20 Agosto 2024
O Ministério da Defesa diz que não há risco militar iminente, mas pede aos cidadãos que se preparem em caso de emergência e que as autoridades façam um inventário de suas estruturas para proteger a população.
A reportagem é de Òscar Gelis Pons, publicada por El Diário, 15-08-2024.
Sob os parques, praças e ruas de Copenhague estão relíquias quase despercebidas do passado que o governo dinamarquês começou a tirar o pó. Um deles está localizado no pátio de uma escola no bairro de Vesterbro, escondido entre ervas daninhas e coberto de pichações. Uma porta de metal localizada no nível da rua se abre e dá origem a um buraco com escadas subterrâneas íngremes.
Dentro do bunker, a escuridão é total e a umidade deixa molhadas as grossas paredes de concreto sólido. O telhado tem dois metros e meio de altura e o espaço é de 30 metros quadrados. No caso de haver um ataque para se proteger, as comodidades são mínimas.
Este abrigo antiaéreo foi projetado para 50 pessoas, ou seja, menos de um metro quadrado para cada uma. No centro da sala há bancos e no teto uma saída de emergência. O bunker foi construído em 1942, no meio da Guerra Mundial. Mais tarde, durante a Guerra Fria, um filtro de areia foi instalado para proteger contra a radiação nuclear.
Pode parecer que os abrigos antiaéreos são uma página do passado da capital dinamarquesa. No entanto, após a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, o parlamento dinamarquês pediu uma contagem de todos os abrigos antiaéreos do país para descobrir quantos estão operacionais hoje. A última vez que esse inventário foi feito foi em 2002, logo após os ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos. O Ministério da Defesa enfatiza que agora não há ameaça militar convencional contra a Dinamarca, mas as autoridades começaram a tomar medidas para aumentar a preparação dos cidadãos em caso de crise ou guerra no país nórdico.
A Agência Dinamarquesa de Gerenciamento de Emergências levou dois anos para compilar a contagem e conclui que existem bunkers para abrigar 3,6 milhões de pessoas, o que representa 61% da população atual do país.
O relatório distingue entre dois tipos de abrigos. Os primeiros são os Sikringsrum (salas de segurança), que foram construídos entre 1950 e 1994 em todos os edifícios. Em tempos de paz, esses cômodos nos porões das casas são usados como depósitos, lavanderias ou espaços para guardar bicicletas. Mas, se houver uma emergência, eles devem ser esvaziados dentro de 24 a 48 horas, conforme estabelecido pelo Ministério da Defesa. O relatório descreve que existem 3,4 milhões de vagas nesse tipo de abrigo.
O segundo tipo são os bunkers públicos, como o de Vesterbro, localizado no subsolo das cidades e projetado para proteger os cidadãos enquanto eles estão longe de suas casas. Esses bunkers são administrados pelo Serviço de Emergência, que informou que 1.000 abrigos permanecem em Copenhague dos 6.000 que foram originalmente construídos.
Apesar de as paredes desses bunkers já terem mais de 70 anos, Tim Ole Simonsen, chefe de operações do Serviço de Emergência da região da capital, acredita que os edifícios ainda podem suportar a explosão de bombas com armamento atual. No entanto, ele ressalta que o maior problema é que "alguns bunkers precisam ser limpos, pois podem estar cheios de água, ratos mortos ou mofo nas paredes, mas no momento faltam recursos para fazer esse trabalho". Noutros casos, segundo Simonsen, os bunkers são usados pelos residentes para todo o tipo de atividades, desde cabines de ensaio para músicos, galerias de exposições de arte e até um clube de provadores de vinhos, "por isso, se necessário, devem ser esvaziados para que possam ser usados novamente como abrigos".
Outro problema apontado pelo chefe de emergências é a localização dessa rede de abrigos antigos, já que foram construídos nos locais mais movimentados da cidade décadas atrás, como as estações dos bondes desaparecidos: "Agora a cidade mudou muito e nos novos bairros onde moram muitas pessoas não há bunkers", Simonsen explica.
Paralelamente à contagem de abrigos antiaéreos, o Ministério da Defesa fez um apelo surpreendente em junho. O vice-primeiro-ministro e ministro da Defesa, Troels Lund Poulsen, pediu aos cidadãos que se preparem em casa para "se defenderem sozinhos por três dias em uma situação de crise". Dessa forma, as autoridades recomendaram que a população armazene água engarrafada, alimentos enlatados e medicamentos, além de rádios e baterias para acompanhar as informações em caso de emergência. O ministério explicou que essas recomendações foram baseadas em informações dos serviços secretos dinamarqueses, que meses atrás alertaram em sua avaliação de risco que as ameaças contra o país são as mais graves dos últimos 30 anos. O relatório refere-se à invasão da Ucrânia pela Rússia e aos ataques cibernéticos da Rússia e da China, bem como ao terrorismo e à instabilidade no Oriente Médio.
A preocupação do Ministério da Defesa deve-se sobretudo a uma guerra híbrida lançada pela Rússia, com alguns incidentes alarmantes, e em resultado do papel de liderança do país nórdico na doação de armas à Ucrânia. Em maio de 2023, 22 empresas dinamarquesas do setor de energia foram vítimas de um ataque cibernético que afetou o abastecimento de 100.000 residências. Ao mesmo tempo, houve vários episódios com drones de origem desconhecida sobrevoando os campos de petróleo e gás dinamarqueses no Mar do Norte. Além disso, os relatórios da Defesa apontam que, em uma sociedade altamente digitalizada e cada vez mais dependente da rede elétrica, novas vulnerabilidades foram criadas em infraestruturas que podem deixar o país paralisado.
O fato de se falar novamente nos meios de comunicação social e no Parlamento sobre os bunkers antiaéreos e a preparação para sobreviver a crises levantou o debate sobre se medidas como estas criam alarmismo injustificado.
Tim Ole Simonsen observa o crescente interesse em abrigos antiaéreos: "Desde o início da guerra na Ucrânia, recebemos mais de 1.000 perguntas de cidadãos sobre bunkers", diz ele. De acordo com Lene Sandberg, pesquisadora de seguridade e proteção social da Universidade de Copenhague, "é normal que os cidadãos sejam curiosos e queiram saber o que as autoridades recomendam. É importante que a comunicação seja aberta e transparente, pois, em alguns grupos, a falta de informação pode gerar incerteza".
A mídia também apontou que países vizinhos, como Suécia e Finlândia, têm protocolos de ação e campanhas de preparação para os cidadãos há anos em caso de todos os tipos de emergências, um aspecto em que a Dinamarca ficou para trás. Em entrevista ao jornal Berlingske, o especialista em segurança e sobrevivência Tim Ustrup diz: "No fim das contas, não devemos esquecer que a resiliência dos cidadãos é um dos requisitos que os estados membros da OTAN devem cumprir".
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Dentro de um bunker em Copenhague: a Dinamarca tira o pó de seus antigos abrigos devido à ameaça russa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU