06 Setembro 2024
"Como justificar, para o Brasil e para o mundo, que o país-sede da COP na Amazônia seguirá nesse investimento de longo prazo com tantas incertezas e consequências sociais e ambientais negativas documentadas em uma das regiões mais vitais e vulneráveis do planeta?" escreve Ilona Szabó de Carvalho, presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia), em artigo publicado por Folha de S.Paulo, e reproduzido no Facebook de André Vallias, 04-09-2024.
Às vésperas do Dia da Amazônia (5 de setembro), cabe perguntar se queremos celebrar a data de forma perene. Além do fogo e da fumaça, a Amazônia está ameaçada pela falta de clareza do Brasil em seu projeto de transição energética, que corre em paralelo ao discurso governamental de que o país precisa explorar petróleo na Foz do Amazonas. Precisa?
Já abordei na coluna passada as contradições internas que levam o governo, por exemplo, apenas nas duas últimas semanas, a assinar um inédito pacto entre os três Poderes para um Plano de Transformação Ecológica e uma Política Nacional de Transição Energética que tem no gás natural – uma fonte fóssil– sua grande vertente.
Esse desalinhamento, no caso da Foz do Amazonas, resultou na queda de braço entre representantes do Ibama e da Petrobras. Os riscos ambientais têm sido o principal foco do debate, dada a enorme biodiversidade da região, que abriga 70% dos manguezais do país e um sistema de recifes ainda pouco estudado. Mas temos de destacar também os graves riscos sociais associados, como a ocupação desordenada do território, a intensificação da criminalidade e a pressão sobre as áreas protegidas.
A exploração do bloco 59, poço localizado na costa do Amapá, pode agravar um contexto precário. O estado, em 2023, apresentou a maior taxa de mortes violentas intencionais, e a capital, Macapá, tem hoje o pior índice de transparência entre as demais do país. Oiapoque, o município mais próximo do poço em questão e que abriga inúmeras comunidades indígenas, é ponto crucial da rota do narcotráfico da região.
O argumento sobre a importância dos royalties do petróleo para a região não se sustenta quando analisamos o mau uso histórico desses recursos, que falham em gerar qualidade de vida para populações locais e trazem corrupção, violência e desigualdades.
E há ainda o risco reputacional, com uma eventual perda de capital político global que pode impactar as negociações de acordos bilaterais e multilaterais, fundamentais para a atração de investimentos privados verdes em escala.
As reservas nacionais provadas de petróleo garantem a produção até 2037 (fora as estimadas), enquanto a Associação Internacional de Energia (AIE) projeta o decréscimo da demanda global a partir de 2030.
A Petrobras prevê investir US$ 3 bilhões nos próximos cinco anos na Foz do Amazonas; a estimativa de investimentos futuros é de US$ 56 bilhões. São recursos que poderiam migrar para expandir, em vez do combustível fóssil, a produção de energia renovável –lembrando que, entre 2018 e 2022, os subsídios aos fósseis cresceram 124%, ante 52% para fontes renováveis.
Como justificar, para o Brasil e para o mundo, que o país-sede da COP na Amazônia seguirá nesse investimento de longo prazo com tantas incertezas e consequências sociais e ambientais negativas documentadas em uma das regiões mais vitais e vulneráveis do planeta?
Não se justifica. A resposta é não, o Brasil não precisa do petróleo da Foz do Amazonas.
Precisa, sim, deslanchar a transição ecológica – mostrando coerência com a decisão de não cruzar essa linha–, aproveitar os ganhos reputacionais da decisão acertada e alavancar recursos para um projeto econômico que abrace e proteja a nossa biodiversidade.
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Brasil não precisa do petróleo da Foz do Amazonas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU