivar a formação de blocos no Congresso”.
“Para piorar as coisas, a maioria desses políticos apoia políticas que vão contra as orientações da conferência episcopal”, disse Seidel.
Muitos parlamentares que fazem parte do bloco católico na Câmara dos Deputados, por exemplo, apoiam a redução da idade penal mínima (que é 18 anos no Brasil), enquanto o episcopado é contra. Muitos também apoiaram uma grande reforma trabalhista que foi promovida em 2017 e, na visão dos bispos, reduziu os direitos dos trabalhadores brasileiros.
“Esse chamado bloco católico é coerente com qual posição católica, se não segue as visões do episcopado?”, perguntou Seidel.
Para ele, a nova bancada no Senado, assim como a já existente na Câmara dos Deputados, está vinculada a uma “agenda moralista” limitada, que contempla apenas temas como aborto e eutanásia.
“A conferência dos bispos sempre trabalhou em favor da vida e recorreu a amplas discussões com políticos para isso. Ela não tem interesses corporativos”, disse Seidel.
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Novo 'bloco católico' no Senado do Brasil é visto como esforço para conter influência evangélica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU