30 Agosto 2024
Não faltaram críticas ao Instrumentum laboris para a segunda sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (prevista para outubro de 2024), publicado no último dia 9 de julho.
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada por Settimana News, 28-08-2024.
Dario Vitali, eclesiólogo e consultor da Secretaria Geral do Sínodo, coordenador dos especialistas teólogos na primeira sessão de outubro passado, aceitou responder a algumas de nossas perguntas para explicar o trabalho realizado e seus objetivos na perspectiva do processo sinodal.
Padre Dario, a SettimanaNews recebeu e publicou algumas contribuições críticas em relação ao Instrumentum laboris (IL) para a segunda sessão da Assembleia do Sínodo. Como o senhor, que participou diretamente da redação do texto, avalia essas considerações?
Devo dizer que li com certa surpresa as intervenções sobre o IL. Não me impressionam os julgamentos, mas sim os julgamentos apressados e os preconceitos. Muitas considerações são totalmente pertinentes para uma análise da situação atual da Igreja, mas dão a sensação de uma ignorância substancial sobre o instituto sinodal e suas dinâmicas.
A questão já havia surgido em relação ao Relatório de Síntese publicado no fim da primeira sessão da Assembleia: muitos lamentavam a falta de decisões por parte da Assembleia; como se essa Assembleia pudesse tomar alguma decisão de forma autônoma e não fosse apenas uma etapa do processo sinodal.
O Sínodo dos Bispos, instituído por Paulo VI com o motu proprio Apostolica sollicitudo de 15-09-1965, era um organismo consultivo em auxílio ao primado: o consenso dos bispos convocados deveria ajudar o papa nas decisões sobre os problemas mais graves e urgentes da Igreja.
A transição de evento para processo, promovida por Francisco com a constituição apostólica Episcopalis communio de 15-09-2018, abriu à participação de toda a Igreja, e não apenas de alguns bispos, na dinâmica sinodal, mas não transformou o Sínodo em um parlamento que emite leis ou toma decisões. O Sínodo é o "lugar", o "espaço" institucional do discernimento eclesial, com suas três fases de uma Assembleia:
Trata-se de um processo unitário, onde a estreita concatenação das fases tem o objetivo de fazer emergir o nível de consenso em torno da questão fundamental da sinodalidade, e da reavaliação da comunhão, participação e missão em uma perspectiva sinodal. Quanto mais maduro se torna o consenso, mais não apenas possíveis, mas justificadas serão as possíveis escolhas de reforma do sistema. Escolhas que, no entanto – é bom destacar – não cabem ao Sínodo, mas ao papa.
Mesmo as duas sessões que compõem a segunda fase desta Assembleia são "lugares" de discernimento. Ao Sínodo cabe indicar o caminho que emerge da escuta do Espírito através das etapas do processo sinodal. Lamentar uma falta de decisão por parte do Sínodo é exigir do Sínodo aquilo que o Sínodo não é e aquilo que não lhe compete.
O texto prevê a transição da pergunta "Igreja sinodal: o que dizes de ti mesma?" para a seguinte: "Como ser uma Igreja sinodal em missão?" Da sinodalidade "percebida" para a sinodalidade "em exercício". É isso?
Sim e não. A sinodalidade em exercício não depende da sinodalidade percebida, mas da sinodalidade efetiva. Depende, em outras palavras, do fato de que a Igreja é "constitutivamente sinodal". Maturar o consenso em torno dessa simples verdade é mais importante do que muitas decisões isoladas, que muitos clamam sobre este ou aquele assunto.
O tema da XVI Assembleia Geral Ordinária é a sinodalidade: muitos parecem ter esquecido isso. Se a Igreja é constitutivamente sinodal, impõe-se a necessidade de repensar em chave sinodal cada aspecto de sua vida. Por isso, sustento que o fato mais importante deste Sínodo não é esta ou aquela decisão singular, esta ou aquela reforma, mas a compreensão da Igreja que está em sua base.
A sinodalidade, de fato, não se refere unicamente a uma prática de discernimento, mas a um estilo e a uma forma de Igreja, em evidente continuidade com o Concílio Vaticano II. De fato, a sinodalidade é a forma da comunhão na Igreja-Povo de Deus.
O IL explica isso na primeira parte do texto, aquela sobre os Fundamentos. Lamentar que essa parte não traz nada de novo sobre a sinodalidade é realmente singular. O sentido dessa parte é reunir o que emergiu sobre o tema e constitui a base segura – os Fundamentos, justamente – para enfrentar a questão fundamental – "Como ser uma Igreja sinodal em missão?" – e esclarecer as questões relativas às Relações, aos Percursos, aos Lugares, sobre as quais a Assembleia é chamada a se confrontar.
Os Fundamentos são a declaração expressa de que a Igreja é constitutivamente sinodal. A premissa diz bem:
"Esta seção do IL busca delinear os fundamentos da visão de uma Igreja sinodal missionária, convidando-nos a aprofundar a compreensão do mistério da Igreja. Faz isso sem pretender oferecer um tratado completo de eclesiologia, mas colocando-se a serviço do caminho de discernimento da Assembleia sinodal de outubro de 2024."
A seção dos Fundamentos não provém da compreensão original deste ou daquele teólogo, e nem deste ou daquele pastor, nem mesmo do papa, mas do consenso da Igreja amadurecido através das fases do processo sinodal. Sobre esses Fundamentos registrou-se a convergência do Povo de Deus, sujeito da função profética na Igreja, e dos Pastores, que exerceram sua função de discernimento.
Não se trata de sinodalidade percebida (a menos que este adjetivo não remeta à perceptio da Dei Verbum 8, quando, explicando o progresso da Tradição sob a assistência do Espírito Santo, sustenta que "cresce a perceptio das coisas e das palavras transmitidas"), mas de sinodalidade afirmada no plano teológico como dimensão constitutiva da Igreja. É nesse pressuposto que se baseia um exercício compartilhado do método sinodal, que vai amadurecendo através da experiência sinodal em curso.
No contexto eclesiológico do documento, parece emergir mais a dimensão trinitária e do Espírito do que a cristológica. É assim?
Certamente. E isso também é um aspecto em evidente continuidade com o Vaticano II. Todos sabemos do déficit pneumatológico da teologia latina do segundo milênio, que está na base de uma compreensão hierarcológica da Igreja. A recuperação do Espírito Santo operada no capítulo I da Lumen gentium determina o surgimento da Ecclesia de Trinitate.
Muito se insistiu na dimensão trinitária da Igreja, repetindo – muitas vezes mais por retórica do que por uma compreensão afetiva – a fórmula de Cipriano: a Igreja é de unitate Patris et Filii et Spiritus Sancti plebs adunata. Mas se se aceita esse horizonte trinitário, é preciso aceitar também que o Espírito está presente e age na Igreja. E, como "o Espírito guia a toda a verdade, a unifica na comunhão e no serviço, a edifica e a dirige mediante os diferentes dons hierárquicos e carismáticos, e a enriquece com seus frutos" (LG 4), o primeiro ato da Igreja não pode ser outro senão o da escuta do Espírito. Escuta que se traduz na escuta daqueles que receberam o Espírito.
Entende-se nessa linha a afirmação do papa no 50º aniversário da instituição do Sínodo (17-10-2015):
"Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta... Uma escuta recíproca, em que cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio episcopal, Bispo de Roma: uns em escuta dos outros; e todos em escuta do Espírito Santo, o 'Espírito da verdade' (Jo 14,17), para conhecer o que 'ele diz às Igrejas' (Ap 2,7)."
Todo o processo sinodal, com a consulta ao Povo de Deus nas Igrejas particulares e as etapas subsequentes de discernimento, baseia-se nesse princípio de escuta do Espírito no Povo de Deus, sujeito do sensus fidei, e dos Pastores em sua função de discernimento. Também aqui estamos em linha com a eclesiologia conciliar (cf. LG 12). Tudo isso não faz senão traduzir a eclesiologia conciliar, que o IL lê através de uma chave de leitura original.
Quem busca uma novidade no documento da Secretaria do Sínodo não poderá deixar de reconhecê-la na escolha de abrir a reflexão sobre os Fundamentos com a referência à "Igreja Povo de Deus, sacramento de unidade".
Quem se lembra de uma eclesiologia de comunhão que fazia tudo depender da Communio hierarchica, em nome da qual se impôs uma centralização da Igreja que reduziu as Igrejas locais a circunscrições administrativas da Igreja universal e apagou totalmente a eclesiologia do Povo de Deus, deveria perceber a enorme importância dessa escolha. Não só porque recupera a categoria de Povo de Deus, mas porque conjuga as afirmações fundamentais dos capítulos I e II da Lumen gentium, atribuindo ao Povo de Deus tudo o que o capítulo I diz sobre a Igreja-mistério. Em jogo está verdadeiramente a recepção da eclesiologia conciliar e sua "revolução copernicana".
Há uma forte ênfase no processo de discernimento (premissas, condições, elementos espirituais, conversação no Espírito etc.), mas há menos espaço para possíveis decisões (cf. não ao diaconato feminino n. 17, o simples desejo de superar a rigidez consultivo-deliberativa n. 70, o papel doutrinal das Conferências Episcopais a ser determinado n. 91). No entanto, é dito que, sem decisões concretas, todo o percurso não será credível (n. 71). Será preciso escolher.
Não. Não será preciso escolher, porque não existe contraste entre os dois aspectos; ao contrário, um implica o outro. Explico: se o processo sinodal é um processo de discernimento eclesial, e esse processo culmina em um consenso eclesial que é a manifestação do Espírito e de sua ação na Igreja, não decidir nesse sentido significa resistir ao Espírito. Por isso o IL insiste tanto nas condições do discernimento.
Para entender sua importância, basta lembrar o caso dos dogmas marianos: para Pio IX e Pio XII, a singularis conspiratio dos fiéis e dos pastores foi argumento suficiente para definir, respectivamente, a Imaculada Conceição e a Assunção de Maria ao céu.
Da mesma forma, o consenso emergido do processo sinodal é argumento suficiente para tomar uma decisão: se a consulta ao Povo de Deus serve como prova para um dogma de fé – era a argumentação de Newman –, serve ainda mais para um processo decisório fundamentado no discernimento eclesial. Ignorar esse discernimento significa ignorar o Espírito que fala à Igreja.
Numa Igreja hierárquica, a capacidade decisória era atribuída, em primeiro lugar, a quem se supunha constituído em autoridade pelo próprio Cristo; numa perspectiva pneumatológica, essas autoridades não desaparecem, mas são formas de serviço dentro de uma Igreja em que todos participam do discernimento, visto que todos receberam o Espírito. O critério mais seguro para qualquer decisão na Igreja é o discernimento eclesial: "Não apaguem o Espírito; não desprezem as profecias. Examinem tudo, fiquem com o que é bom" (1Ts 5,19-21).
Nessa perspectiva, compreende-se a instituição das comissões para estudar os dez temas que não serão objeto de discussão na próxima Assembleia do Sínodo. Essa decisão do papa não é um roubo ao Sínodo, que, em relação a esses temas, já expressou seu pleno consenso; ao contrário, expressa uma autoridade e uma força do consenso amadurecido pela Assembleia, capazes de abrir um processo concreto de reavaliação dessas matérias em uma lógica sinodal.
Mas é preciso reconhecer – como demonstra a discussão sobre a natureza meramente consultiva do Sínodo – que estamos apenas nos primeiros passos na reinterpretação dos processos decisórios na Igreja na modalidade de uma participação diferenciada.
A sinodalidade é o fruto maduro da colegialidade (Vaticano II) e do serviço primacial (Vaticano I)?
Eu diria, de forma mais geral, que a sinodalidade é um fruto maduro do Vaticano II, uma recepção mais completa da eclesiologia conciliar. Isso implica, naturalmente, a compreensão da relação entre primado, colegialidade e sinodalidade. Não é sem significado que as três doutrinas tenham surgido em sequência temporal: o primado no Vaticano I, a colegialidade no Vaticano II, a sinodalidade agora, após um processo conturbado de recepção da eclesiologia conciliar que ainda não pode ser considerado concluído.
Era necessário resolver a questão do primado antes da colegialidade, e do relacionamento entre primado e colegialidade, antes que pudesse emergir o tema da sinodalidade. Isso porque a Igreja, desde a Reforma Gregoriana, constituiu-se numa estrutura piramidal, abandonando a forma da communio Ecclesiarum do primeiro milênio, que estava na base da antiga prática sinodal. A escolha foi então necessária para superar o sistema de investiduras laicas, que estava sufocando a Igreja, reduzindo-a a um engrenagem do sistema político do Sacro Império Romano.
Mas a concentração de todo poder no papa e a consequente identificação da Igreja com seu chefe visível determinaram que, antes de mais nada, fosse necessário esclarecer a doutrina do primado: isso foi feito no Vaticano I, que deixou à sombra o ministério episcopal; o Vaticano II reequilibrou as afirmações, afirmando a colegialidade após um debate muito acalorado em plenário.
Se a nota explicativa previa é o sinal da dificuldade em compor as duas doutrinas, os eventos da Igreja após o concílio demonstram a dificuldade em traduzir em prática a colegialidade. Até hoje, não se pode apontar com certeza um único ato que se possa atribuir ao colégio dos bispos como "sujeito de plena e suprema autoridade sobre toda a Igreja" (LG 22): quem sustenta o contrário confunde colegialidade efetiva com colegialidade afetiva.
Tudo isso demonstra que, isolados do Povo de Deus, primado e colegialidade acabam por se tornar duas instâncias em tensão entre si. Somente recuperando sua dimensão de serviço ao Povo de Deus é que encontram sentido e capacidade de exercício. Isso significa que não é a sinodalidade que depende do primado e da colegialidade; ao contrário, são estes que dependem da sinodalidade.
Mas aqui está o sentido profundo da virada eclesiológica do Vaticano II, ao introduzir um capítulo sobre o Povo de Deus que precedesse o sobre a hierarquia, afirmando a radical igualdade de todos na Igreja antes de qualquer diferença de função ou estado de vida.
O concílio, se quisermos ser precisos, não fala de sinodalidade: não era de seu interesse, pois estava concentrado em resolver a questão da relação entre primado e colegialidade. Mas todos os elementos da sinodalidade estão implícitos no capítulo de Lumen gentium sobre o Povo de Deus. Um deles, em especial, é a relação necessária entre sacerdócio comum e sacerdócio ministerial, "ordenados um ao outro, porque ambos participam do único sacerdócio de Cristo" (LG 10): essa correlação recupera a capacidade ativa do Povo de Deus, chamado a exercer sua função profética, sacerdotal e régia, mas torna, consequentemente, qualquer função ministerial um serviço ao Povo de Deus.
Esclarecido isso, compreende-se como a sinodalidade é a condição para o exercício do primado e da colegialidade, e não o contrário: assim como a condição de igualdade na Igreja precede qualquer diferença de carismas, ministérios, funções, estados de vida, assim também a sinodalidade, como dimensão constitutiva da Igreja-Povo de Deus, precede a função primacial e a colegial do episcopado.
Do resgate da sinodalidade, tanto o primado quanto a colegialidade poderão receber nova luz e novo impulso. Por isso também é urgente desenvolver plenamente o papel que cabe ao Povo de Deus na vida eclesial, sobretudo no que diz respeito à função régia, que implica a participação ativa nos processos decisórios. Essa participação não consiste em reconhecer o papel dos leigos na Igreja (questão que sempre acaba se resolvendo em uma colaboração subordinada ao ministério ordenado), mas em afirmar o primado do Povo de Deus como sujeito, e, portanto, de suas funções como as primeiras (em ordem de tempo) e necessárias (em ordem à verdade dos processos eclesiais) para a vida da Igreja.
Dizer Povo de Deus como sujeito significa dizer todos: "desde os bispos até os últimos fiéis leigos", dizia Santo Agostinho, citado em LG 12; deveríamos dizer: desde o papa até o último fiel leigo. Dizer função do Povo de Deus significa referir-se àquelas que implicam esses "todos", ou seja, a Igreja como Povo de Deus: o sensus fidei, acima de tudo, pelo qual "a totalidade dos fiéis que receberam a unção do Santo (cf. 1Jo 2,20.27) não pode errar na crença" (LG 12). É aqui que se fundamenta a afirmação da "Igreja sinodal como Igreja da escuta" (Papa Francisco, Discurso no 50º aniversário da instituição do Sínodo, 17 de outubro de 2015). Dessa escuta do Povo de Deus – que é escuta do Espírito – deveria depender todo discernimento eclesial e todo processo decisório na Igreja.
A insistente confirmação da estrutura hierárquica (n. 3, 35, 37, 38 etc.) parece prevalecer sobre sua formulação sinodal. É apenas uma questão de início rumo a um território ainda desconhecido?
A dimensão sinodal da Igreja não é alternativa à hierárquica. Se assim fosse, valeria o dito evangélico da casa destinada a cair por estar dividida contra si mesma (Mc 3,25).
O capítulo III de Lumen gentium fala da constituição hierárquica da Igreja. Sacrosanctum concilium descreveu a Igreja como "sacramento de unidade, ou seja, Povo santo reunido e ordenado sob a liderança dos bispos" (SC 26).
Existe uma linha interpretativa da sinodalidade que entende o Povo de Deus como oposto à hierarquia. Mas isso é um beco sem saída, porque a Igreja não poderia existir dividida entre dois sujeitos contrapostos: a teologia do Povo de Deus, como emerge do concílio, não é um dado sociológico, mas uma realidade teológica, onde os vários sujeitos, mesmo com a diversidade de funções, formam um único corpo. Lumen gentium sublinhou que a unidade desse corpo eclesial é a do Povo de Deus, em que os vários ministérios e carismas são ordenados para a edificação de todo o corpo e para o serviço da missão de todo o corpo.
Se há uma verdadeira novidade no IL, é precisamente a afirmação de que a Igreja deve aprender a viver na circularidade entre os vários sujeitos eclesiais: "a comunhão exige relações recíprocas e horizontais, não apenas verticais e descendentes" (n. 31). O "conhecimento espiritual" entre todos os sujeitos é o fundamento da sinodalidade como forma eclesial. Este conhecimento se realiza pela escuta do outro e é sempre uma forma de obediência ao Espírito que nos fala por meio do outro. Por isso, é um erro pensar que a hierarquia não participe desse conhecimento, ou que não deva praticar a escuta: sem isso, a mesma hierarquia se distorce, ao ser colocada fora do contexto do Povo de Deus. A formulação "não só uma Igreja hierárquica, mas uma Igreja sinodal" (n. 37) significa que a estrutura hierárquica, para estar em conformidade com a eclesiologia do Vaticano II, não deve entender-se a si mesma fora do contexto do Povo de Deus, mas como uma realidade dinâmica dentro dele, a serviço dele, e não como algo fixo e imutável.
O IL deve insistir no fato de que a Igreja é sempre e simultaneamente comunhão, hierarquia e missão: porque, se a comunhão sinodal não inclui a hierarquia, então ela se contradiz, colocando-se contra a estrutura interna da Igreja; se a hierarquia não se coloca na dinâmica sinodal da comunhão, ela se contradiz, porque deixa de ser hierarquia na Igreja; e se a comunhão sinodal não é uma comunhão missionária, ela se contradiz, porque perde a função que é sua razão de existir.
Há algo de insatisfatório no modo como são descritos os sujeitos eclesiais. No n. 40, por exemplo, são listados "os diversos sujeitos da Igreja": os pastores, o Povo de Deus, os pobres e as vítimas dos abusos. Ora, se se diz que os pastores são o episcopado e o Povo de Deus é o conjunto dos batizados, significa que os pastores não pertencem ao Povo de Deus? Se ao contrário, como é óbvio, pertencem, então os sujeitos indicados são realidades sociológicas e não eclesiais, ou seja, não têm caráter de status ecclesiasticus.
Mas as divisões sociológicas eclesiais nunca podem coincidir com as divisões eclesiológicas: uma divisão por funções e papéis (sacerdócio comum e sacerdócio ministerial) não se sobrepõe à divisão em classes sociais. Estas, ao contrário, acabam distorcendo a unidade do Povo de Deus: a divisão dos batizados em classes eclesiais diferentes é uma tentação a ser combatida, não a ser descrita.
O próprio IL apresenta as coisas de outra forma, ao falar dos "sujeitos da missão da Igreja": "os bispos são chamados a viver e testemunhar a experiência da sinodalidade em comunhão com o Papa, "que é chamado, como pastor e doutor supremo de todos os fiéis, a garantir a unidade da Igreja", e entre si, como "membros do colégio episcopal" [...]; o Povo de Deus é chamado a viver e testemunhar a experiência da sinodalidade nas Igrejas particulares, "à imagem da Igreja universal"" (n. 44). Se a sinodalidade é uma experiência comum a todos os sujeitos eclesiais, não pode ser descrita em termos sociológicos, mas eclesiológicos. Por outro lado, o fato de que cada sujeito tenha seu próprio papel e função diferentes não significa que sejam diferentes em termos de eclesiologia, mas em termos de funções e papéis dentro da única realidade eclesial. Isso precisa ser dito explicitamente, porque a tentação sociológica ainda é forte na Igreja: a distinção entre clérigos e leigos é o sinal disso. Por isso, a sinodalidade só poderá ser vivida se antes for compreendida.
Qual é a diferença entre uma consulta meramente consultiva e uma verdadeiramente sinodal?
Isso depende de como se entende a escuta do Espírito. Se essa escuta for considerada um peso, a consulta será de fato meramente consultiva; se for compreendida como o fundamento do processo sinodal, ela será determinante para a decisão final.
Aqui entra a relação entre discernimento e decisão: se o processo de discernimento conduz a uma resposta do Espírito – que, como tal, está em conformidade com a Palavra de Deus, a Tradição viva e o Magistério –, a decisão final está já inscrita no processo e o atesta. Por isso, é ilusório pensar que um discernimento eclesial não seja decisório: "quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas" (Ap 2,7,11,17 etc.).
É claro que, para realizar uma verdadeira sinodalidade, é necessário, como dissemos acima, recuperar a função do Povo de Deus como sujeito da decisão, portanto superar a fixidez da modalidade consultivo-deliberativa. Os passos em direção a um reconhecimento do sujeito eclesial como Povo de Deus são, entretanto, apenas iniciais: por isso, deve-se insistir na escuta, que requer tempo, formas e condições adequadas. Porque não se trata de uma coleta de opiniões para serem eventualmente consideradas pela autoridade, mas da manifestação do Espírito que dá vida à Igreja.
Se a consulta sinodal for entendida em sentido consultivo, então, pode-se decidir de maneira não conforme ao Espírito, ou seja, de maneira não conforme à vontade de Deus; mas se for compreendida em sentido sinodal, então a decisão será conforme ao Espírito, portanto, à vontade de Deus. Esse é o critério para um verdadeiro discernimento eclesial.
Quais as dificuldades?
A escuta do Espírito não é um processo espontâneo e natural, mas fruto de uma conversão à escuta, que requer condições adequadas: a oração, a escuta da Palavra, o exame de consciência, o discernimento pessoal e comunitário, a confiança recíproca, a reciprocidade entre os sujeitos etc. Além disso, é um processo humano, e como tal marcado por todos os limites próprios das realidades humanas. Por isso, o IL aponta a necessidade de formar para a escuta, para a conversão, para o discernimento: sem essa formação, será muito difícil praticar a sinodalidade como autêntica experiência eclesial.
A consulta sinodal tem caráter deliberativo?
Depende de como é vivida. Uma prática deliberativa que se conforma à lógica sinodal implica em aceitar que a decisão já esteja contida no processo de discernimento, como se dizia. Se for compreendida dessa forma, o papel da autoridade é aquele de reconhecer o que o Espírito diz à Igreja através da consulta ao Povo de Deus: será uma prática deliberativa em sentido sinodal.
Mas, como a conversão ao discernimento é um processo que exige tempo, por enquanto, só podemos viver a sinodalidade em termos de escuta, sem forçar os tempos da decisão. Nesse sentido, a deliberação pode permanecer implícita no discernimento: isso implica em tempo, paciência e uma autêntica confiança na ação do Espírito.
Nesse processo de discernimento, a escuta do Povo de Deus e a autoridade hierárquica se colocam numa relação de reciprocidade e circularidade: "a recíproca escuta entre os diversos sujeitos da vida eclesial" (n. 31). Se a sinodalidade for vivida como uma prática deliberativa, o critério será sempre o discernimento eclesial, que envolve a todos e está em conformidade com o Espírito.
A prática deliberativa sinodal ainda está em seus primeiros passos: será preciso tempo e paciência para que essa prática se enraíze na vida da Igreja.
O enorme esforço de reflexão e confronto, que envolveu Igrejas locais, Conferências episcopais, Conferências continentais, mas também religiosos, dicastérios, párocos e mais de 200 instituições, ainda corre o risco de resultar infrutífero, de não impedir um retrocesso? As muitas ausências (n. 12) prenunciam possíveis separações?
É difícil dizer se a experiência sinodal vivida até agora impedirá um retrocesso. Acredito que muitos desejam e trabalham para restaurar o status quo; muitos consideram a sinodalidade uma moda passageira, que desaparecerá com o fim deste pontificado. O descontentamento parece ser alimentado artificialmente, ampliando qualquer pequeno elemento de dissonância para desacreditar o processo sinodal.
A oposição a este papa, na verdade, esconde a oposição não declarada e nunca superada de certos setores à eclesiologia do Vaticano II. O que está em jogo é o legado do Concílio, que seria um patrimônio compartilhado se os grupos que o contestam fossem confrontados por uma Igreja que conhece o Vaticano II, porque o estudou, o assimilou e o vive. Existe uma ignorância sobre o Concílio equivalente à presunção de conhecê-lo!
O “enorme esforço de reflexão e confronto” que buscou envolver toda a Igreja e todos na Igreja não é um sofisticado sistema de participação parlamentar, mas a aplicação lógica dos princípios eclesiológicos afirmados pelo Concílio: se a Igreja é o Povo de Deus em caminho para o Reino, a condição desse Povo será “caminhar juntos” em direção à plenitude da comunhão.
E se esse Povo é guiado em sua jornada histórica pelo Espírito de Cristo (ou, correlativamente, se Cristo guia sua Igreja primeiramente doando o Espírito), será necessário escutar o Espírito para saber onde e como enfrentar o caminho; e se o Espírito é dado ao Povo de Deus, que é infalível em crer, e aos Pastores, todos deverão escutar uns aos outros para ouvir o Espírito que fala à Igreja.
Não preciso repetir a descrição feita pelo papa da Igreja sinodal como uma Igreja de escuta. Apenas destaco que o processo sinodal em suas várias fases realmente reconheceu a função do Povo de Deus, sujeito do sensus fidei, e dos Pastores, tanto pessoalmente em suas Igrejas quanto em conjunto nas reuniões de Igrejas.
Em uma Igreja sinodal, não há contradição ou tensão entre o Povo de Deus e seus Pastores, mas o exercício do ministério pastoral se beneficia do exercício da função profética do Povo de Deus. Nunca os Pastores desempenharam um papel tão relevante no discernimento eclesial como neste processo sinodal, fundado na circularidade entre a função profética do Povo de Deus, chamado a consulta nas Igrejas particulares, e a função de discernimento pastoral dos Bispos nas Conferências Episcopais e nas Assembleias continentais. Quem desdenha tudo isso, na verdade, desdenha a participação, ou porque não acredita nela ou porque a teme.
Este Sínodo pode mostrar como a Igreja é realmente capaz de se renovar através da adoção de um princípio de corresponsabilidade diferenciada. Mas é preciso querer isso. E muitos não querem. Exceto, depois, dizer que o sistema não funciona, porque nem todos participaram. Mas deve-se perguntar se aqueles que não participaram do processo sinodal fizeram essa escolha por vontade própria, ou se foi porque aqueles que deveriam iniciar e sustentar esse processo em sua fase inicial – muitos bispos e muitos padres – nem sequer se dignaram a informar o santo Povo de Deus, considerando inútil um Sínodo que os incomodava no exercício de um ministério que, na maioria dos casos, se reduziu à guarda dos escombros.
Mais do que pensar em separações, eu pensaria em como tornar efetiva a participação de todos. O processo sinodal é o “lugar” institucional onde sinodalidade, colegialidade e primado podem ser exercidos em sinergia, cada um segundo a sua função.
Os abusos e os escândalos financeiros sugerem o trinômio (transparência, prestação de contas, avaliação). Os episcopados, como o alemão, poderão se beneficiar de tudo isso?
Por que apenas o episcopado alemão deveria se beneficiar de tudo isso? E por que apenas os episcopados? Toda a Igreja e todos na Igreja são chamados a adotar esses critérios. Beneficia a todos uma Igreja que vive à luz do dia e que adota a transparência, a prestação de contas e a avaliação como critérios que regulam sua vida em todos os níveis.
Prestar contas da própria administração é um princípio evangélico. E todos são chamados a assumir esse modelo de transparência de forma responsável.
Sem esses critérios, todo o discurso sobre abusos, escândalos e clericalismo como mal da Igreja se reduziria a um mero exercício de retórica ou a um discurso obrigatório pelos acontecimentos, que diz (segundo a fórmula “gattopardesca”) que quer mudar tudo sem querer mudar nada. A renovação e a reforma da Igreja são possíveis somente com a condição da transparência: diante de Deus e dos homens.
A sinodalidade tornará mais “digestível” a exigência de um primado compartilhado nas Igrejas cristãs (n. 107)?
Se há um caminho pelo qual é possível chegar a um exercício do ministério petrino em chave ecumênica, este é o caminho sinodal. O documento sobre o primado recentemente publicado pelo Dicastério para a Unidade dos Cristãos afirma isso explicitamente.
Por outro lado, o processo sinodal em andamento mostrou uma modalidade de exercício do primado totalmente inédita: foi o papa, de fato, quem convocou toda a Igreja à ação sinodal, sem usurpar os direitos dos bispos em suas Igrejas. Ele fez isso como "princípio visível e fundamento de unidade [não apenas] dos Bispos e da multidão dos fiéis" (como dizia o Vaticano I, e reafirmou o Vaticano II: cf. LG 18), mas como princípio de unidade de todas as Igrejas.
Esta é a consequência da afirmação conciliar sobre a Igreja como "corpo de Igrejas", "nas quais e a partir das quais existe a única e única Igreja Católica" (LG 23). Isso é dito em LG 13, ao explicar a catolicidade do Povo de Deus: a Igreja é uma comunhão de Igrejas, sem que isso comprometa "o primado da cátedra de Pedro, que preside à comunhão universal da caridade, garante as legítimas diversidades e, ao mesmo tempo, vela para que o particular não apenas não prejudique a unidade, mas sim a sirva" (LG 13).
Um exercício do primado repensado não no aspecto da jurisdição, mas do serviço à communio – Fidelium, Ecclesiarum, Episcoporum – poderia se estender, com uma disciplina canônica cuidadosa, a todas as tradições cristãs, unidas pelo único batismo "em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" (IL 1).
Por outro lado, sem esse serviço à unidade, as Igrejas estão entregues a um princípio de unanimidade do episcopado, como na tradição ortodoxa, ou a complexos sistemas de representação do Povo de Deus, como em algumas Igrejas evangélicas. No entanto, a necessidade de um princípio visível de unidade já é reconhecida por todas as tradições cristãs. Partir do batismo como espaço de reconhecimento mútuo já seria um começo convincente para o exercício de um ministério petrino ao serviço da unidade das Igrejas.
Após a primeira sessão, os teólogos expressaram certo descontentamento. O texto resolve isso?
A questão dos teólogos e da teologia no processo sinodal é delicada. Sua função está se precisando à medida que a experiência sinodal amadurece. É verdade que, ao final da primeira sessão, alguns teólogos lamentaram uma escuta insuficiente da voz dos teólogos nos trabalhos da Assembleia. Mas é preciso lembrar que o papel dos teólogos é de apoio à Assembleia.
Como coordenador dos teólogos especialistas na primeira sessão, pedi pessoalmente que nosso trabalho fosse em equipe. Através de um trabalho de equipe possibilitado pela constituição de grupos linguísticos, pudemos oferecer um relato circunstanciado dos temas mais relevantes que emergiam da Assembleia e que foram incluídos no Relatório de Síntese.
Sem esse trabalho de leitura dos relatórios dos grupos de estudo e de escuta das intervenções nas congregações gerais, não teria sido possível captar o consenso que estava se formando na assembleia. O Relatório de Síntese pôde indicar as convergências, mas também as questões a serem aprofundadas com base no trabalho dos especialistas.
É claro que se trata de um trabalho humilde, oculto, que coloca conhecimentos e competências a serviço da Assembleia: é uma veste que pode ser apertada para alguns. Mas a própria Assembleia reconheceu o valor desse serviço, pois pediu, ao final da primeira sessão, um maior envolvimento dos teólogos e um maior peso da teologia nos trabalhos da segunda sessão.
O IL é o indicador desse serviço fundamentado na competência teológica. Um grupo de especialistas de todo o mundo (os nomes foram publicados) trabalhou sinodalmente, lendo e discutindo as contribuições provenientes das Igrejas particulares, das Conferências Episcopais, do Encontro dos párocos e das Comissões Teológicas constituídas para aprofundar alguns temas. O texto é o resultado de uma mediação que surgiu principalmente da escuta desse grupo de especialistas.
O desafio é não separar experiência sinodal e teologia da sinodalidade, que, ao contrário, se iluminam e se sustentam mutuamente. A partir da experiência em curso, a teologia pode amadurecer uma visão compartilhada da sinodalidade, compondo as muitas perspectivas que muitas vezes estão em tensão entre si; da teologia, a prática sinodal poderá extrair as motivações para sustentar um caminho de Igreja, que precisa de razões convincentes para se traduzir em forma e estilo de Igreja.
Dessa circularidade entre experiência e teologia, os trabalhos da próxima sessão da Assembleia só poderão tirar grande proveito.
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Interrogativos sobre o Sínodo. Entrevista com Dario Vitali - Instituto Humanitas Unisinos - IHU